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16 DE OUTUBRO DE 1992 135

acompanhamento da Assembleia da República na vida das Comunidades, mas é uma lei ordinária e, na minha opinião pessoal, bastante platónica. Ao mesmo tempo, a nível comunitário, os verdadeiros órgãos legislativos (se podemos empregar a expressão "órgãos legislativos") são órgãos que estão directa ou indirectamente dependentes do Governo ou formados na base de designações governamentais; e isso tanto no que toca a Portugal como aos outros Estados.

O Parlamento Europeu tem um papel de pouco ou nenhum relevo no domínio normativo. Claro está, este papel poderá ser alargado, mas, numa perspectiva nacional, talvez não convenha reforçar muito o papel do Parlamento Europeu, na medida em que nele nós temos um peso muito pequeno - 24 Deputados portugueses em quinhentos e tal - e, com a entrada próxima de novos Estados nas Comunidades, o nosso peso será cada vez menor.

Assim, o que importará será reforçar os poderes dos Parlamentos nacionais na base do princípio da separação de poderes e, mais do que reforçar, fazer que eles recuperem aquilo que têm perdido ao longo dos anos. Aquilo que se tem verificado é que as matérias de reserva de competência da Assembleia da República, quando postas a nível comunitário, são objecto de decisão pelo Governo ou por pessoas designadas por ele; e esta actuação traduz-se num desapossamento da Assembleia da República, numa diminuição efectiva das suas faculdades, que será cada vez maior à medida que for aumentando a área de intervenção dos órgãos comunitários, dos órgãos da União.

Ocupando-se hoje o Tratado de Maastricht de praticamente todas as matérias - pois não há nenhuma matéria politicamente relevante que fique fora do Tratado, desde a economia até à protecção do consumidor, à cultura, à investigação científica, ao ambiente -, corre-se o risco de os Parlamentos nacionais ficarem reduzidos a pouco mais que assembleias regionais ou locais e de não terem uma verdadeira intervenção no exercício da função legislativa. Para atalhar este risco, ensaiaram-se, recentemente, por exemplo, na França e na Alemanha, soluções a nível de revisão constitucional.

No caso da França, a Lei Constitucional n.° 92/554, de 25 de Junho, estabelece, no novo título sobre as Comunidades Europeias e a União Europeia, o seguinte preceito:

O Governo submete à Assembleia Nacional e ao Senado, a partir da sua transmissão ao Conselho das Comunidades, as propostas de actos comunitários que comportem disposições de natureza legislativa. Durante as sessões ou fora delas podem ser votadas resoluções no âmbito do presente artigo segundo as modalidades a determinar pelo regimento de cada Assembleia.

Portanto, prevê-se expressamente na Constituição francesa uma fórmula de comunicação entre o Governo e as duas Câmaras do Parlamento, com vista, pelo menos, à informação a respeito dos actos comunitários. Estas resoluções, segundo a doutrina - e ainda ontem estive a ler um artigo/revue do eminente constitucionalista François Lu Chaire na Revue du droit public -, não terão eventualmente força jurídica vinculativa, mas terão, por certo, um grande significado político.

No caso da Alemanha, onde a revisão constitucional ainda (tanto quanto sei) não está concluída, prevê-se, em conjugação com o problema da participação dos Lander dos Estados federados, nas decisões comunitárias, uma intervenção tanto do Bundestag como do Bundesrat relativamente aos assuntos da União Europeia. Vai passar a dizer-se, no novo artigo 23.°, n.° 2, que o Bundestag e os Lander através do Bundesrat concorrem e participam nos assuntos da União Europeia. E a seguir desenvolve-se a intervenção do Bundesrat: o Bundesrat deve participar na formação da vontade da Federação, quando haja medidas que interessem aos Lander ou de que os Lander sejam competentes na ordem interna. Se bem que sejam fórmulas atinentes à estrutura federal do Estado Alemão, elas mostram também a preocupação em prever uma participação do Parlamento nas decisões comunitárias.

Parece-me, pois, que este é um ponto de grande importância na revisão constitucional. Não se tratará tanto de aumentar os poderes da Assembleia da República quanto de o Parlamento recuperar aqueles poderes de que na prática tem sido afastado, permitam-me insistir. Tendo em conta a importância da União Europeia, tendo em conta que cada vez mais se situarão a nível europeu grandes medidas e grandes decisões que afectam a vida de todos nós, se não for adoptada uma solução nesta linha, tudo conduzirá a um sensível enfraquecimento da posição constitucional e política da Assembleia da República.

Com isto não se põe em causa o equilíbrio entre os órgãos de soberania. Pelo contrário, restabelece-se um equilíbrio que, tendo sido pensado em 1976, ou em 1982 ou em 1989 num determinado contexto, foi alterado em face das vicissitudes já ocorridas e das que vão ocorrer nos próximos tempos em consequência da ratificação do Tratado de Maastricht ou, como quer que seja, do desenvolvimento da integração europeia.

O mesmo se diga relativamente às Regiões Autónomas. As Regiões Autónomas têm, por força do artigo 229.°, um direito de participação nas negociações de tratados que as afectem especificamente. Logo, também deveria ser consagrado na Constituição um direito de participação na formação de actos comunitários em condições idênticas. Aliás, na prática, suponho que já isso se tem verificado ao abrigo da cláusula geral do artigo 231.° (e só assim se compreende que até agora os governos regionais, sempre tão zelosos na defesa da autonomia, não tenham vindo reivindicar modificações constitucionais neste domínio).

Estas são as considerações que se me oferece fazer no que diz respeito à organização do poder político. Restaria perguntar se no tocante à fiscalização da constitucionalidade - título I da parte IV da Constituição - não deveria haver alterações, para ir ao encontro do problema das relações entre direito comunitário e direito interno e, nomeadamente, entre direito comunitário e direito constitucional. A doutrina entende, à face dos princípios constitucionais (ou da Constituição como Constituição de um Estado soberano), que o direito comunitário prevalece sobre o direito ordinário, mas não prima sobre o direito constitucional. Portanto, pode haver problemas de inconstitucionalidade de normas comunitárias.

Contudo, esses problemas, a porem-se, poderão levantar muitas dificuldades e graves melindres. Como é sabido, a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades tem-se pronunciado sempre no sentido da prevalência do direito comunitário, mesmo do direito comunitário derivado, sobre o direito constitucional. Penso que não devemos aceitar essa tese - perigosa e exorbitante -, mas também aceitar a possibilidade de tribunais portugueses, designadamente o Tribunal Constitucional, virem a declarar a inconstitucionalidade de normas comunitárias, o que poderia ter consequências inconve-