De qualquer maneira, na nossa perspectiva - mais uma vez o digo -, se, por acaso, houvesse uma situação de igualação dos juízes que pretendem ter acesso ao Supremo meramente em termos de provas públicas, não podíamos esquecer que o currículo dos juízes teria de ser um dos elementos a ser avaliado publicamente, uma vez que a generalidade dos juízes, normalmente, com pequenas excepções - posso afirmá-lo com conhecimento de causa, porque, se bem que toda a minha vida tenha sido magistrado e, por consequência, tenha estado de um determinado lado, hoje em dia estou do outro lado a observar o que se passa em Portugal acerca da magistratura - são indivíduos dedicados à função, são indivíduos que perdem muito tempo, que têm muito trabalho e esse trabalho impede-os muitas vezes de fazer investigação científica, e até nem é desejável que o façam nas suas decisões, já que, na minha óptica, muitas vezes, as pessoas a quem se dirige, afinal, a actividade dos juízes estão pouco interessadas nos trabalhos doutrinais que eles façam nas suas decisões. Mas, quando digo isto, não estou a dizer, de forma alguma, que o juiz não seja estudioso, mas muitas vezes esse trabalho que o juiz acaba por fazer impede-o, pelo seu volume, de ter a visão que um técnico que se dedica à investigação tem.
Nessa altura, para haver uma situação igualitária, parece-me que até se impunha que fosse fornecido ao juiz um tempo para preparar a prova pública exigida pelo concurso para juiz do Supremo Tribunal de Justiça.
Finalmente, há um problema, que actualmente tem muita acuidade, que é o da incompatibilidade dos juízes. A Constituição da República limita a incompatibilidade dos juízes a duas situações: permite que eles sejam docentes e que procedam a investigação de natureza jurídica, desde que não sejam remunerados.
Em tempos, a Assembleia da República, através da Lei n.º 2/90, tentou, de alguma maneira, limitar a actividade do juiz a determinadas situações que não pudessem ter implicações secundárias no prestígio da justiça, no bom nome dos juízes, inclusivamente na seu próprio oferecer de face, porque isso, enfim, pode dar origem a críticas, em relação às quais, de alguma maneira, devemos manter incólumes a magistratura. Isto teve como consequência que o Tribunal Constitucional veio julgar inconstitucional determinada norma, e, hoje em dia, o Conselho viu-se obrigado a aceitar essa actividade.
Posso citar um caso prático que se passou, e por isso é que eu disse que tem actualidade. Como sabem, há magistrados que, hoje em dia, ocupam lugares de alguma maneira relevantes no futebol e têm sido objecto de críticas, principalmente dos colegas, enfim, pela imagem que acabam por traduzir em relação aos juízes.
Quando tomei posse, em 1995, no Conselho Superior da Magistratura, na primeira sessão do plenário, havia um juiz que requeria a colocação numa das associações de futebol, da qual não sei o nome e, para ser verdadeiro, nem tive a preocupação de o saber, e lembro-me de que - porque, enfim, vinha de uma geração já um pouco antiga de uma associação académica que não existe (e sou hoje anti-Académica tal como fui na altura da Académica...), por consequência, acho que o desporto tem uma função que é capaz de não ser a do futebol actual, desculpem o meu trocadilho neste aspecto - me chocava ver que os juízes podiam estar naquelas situações e, em certa medida, ia opor-me a que fosse autorizado esse juiz a ir para essa situação. Nessa altura foi-me respondido pelo plenário que havia um Acórdão do Tribunal Constitucional que dizia que não nos podíamos opor, porque era um direito do cidadão. E eu, perante a realidade, achei que era avisado não prosseguir na minha insistência e, por consequência, esse indivíduo foi para essa instituição.
Em relação ao que se passou agora, a situação foi a mesma: houve realmente um magistrado que ocupava uma função-chave, salvo erro, num dos organismos do futebol, que deu margem a uma certa reacção em cadeia dos próprios juízes quanto à sua mediatização na Televisão e a posições que tomou, em que havia uma certa zona cinzenta ou, pior do que isso, uma zona quase negra em determinadas afirmações que fez, o que levou o Conselho a tomar uma atitude investigatória, no sentido de saber o que é que se passava acerca de determinadas condutas, estando a decorrer um processo para apurar o que é que se passa, e, possivelmente, poderá dar origem a um processo disciplinar.
Tudo isto que tenho estado a dizer é para sensibilizar os Srs. Deputados de que sinto que o Conselho não pode, com os instrumentos legais que tem actualmente, obstar a que os juízes ocupem determinadas posições, que, na minha óptica e na óptica do Conselho, de alguma maneira, não merecem dignidade. No fundo, o que se passa é o seguinte: não sei se são os juízes que, quando vão ocupar essas posições, as branqueiam ou se são eles que se sujam e, com eles, a restante magistratura.
Nesse sentido, é opinião do Conselho que se deveria formular uma norma constitucional atribuindo ao poder legislativo a possibilidade de, em determinadas circunstâncias, poder obstar a que os juízes ocupem determinados lugares. Evidentemente que não seria uma coisa pontual, não seria uma coisa simplesmente genérica, mas salvaguardava, porque… Em relação a esta situação agora houve da parte dos próprios magistrados juízes uma certa reacção perguntando ao Conselho por que é que não actuava.
Não sei se algum dos meus colegas terá mais alguma coisa a dizer, mas, genericamente, a nossa posição é mais ou menos esta.
O Sr. Presidente: * Sr. Dr. Juiz Helder Roque, quer acrescentar alguma consideração ou querem guardar-se para responder a eventuais observações que sejam feitas?
O Sr. Dr. Juiz Helder Roque (Membro do Conselho Superior da Magistratura): * Sr. Presidente, penso que o Sr. Conselheiro se referiu exemplarmente em termos gerais às posições e às preocupações que temos.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, ouvimos a exposição do Sr. Juiz Conselheiro Chichorro Rodrigues estabelecendo as posições do Conselho Superior da Magistratura quanto a cinco pontos: recurso de amparo, tribunais militares, acesso às Relações, acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e incompatibilidades dos juízes, tudo temas que tivemos já ocasião de abordar numa primeira volta da discussão dos projectos de revisão constitucional.
Darei, de seguida, a palavra aos Srs. Deputados que queiram fazer alguma observação, pedir esclarecimentos ou estabelecer posições, apelando apenas para o seguinte: lamentavelmente não dispomos de todo o tempo, temos, inclusivamente, outra audiência marcada já a seguir, portanto, peço algum sentido de economia, sobretudo no sentido de não repetirmos discussões que já aqui tivemos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.