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Hoje, as novas tecnologias permitiram encurtar os espaços nacionais e hoje vai-se daqui ao fim do mundo em menos tempo do que aqui há 50 anos se ia daqui ao Porto ou ia daqui ao norte. Portanto, os países "encolheram"; as pessoas têm mais acesso à informação, recebem em casa, à mesma hora, o telejornal com as notícias de todo o mundo, todos sabemos tudo sobre tudo. A informação horizontalizou-se e os conhecimentos horizontalizaram-se, não tanto em profundidade mas em extensão.
Isso quer dizer que as novas tecnologias puseram o cidadão em condições de exercer algumas das prerrogativas que tradicionalmente delegou nos Deputados.
Quer dizer, coloca-se hoje o problema de uma sociedade civil que começa a emergir da sua antiga passividade para uma sociedade civil mais activa, mais reivindicativa, mais "brigona", digamos assim - corta a estrada, não deixa pôr aqui a lixeira, exige que isto seja assim, que não seja assado, quer aumentos disto, quer aumentos daquilo, portagem nem pensar!...
Ora bem, isto quer dizer o quê? Quer dizer que a delegação de poderes tende a não ser tão global e tão absoluta, começa a ter de encarar limitações, devolvendo à origem, ou seja, ao soberano, ao povo, alguns dos poderes que tradicionalmente o povo delegou ou transferiu para os parlamentos.
Já acontece isso ao nível do poder local. A junta já tem a sua "mesinha" de poder autónomo, as câmaras também, as regiões, amanhã, se forem criadas, terão também alguma soma de poder autónomo, mas a sociedade civil não se satisfaz com isso e quer não só mais poderes para o poder local como quer ela própria poderes.
Hoje, a sociedade civil interfere em muitos aspectos da vida do nosso país, como dos outros, por exemplo, no domínio das instituições particulares de solidariedade social. Dá apoio aos velhinhos, às crianças, aos idosos, etc. Temos 3000 instituições particulares de sociedade social em Portugal, o que quer dizer que são 3000 associações que têm um papel - em regra, financiadas, em parte, pelo Estado, mas, em regra também, na base do voluntarismo - que se substitui em tarefas que tradicionalmente eram do Estado.
Esta sociedade civil, que tende a exigir participação mais activa nas decisões que lhes dizem respeito, tende, portanto, a pôr em causa o velho modelo da democracia parlamentar, da democracia representativa. A democracia representativa está, de algum modo, num começo de crise e pode vir a estar cada vez mais em crise.
Já hoje é tecnicamente possível - não é ainda economicamente comportável mas é tecnicamente possível - o Primeiro-Ministro instalar em casa de cada família um aparelho com o qual comunica instantaneamente, quando lhe apetecer, a dizer assim: "Estou aqui em dúvida, não sei se hei-de fazer a ponte, se hei-de fazer a estrada? O que é que vocês acham? Se quiserem a ponte digam sim, se não quiserem a ponte digam não". E 10 minutos depois tem a respostas todas num ecrã de um computador, o que significa que, hoje, já é possível regressar a formas de democracia directa que não eram possíveis aqui a alguns anos.
Não quer dizer que seja praticável de imediato, mas a sociedade civil começa a tomar consciência de que isso pode vir aí, um dia isso pode vir aí, e a representação tem de ir levando cortes substanciais.
Todos estes fenómenos fazem com que a opinião pública tenha em relação aos parlamentos uma atitude crescentemente crítica e crescentemente restritiva de admirações que eram tradicionais e que hoje já não existem. É assim aqui, é assim em todo o mundo, não é um problema do nosso país, é um problema de todas as democracias, mas vocês, que são ainda muito novos, vão-se preparando para ver este fenómeno a avançar no sentido de mais transferência de poderes para o poder local, mais transferência de poderes para a sociedade civil. Mas, atenção: tem de haver algum juízo na dimensão desta transferência, porque no dia em que o Estado quase se limitasse a existir sem ter verdadeiros poderes e que o grosso dos poderes tivesse sido delegado ou transferido de novo para a sociedade civil, provavelmente, ou arranjamos uma outra forma de institucionalização do poder, mais desconcentrado ou mais descentralizada mas ainda assim controlada, ou então estamos a encomendar a pior anarquia, porque a autoridade é precisa e, em regra, quando são muitos os pólos que exercem o poder, a autoridade esvai-se.
É preciso que haja um órgão central de poder. Aliás, começa já hoje a pôr-se o problema das autoridades centrais dos países não chegarem e serem necessárias formas intermédias de autoridade, como, por exemplo, na União Europeia, em que os órgãos de decisão já são supranacionais, para um espaço superior ao espaço de cada nação, de cada país, mas inclusive, num horizonte mais ou menos longínquo, a possibilidade de centros de decisão mundiais.
Hoje fala-se muito em globalização, de que todos vocês já ouviram falar. Tudo se está a globalizar rapidamente, a informação já se globalizou, os transportes estão a globalizar-se, o turismo está a globalizar-se e começa até a globalizar-se a possibilidade de uma segunda língua, que é a inglesa, que se vulgarizou através da televisão e do cinema; hoje, quase todo o mundo fala um pouco de inglês e falará cada vez mais.
Portanto, a tendência para a unificação política do mundo, em meu entender, é uma tendência irreversível, embora possa ter avanços e recuos e seja difícil datar o ponto de chegada. O que sei é que já há problemas que hoje mesmo não têm solução nacional. A paz nunca teve, como sabem, e daí as guerras entre as nações. A saúde pública precisaria de um centro de decisão mundial; a droga precisaria de um centro de decisão mundial; a defesa do ambiente e da saúde do planeta precisaria de um centro de decisão mundial, e talvez até o emprego e as migrações étnicas. Tudo isso são problemas que começam a criar a necessidade de centros de decisão superiores aos centros de decisão nacionais.
E, então, vejam esta coisa engraçada: ao mesmo tempo que o poder tende a concentrar-se ao nível das cúpulas, tende a fraccionar-se ao nível dos próprios espaços nacionais, com mais poder local, com mais poder transferido para a sociedade civil, etc.
Bom, mas isto tudo já vos disseram muito melhor do que eu os vossos mestres. Eu só queria prestar-vos homenagem com a minha presença aqui, dizendo que é com muita alegria que vos vejo visitar o Parlamento, porque isso dá-me uma esperança: é que quando vocês chegarem à ideia adulta, sendo juristas, tenham para com o Parlamento uma compreensão que os novos juristas não têm e que possam, nessa altura, ser pólos de opinião na sociedade civil do futuro para que ela seja não menos reivindicativa, porque até penso que ela deve ser mais reivindicativa, mas menos brigona, uma vez por outra, menos brigona e menos agressiva, porque outro dos grandes problemas que