O Sr. Presidente (Vital Moreira): * Declaro aberta a reunião.
Eram 15 horas e 40 minutos.
Tem a palavra o Sr. Presidente da Assembleia da República.
O Sr. Presidente da Assembleia da República (Dr. Almeida Santos): - Sr. Vice-Presidente, Srs. Professores, Srs. Deputados, queridos estudantes, quero felicitar-me e felicitar o Prof. Jorge Miranda por manter este hábito salutar de trazer à Assembleia da República estudantes de direito, o que me dá uma oportunidade, desde logo, de estar aqui rodeado de dois "monstros" do direito constitucional e, sobretudo, de estar rodeado de jovens, o que é sempre um encantamento para mim, sobretudo jovens futuros colegas. Vamos ser colegas, qualquer dia, e creio que tiveram muito bom gosto em escolher o curso de direito.
O curso de direito é um curso exaltante. É o curso mais bonito, para mim, porque foi também aquele que escolhi, embora não seja para toda a gente. É um curso que simultaneamente faz apelo à inteligência, não se pode ser um bom jurista sem se ser inteligente e, desde logo, os meus cumprimentos por terem feito a escolha do caminho da inteligência, e não se pode ser um bom profissional de direito sem se ser muito capaz e muito hábil.
O direito o que é, no fundo? É a ciência que nos permite fazer normas de conduta, balizar a conduta dos homens. Vejam a importância que isto tem, sermos responsáveis por aquilo que os homens podem licitamente fazer e aquilo que devem deixar de fazer! É uma responsabilidade muito grande, porque, no fundo, vamos condicionar a vida de todas as pessoas, os seus direitos, as suas obrigações, a sua liberdade, em suma. E depois, na vida prática, quer através da magistratura quer da advocacia - muitos de vós sereis magistrados, os outros advogados -, permite-nos, como advogados, ir ao encontro das aflições das pessoas e dos seus problemas, esclarecê-los e ajudá-los a resolvê-los e, como juízes, ter a vara da justiça na mão e dizer que quem tem razão é António não é José, e toda a gente acata a decisão dos juízes. As decisões dos juízes não se discutem porque os juízes, inclusive, são independentes nas suas opiniões, só respondem perante a sua própria consciência e só têm que respeitar a lei, mais nada. Nenhuma determinação política, nenhum princípio, nenhuma regra de outra ordem; são a voz da lei e são, digamos, os sacerdotes das casas da justiça.
Isto, portanto, dá-vos a ideia da responsabilidade que assumistes quando escolhestes o curso de direito. Não é um curso de prepara uma vida fácil, é uma vida muito responsabilizante, que põe problemas de consciência, muitas vezes, quer aos advogados, quer aos juízes.
Mas também na ciência do direito, que está na base da feitura das leis, embora nem todos os que fazem a lei sejam juristas, eu diria que, apesar de tudo, quem mais marca a feitura das leis são os deputados que são juristas - respeitamos muitos os engenheiros, são muito importantes para fazer as pontes, as estradas, os edifícios, mas uma estrada é uma estrada, é lidar com betão armado, nós lidamos com pessoas, que é muitíssimo mais importante, e com valores, com a liberdade -, os deputados que são juristas, e alguns de vós sê-lo-ão, são aqueles que talvez mais podem influir na feitura das leis, pelo menos no seu aspecto formal.
Sabeis, porque os vossos mestres já vos disseram, que a lei nasce ou de propostas de lei vindas do governo ou de projectos de lei vindos dos Deputados, que nos seus gabinetes, sem ninguém ver, é um trabalho que ninguém vê, que não brilha, fazem projectos de lei. A partir daí o tratamento é o mesmo, as leis são discutidas, na generalidade, no plenário, que é uma sala como esta, talvez não tão bonita, mas é uma sala com muito prestígio e sempre com muitos jovens a assistir, nomeadamente das escolas, o que é bom. Ali se discute se lei é boa, se é má, se os princípios que presidem à lei são bons, se são maus, se aquilo convém ao país ou não convém, se convém à comunidade ou não, se serve os interesses das pessoas ou vai contra esses interesses. Depois, passam às comissões, e nas comissões aprimora-se a forma e aprimora-se, digamos assim, a redacção. Há artigos que passam sem retoque, outros não passam, outros passam com retoque, e ali mesmo, na comissão, em regra, faz-se a votação na especialidade, quer dizer, sobre as palavras, sobre os artigos, artigo a artigo, normalmente. Só excepcionalmente, no caso do orçamento e pouco mais, é que as leis também são votadas no plenário na especialidade, e o mesmo o orçamento só na parte relativa à matéria fiscal ou quando os partidos políticos requerem que a matéria seja votada no plenário. A regra é a votação na especialidade fazer-se nas comissões.
Como vêem, também sem espectáculo. É um trabalho, que é o principal, mas que não tem espectáculo. A televisão normalmente não está lá para filmar o trabalho dos Deputados, por isso esse trabalho não é normalmente levado em conta quando se aprecia o mérito dos Deputados e do Parlamento em geral.
O Parlamento é, digamos, avaliado pelo debate no plenário, mas o debate no plenário tem muita importância de que as pessoas, às vezes, se não apercebem, porque o debate parlamentar é fundamental para evitar que o governo cometa asneiras ou para apoiar o governo nas suas medidas. É um ambiente de debate fiscalizador da acção do governo e da administração em geral. Vejam a importância que aquele debate tem! Quantas vezes um discurso feito por um Deputado faz com que o governo deixe de cometer um erro que estava preparado para cometer, ou faz com que o governo deixe-se estar numa atitude de passividade em relação a um problema que precisa de ser resolvido. Portanto, aquele debate é um debate importantíssimo.
A Assembleia, como sabem, tem poder de fiscalização da actividade do governo e da administração e é ali, no plenário, fundamentalmente, que exerce essa actividade e também através da reapreciação dos decretos-leis do governo, porque o governo tem uma competência paralela à da Assembleia na generalidade das matérias. Há outras matérias que, pela sua importância, são reservadas à Assembleia e o governo não pode legislar nessas áreas, mas sempre que o governo legisla a Assembleia pode chamar a si o decreto-lei que o governo fez e revê-lo, confirmá-lo, revogá-lo, suspendê-lo ou alterá-lo, enfim pode fazer dele aquilo que entender que deve, inclusivamente apagando-o do sistema jurídico, ou confirmando, se for caso disso, ou alterando-o, deixando-o seguir o seu caminho mas com alterações.
Vejam, portanto, a importância que tem o debate parlamentar.
Então, porque é que a Assembleia e os parlamentos em geral não são o órgão mais prestigiado, como deveriam ser? Porque, no fundo, o acto político mais importante é a feitura