limite, se se entender que isto é mesmo necessário, então, haveria um magistrado judicial a presidir quer às buscas nos escritórios de advogados e de médicos, quer às buscas domiciliárias feitas durante a noite. Neste momento, não quero pensar no que será a reacção dos magistrados judiciais a uma proposta destas…
No entanto, em termos de garantia para as pessoas, passar de uma protecção absoluta para, digamos, um facilitar das coisas, como aqui está previsto, parece-me uma mudança exagerada. Portanto, se, em termos de política criminal, se entende que é mesmo necessário entrar na casa das pessoas durante a noite, então, que se ponha a garantia máxima e essa é, não a autorização de um juiz mas a própria presidência de um juiz à diligência. Isto em relação a este preceito.
É evidente que os outros preceitos que vêm a seguir são opções políticas que não me merecem especiais comentários. Nada tenho contra nem a favor, acho que "sim, senhor" se assim for entendido.
O Sr. Presidente: - Sr. Procurador-Geral da República, muito obrigado pela sua exposição que certamente foi muito útil para, agora, podermos manter algum diálogo sobre os vários artigos em relação aos quais se pronunciou.
Está inscrito, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a quem dou a palavra desde já.
Faça favor.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Procurador-Geral, queria colocar-lhe algumas questões relativamente à sua exposição inicial, para precisar algumas das nossas preocupações, começando pela sequência normal dos artigos e pegando na questão do TPI.
Tomei nota de que, na breve apreciação que fez das propostas que estão sobre a mesa, mencionou expressamente a eventual dispensabilidade da referência expressa às condições de complementaridade em que a jurisdição do Tribunal Penal Internacional poderia ser reconhecida pela ordem jurídica portuguesa, uma vez que - e tomei nota das suas palavras - "resulta à saciedade do próprio Estatuto esse princípio da complementaridade".
A questão que quero colocar ao Sr. Procurador-Geral é a de saber se não pensa que o problema deve colocar-se exactamente para que não fique a ideia de que Portugal adere à Convenção independentemente do que sejam as suas próprias regras. Ou seja, como sabemos, o Estatuto tem condições de revisão própria, as quais, de resto, estão estabelecidas e reguladas no próprio Estatuto e, de hoje para amanhã, nalguns casos, como, por exemplo, quanto ao problema das penas e por impulso português, deverão, porventura, vir a ser alteradas e revistas. Quanto a esta questão da complementaridade, também nada nos garante que fique ad aeternum no Estatuto.
Portanto, a questão concreta que quero colocar-lhe é a de saber se, independentemente de, na actual versão inicial do Estatuto, ser evidente que está lá o princípio da complementaridade, não entende que o mesmo é suficientemente importante como justificativo para a adesão de Portugal a esta semente da criação de uma justiça penal internacional, se não entende que esta é uma das condições, um dos pressupostos básicos que podem justificar a adesão de Portugal. Pergunto-lhe, pois, se não considera que a inscrição no próprio texto da Constituição, seguramente não só reforça muito a posição dos futuros negociadores portugueses nas normais revisões do Tratado e na reapreciação do Estatuto do Tribunal como, além disso, assegura, tranquiliza, estabiliza, diria eu, em termos de ordem jurídica interna, a situação relativamente às preocupações que podem advir do facto de haver esta partilha de soberania.
É que, como o Sr. Procurador-Geral bem sabe, quando estamos a falar em termos de justiça, e particularmente justiça penal, esta é, seguramente, uma das áreas em que, imediatamente, deve ter-se a consciência de que todas as adesões a jurisdições estranhas à ordem jurídica nacional são partilhas de soberania.
Portanto, por estes considerandos que acabei de fazer e independentemente de todos sabermos e de ser um dado factual que, no actual texto do Estatuto, está inscrito, de uma forma clara, o princípio da complementaridade, pergunto-lhe se não entende que esse princípio não é em si um valor próprio que o texto da Constituição Portuguesa deve salvaguardar, sob pena de, de hoje para amanhã, numa eventual evolução do próprio Estatuto, poder perder-se, o que, para nós, é essencial, isto é, o problema que resulta da questão da complementaridade. Ou seja, não entende que, perante a constatação de que, face à ordem jurídica portuguesa, relativamente aos cidadãos nacionais prioritariamente mas a qualquer outro tipo de cidadãos encontrados no espaço português, não haverá razão para serem entregues ao Tribunal, a não ser porque não deve haver uma demissão da ordem jurídica portuguesa e dos tribunais portugueses para o julgamento deste tipo de criminalidade?
Aqui acrescento uma segunda questão que, não tendo a ver expressamente com as alterações ao texto da Constituição, será como que uma decorrência.
Assim - e penso que não perderemos muito tempo com isso, antes pelo contrário, considero que até poderemos ganhar algum tempo -, aproveitaria desde já para colocar à consideração do Sr. Procurador-Geral se gostaria de dar alguma opinião pessoal relativamente a uma questão que, tal como o PSD já expressou publicamente que iria fazer, e fará, é a da necessidade de adequação da ordem jurídica penal portuguesa, por forma a absorver todas as tipificações criminais que resultam do Estatuto, exactamente para garantir que este princípio da complementaridade não fica apenas como um princípio vago e que à ordem jurídica portuguesa e aos tribunais portugueses é, de facto, conferida a legitimidade e a plena competência, em primeira instância, para julgamento de todo o tipo de situações que actualmente estão tipificadas neste Estatuto do Tribunal Penal Internacional.
É que, relativamente a alguns dos crimes, como o genocídio e a escravatura, existem também tipificações criminais próprias na nossa ordem jurídica, mas estas não coincidem exactamente, em alguns aspectos, com as circunstâncias que estão previstas no Estatuto do Tribunal, o que acontece, manifestamente, por exemplo, relativamente aos crimes de guerra e, de hoje para amanhã, também aos crimes de agressão que, ainda não estando tipificados, já estão previstos e que, a seu tempo, serão tipificados no Estatuto do próprio Tribunal.
Pergunto ao Sr. Procurador-Geral se não considera que, para que esta complementaridade não seja um princípio abstracto e passe a ser um valor que, na prática, é observado e respeitado pelos tribunais portugueses, há a necessidade de ser feita uma adequação.
Quanto à questão do Tribunal, deixo-lhe estas duas pequenas notas.