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buscas nocturnas, mas porque, de facto, na consciência colectiva espanhola, existe a ideia de que o domicílio, de noite, pode, porventura, ser visitado pela autoridade judicial ou policial.
Em segundo lugar, a nossa Constituição, como já foi aqui dito, deixa em aberto para o legislador ordinário o conceito de "domicílio" e o conceito de "noite". O conceito de "noite" é também fixado no Código de Processo Penal, como sendo o período que vai das 21 horas às 7 horas da manhã, o que, efectivamente, se é por causa do escuro ou da luz do dia, tem os seus quês. É que, no Verão, às 21 horas é de dia e, no Inverno, às 7 horas da manhã ainda é de noite, não é verdade?! Ora bem! De qualquer modo, há que fixar um critério.

O Sr. Procurador-Geral da República: - Na Suécia, seria um problema!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - E se fôssemos para a regulação horária anterior, no tempo em que o Professor Cavaco Silva era Primeiro-Ministro, tínhamos um dia que acabava às 24 horas, com duas horas sobre o Greenwich, e a noite acabava muito depois.
Mas este conceito de "noite" é um conceito da legislação ordinária e não um conceito que a Constituição defina claramente.
Em terceiro lugar, a nossa legislação penal, concretamente o Código de Processo Penal, nesta matéria, tem alguma ambiguidade e faz uma distinção clara nos artigos 177.º e 174.º sobre determinado tipo de crimes, sendo que as tais garantias que devem preceder ou acompanhar a busca são diferentes.
O artigo 177.º, e também o artigo 176.º, relativo às formalidades da busca, mas mais precisamente o artigo 177.º, que é o relativo à busca domiciliária, refere o seguinte: "Tratando-se de busca em escritório de advogado (…)" - que V. Ex.ª já referiu - e "Tratando-se de busca em estabelecimento oficial de saúde, o aviso a que se refere o número anterior (…)", ou seja, em ambos os casos as pessoas recebem aviso. Quanto à busca "(…) em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as 7 e as 21 horas (…)".
O n.º 2 do artigo 177.º estabelece ainda que "Nos casos referidos no artigo 174.º, n.º 4, alíneas a) e b), as buscas domiciliárias podem também ser ordenadas pelo Ministério Público ou ser efectuadas por órgão de polícia criminal. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 174.º, n.º 5.", ou seja, temos de ver o que estabelece o artigo 174.º.
A nossa legislação penal organiza as buscas com várias intensidades, conforme sejam buscas em determinados locais, como escritórios de advogados, consultórios médicos ou outros estabelecimentos, ou em função de crimes, como vamos ver.
De facto, o artigo 174.º do Código de Processo Penal estabelece o seguinte: "Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime (…)". Neste caso, a busca tem o nome de revista, mas quando esses objectos ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida se encontrem em lugar reservado ou não livremente acessível ao público - e aqui também devemos ter em consideração o que é um lugar reservado e o que é um lugar não livremente acessível ao público, por causa do conceito de domicílio -… Aliás, a este propósito, o exemplo que o Sr. Deputado Marques Guedes deu sobre uma casa que se considera domicílio e que tem um postigo por onde sai dinheiro e entra droga, ou o contrário, é um bom exemplo para vermos se se trata de um lugar livremente ou não livremente acessível ao público.
O n.º 4 do artigo 174.º estabelece que "Ressalvam-se das exigências contidas no número anterior as revistas e as buscas efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos: a) De terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa; b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado; c) Aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão.".
O n.º 5 do referido artigo estabelece ainda que "Nos casos referidos na alínea a) do número anterior (…)" - nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada - "(…) a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação.".
Quanto a este aspecto, o Sr. Procurador-Geral da República fez a distinção entre o dia e a noite relacionada com a questão do consentimento, ou seja, referiu que o consentimento é prestado por quem está numa situação de grande fragilidade, dado que o consentimento do visado durante a noite não tem o mesmo grau de liberdade que teria de dia.
Devo dizer que, em relação à criminalidade organizada, à criminalidade violenta e à criminalidade de estupefacientes, entendo que essa liberdade não existe, nem de dia nem de noite. Julgo que uma pessoa que sabe o que tem dentro de casa e sabe que, de um momento para o outro, pode ser exposta perante a existência de instrumentos de crime, de produtos ou de bens que não devia ter em casa e que são fonte de criminalidade, a liberdade dessa pessoa é sempre a mesma, seja de dia, seja de noite! Portanto, quando se tem um depósito de droga ou de armas em casa não se é menos livre de noite e mais livre de dia.
Em quarto lugar, é preciso ver que o artigo 174.º, com todas as ressalvas que prevê, não faz a distinção entre o dia e a noite. No entanto, nós temos de fazer essa distinção devido ao estabelecido no preceito constitucional que referi inicialmente.
Portanto, o legislador penal organizou um aparelho de ataque ao terrorismo e à criminalidade violenta ou altamente organizada de forma diferente do que fez em relação a quaisquer outros crimes. Ou seja, no que diz respeito ao domicílio, a única ressalva que permanece diz respeito a buscas e revistas efectuadas durante a noite.
Em quinto lugar, o legislador penal já pressentiu que o consentimento em flagrante delito e a necessidade de entrar num domicílio sem acesso ou, como a lei diz, "não livremente acessível ao público", tem de ser feito de uma maneira diferente. Devo dizer que já há passos dados no sentido de que a inviolabilidade do domicilio não seja absoluta. E ela não é absoluta! De noite, principalmente, ela não pode ser absoluta. Primeiro, porque de acordo com a legislação comparada, como referiu, esta não é uma das tais garantias dos cidadãos que conste dos direitos universais, de forma a que seja, efectivamente, uma garantia absoluta e não uma garantia sujeita a reserva.