haver algum interesse do ponto de vista político em sublinhar esta ideia de complementaridade, mas do ponto de vista estritamente jurídico parece-me que não é necessário.
Inclusivamente, se se pensar numa declaração aquando da própria ratificação, suponho que o sublinhar desta ideia de complementaridade poderá constar dessa mesma declaração.
Em relação à proposta do PS, de alteração ao n.º 6 do artigo 7.º, vejo com bons olhos a introdução da expressão "e de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça", porque ficará claro, do meu ponto de vista, que a União Europeia deixou de ser um espaço de coesão económica e social estrito. E há aqui uma chamada de atenção clara para aquele que é o terceiro pilar pós-Maastricht - a construção deste "espaço de liberdade, de segurança e de justiça" tem a ver, no fundo, com os assuntos internos e com a justiça.
Julgo, pois, que a ideia de sublinhar uma União Europeia a este nível é positiva e deve avançar-se por esse caminho, porque tem uma dignidade mais do que suficiente para figurar na nossa Constituição, mais concretamente neste n.º 6 do artigo 7.º.
Para não passar para outro assunto, a expressão que consta da proposta do PS, do artigo 298.º-A, "Portugal pode reconhecer a jurisdição do Tribunal Penal Internacional instituído pelo Estatuto de Roma (...), nas condições nele previstas.", parece-me seca, directa, simples e não me merece qualquer reparo nem sequer comentário. Volto a dizer que se justifica esta expressão neste artigo se se optar pela modificação do n.º 6 do artigo 7.º. E, como me perece positiva esta modificação, acolheria de bom grado estas duas alterações: modificação da redacção do n.º 6 do artigo 7.º e acrescento, no fim, de um artigo relativo ao Tribunal Penal Internacional, com o destaque que lhe é dado, isto é, através de um artigo próprio.
Se passarmos à proposta do PSD relativa ao artigo 15.º - embora seja um dos tais artigos que não estaria na mente do Sr. Presidente tratar comigo -, uma leitura breve e sem grande profundidade leva-me a colocar a seguinte questão: porquê destacar os cidadãos da República Federativa do Brasil dos Estados de língua oficial portuguesa? Deve haver uma razão, mas confesso que não a identifico, à primeira vista. Embora o Brasil seja uma grande nação e um país irmão, pergunto se tal não poderá, inclusivamente, levantar alguns problemas de relacionamento com todos estes países.
A actual redacção do n.º 3 do artigo 15.º utiliza a expressão "cidadãos dos países de língua portuguesa", na proposta do PSD utiliza-se a de "cidadãos da República Federativa do Brasil e dos demais Estados de língua oficial portuguesa, com residência permanente em Portugal, (...)". A expressão "com residência permanente em Portugal" pode ser tomada como um qualificativo só dos habitantes dos demais Estados de língua oficial portuguesa e, em relação aos da República Federativa do Brasil, deixa de ser um requisito necessário.
Quanto ao mais, não tenho qualquer comentário a fazer.
Passaria, então, para a questão das buscas domiciliárias (artigo 34.º). Aqui, confesso que tenho alguma dificuldade, do ponto de vista do jurista e do processualista, em aceitar esta solução, na medida em que entendo que há uma protecção absoluta da habitação para efeitos de buscas durante a noite, protecção absoluta que tem razão de ser.
Com esta proposta quebra-se essa protecção, e quebra-se através de um requisito que pode existir ou não, conjugado com outro: a questão do consentimento do visado e a ordem de autoridade judicial competente, apenas no caso de criminalidade relacionada com tráfico de estupefacientes.
A primeira dúvida que me surgiu foi esta: porquê (num artigo que é da Constituição) restringir a um tipo de crime muito específico esta abertura da possibilidade de se fazerem buscas no domicílio durante a noite? Suponho que, em técnica legislativa, na Constituição, não se deveria mencionar um concreto tipo de crime para justificar uma determinada medida. É sempre difícil afirmar que "este e só este" justifica esse tipo de medida, sobretudo porque, ao lado do tráfico de estupefacientes, há, realmente, outros tráficos e outros crimes tanto ou mais graves.
É evidente que a incidência do tráfico de estupefacientes é muito grande, preocupa-nos talvez mais do que outro tipo de criminalidade grave. Não obstante, seria da opinião de que, tratando-se de uma medida de processo penal, não deve estar ao serviço de apenas um crime e deve ser facultada para todo o tipo de criminalidade que tenha a gravidade do tráfico de estupefacientes. Não sei qual seria a alternativa aqui, mas suponho que isto reclamaria uma alteração do Código de Processo Penal e, portanto, remeteria para os termos da lei, ou para os casos que a lei designasse, aqueles em que poderia haver esse tipo de actuação. Mas, na Constituição, restringir só a um tipo legal de crime… Nem sequer pode dizer-se "tipo legal de crime", pois tráfico de estupefacientes é, se calhar, uma expressão mais vaga porque abarca associação criminosa para o tráfico de estupefacientes.
A grande objecção que me parece poder ser feita aqui é quanto a esta alternativa: "(…) um dos seguintes pressupostos: a) O consentimento do visado, ou visados; b) Ordem de autoridade judicial (…)". Por mim, mostrar-me-ia relutante em aceitar como suficiente esta condição "consentimento do visado, ou visados" - qualquer agente policial, a qualquer hora da noite, entra na casa de quem quer que seja com o objectivo de fazer uma busca desde que haja consentimento dos visados. Parece-me que é realista pensar que o consentimento dos visados nestas condições é prestado sempre por quem está numa situação de grande inferioridade, de grande fragilidade.
De maneira nenhuma quero duvidar da correcção da actuação das nossas polícias, o que é certo é que este é um consentimento que se rodeia de um circunstancialismo muito próprio, o qual, eventualmente, durante o dia, não teria sido dado, pelo menos da mesma maneira.
Depois, há sempre a questão de se pensar que uma negativa pode acarretar represálias, há o medo dessas represálias. Diria que um consentimento do visado, dado nestes termos, durante a noite, não tem o grau suficiente de liberdade, de autodeterminação da pessoa, que permita considerar suficiente esse consentimento para que haja esta invasão da privacidade, quando não da intimidade destas pessoas.
Assim sendo, parece-me que o "consentimento do visado, ou visados" deveria ser banido deste preceito mas, a ser aceite, então, eventualmente e no limite, como condição para entrada na casa das pessoas durante a noite, poderia substituir-se já não digo por autorização da autoridade judicial, mas pela presença da autoridade judicial. Parece-me que é um valor de tal maneira importante que se justifica uma equiparação clara, por exemplo, ao que acontece com os escritórios de advogados ou de médicos, em que tem de ser o juiz a presidir à própria diligência. No