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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 12 horas e 5 minutos.

Srs. Deputados, temos connosco o Grupo de Trabalho para a Revisão da Lei de Saúde Mental, constituído por iniciativa conjunta do Ministro da Justiça e da Ministra da Saúde, que manifestou o seu interesse em expor-nos os seus pontos de vista sobre, em particular, uma proposta do PS para o artigo 27.º, na parte em que prevê o internamento do doente mental como tal qualificado por tribunal judicial e nos termos por este definidos, e outras questões correlacionadas com esta mesma proposta.
Estão connosco o Presidente do Grupo de Trabalho, o Dr. Jorge Costa, e outros membros do mesmo, a quem agradeço a vossa vinda, e é com todo o gosto que esta Comissão procede a esta troca de impressões, o que temos feito com todas as organizações sociais e também públicas que têm manifestado interesse em nos transmitir os seus pontos de vista sobre matérias atinentes à revisão constitucional, pelo que este Grupo de Trabalho não é excepção. Procederemos como habitualmente nestas circunstâncias. Ou seja, darei a palavra às pessoas que estamos a ouvir para exporem os seus pontos de vista; numa segunda fase, dá-la-ei aos Srs. Deputados para pedirem esclarecimentos ou fazerem comentários e, no fim, darei novamente a oportunidade aos membros do Grupo de Trabalho de responderem, se o desejarem ou entenderem necessário, às perguntas ou comentários que, entretanto, forem feitos.
Dito isto, tem a palavra ao Sr. Dr. Jorge Costa.

O Sr. Dr. Jorge Costa (Grupo de Trabalho para a Revisão da Lei de Saúde Mental): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com enorme satisfação que, em nome deste Grupo de Trabalho, apresento os cumprimentos aos membros da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. Da mesma forma, agradeço a concessão da presente audiência.
Este Grupo de Trabalho foi constituído no âmbito dos Ministérios da Justiça e da Saúde e visa, em última análise, a apresentação de um anteprojecto de diploma relativo à revisão da Lei de Saúde Mental, mas, especificamente, nas matérias do internamento e tratamento compulsivo.
Sentiu-se, na primeira reunião de trabalho, a necessidade de reflectir sobre a adequação ou conformação da lei ordinária ao texto constitucional, por um lado, e, por outro, achou-se por conveniente acompanhar o que, neste ponto específico, fosse reflectido pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Assim, e conhecido um projecto que aborda esta matéria, o Grupo de Trabalho deliberou, desde logo, formular uma alteração ao conceito utilizado: em vez de "doente mental", passaria a ser "portador de anomalia psíquica". E também deliberou analisar em conjunto com esta Comissão a proposta de modelo-base, a construir, no concernente ao internamento compulsivo, maxime nos casos de urgência, modelo judicial versus modelo administrativo com confirmação judicial.
Vem o Grupo reflectindo nas vantagens da adopção do modelo judicial, restando, porém, a vexata quaestio dos internamentos de urgência. Mas, para ser exposta, por um lado, a perspectiva jurídica e, por outro, a explicação psiquiátrica sobre os conceitos, se a tanto se não opuserem, quer o Sr. Presidente, quer os demais Srs. Deputados, gostaria que usassem da palavra os Srs. Drs. António Leones Dantas e, posteriormente, Francisco Santos Costa, para os devidos efeitos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Dr. António Leones Dantas.

O Sr. Dr. António Leones Dantas (Grupo de Trabalho para a Revisão da Lei de Saúde Mental): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ora, a questão de fundo que atravessa todo o debate, e penso que é a grande preocupação que aqui nos reúne, é a necessidade de existir na Constituição uma norma que sirva de suporte expresso à privação da liberdade nas situações em que esta é o único meio para garantir o tratamento a doentes afectados de anomalia psíquica.
A Constituição parte do pressuposto (e disso sabem os senhores melhor do que eu) da tipicidade das medidas restritivas da liberdade.
No entanto, há situações - e penso que é necessário que se forme um consenso sobre isto - em que indivíduos portadores de anomalia psíquica, por força dessa mesma anomalia, colocam em causa bens jurídicos relevantes para a generalidade dos cidadãos. Em minha opinião, vale a pena termos consciência da existência de cidadãos deste país com a vida transformada num inferno por força de terem de conviver quotidianamente com pessoas afectadas por problemas destes. Logo, há aqui um espaço em que se torna necessário privar os cidadãos da sua liberdade, para, dessa forma, garantir a efectividade de um tratamento médico, tratamento esse que afaste o perigo para outros bens jurídicos, que, ao fim e ao cabo, são relevantes e que devem ser acautelados pelo ordenamento jurídico.
Há situações em que o direito à vida, o direito à integridade física, o direito ao património são colocados em causa por pessoas afectadas por problemas psiquiátricos e impõe-se que o seu direito à liberdade seja restringido na medida estritamente necessária para afastar essas situações derivadas das anomalias psíquicas de que eles são vítimas.
Assente que se torna necessário restringir o direito à liberdade, como é que a Lei da Saúde Mental, que está em vigor (e é um diploma de 1963), resolveria este problema? A Lei de Saúde Mental corporiza uma forma de internamento, o chamado internamento em regime aberto, em que os cidadãos afectados de anomalia psíquica são privados da sua liberdade, são internados compulsivamente em estabelecimentos hospitalares e sujeitos ao tratamento médico necessário à correcção das suas situações derivadas da anomalia psíquica. O modelo de internamento que aí está previsto é, basicamente, de natureza administrativa, embora a própria lei, quando o internamento ocorra em estabelecimentos médicos de natureza particular, não oficiais, exija já que esse internamento seja objecto de uma autorização judicial prévia. Ou seja, a própria lei de 1963 é uma lei que se preocupa, de uma maneira muito clara, com os controlos judiciais das privações do direito à liberdade, porque, por um lado, quando prevê o internamento em estabelecimentos oficiais de saúde, exige a confirmação do internamento posterior à privação da liberdade e ao internamento, e, por outro lado, relativamente a internamentos em estabelecimento particulares, a lei exige desde já que, para o internamento ser efectivado, haja uma autorização judicial à efectivação desse mesmo internamento.
Em todas as recomendações internacionais que atravessam esta matéria a situação de internamento por via administrativa ou por via judicial existe. Há ordenamentos jurídicos que consagram soluções de natureza administrativa, embora sujeitas a confirmação judicial - penso que a solução da lei de saúde mental francesa é paradigmática disso - e há países que adoptaram declaradamente o modelo de internamento por via judicial, e a solução da lei belga relativa a esta matéria é paradigmática disso. Mesmo nos casos em que o internamento se verifica por via administrativa, ele também está sujeito a uma série de controlos, judiciais, e não só, que, no fundo, visam evitar quaisquer abusos na privação e restrições do direito à liberdade.
A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que, no fundo, terá influenciado, de certa forma, o artigo 27.º