A solução avançada pelo projecto de revisão constitucional subscrito pelos Deputados do PSD prevê, a nível sistemático, a inserção da seguinte norma no artigo 7.º, na matéria de relações internacionais: "(…) em condições de complementaridade face à jurisdição nacional (…) [o que, de facto, resulta, de entre outras normas, do artigo 80.º do Estatuto], reconhecer a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, conforme estabelecido no Estatuto de Roma".
Penso que esta formulação, a ser acolhida, beneficiaria se fosse mais clara, dizendo "conforme estabelecido no Estatuto de Roma e nos seus termos precisos". A polémica que se instalou sobre o acolhimento, no ordenamento jurídico português, que há mais de um século não admite a pena de prisão perpétua, da possibilidade de aplicação desta pena, embora por um Tribunal Penal Internacional, aconselha, do nosso ponto de vista, a que seja extremamente clara a formulação a ser inserida na Constituição.
Depois, será uma questão de escolha inserir esta norma no artigo 7.º, nas relações internacionais, ou, como pessoalmente me parece preferível, numa disposição transitória. É que, apesar de tudo, trata-se de uma inovação, pois a jurisdição penal internacional ainda está a dar os seus primeiros passos, ainda não há sequer uma plena definição dos crimes que entrarão na competência do Tribunal Penal Internacional.
Sr. Presidente, era isto o que queria dizer quanto ao ponto mais importante, do nosso ponto de vista, da occasio da revisão constitucional.
Quanto ao artigo 7.º, há ainda uma outra proposta de alteração, apresentada pelo PS, em que se adita à norma do actual n.º 6 do artigo 7.º um inciso relativamente ao espaço de liberdade, de segurança e de justiça, que tem que ver com a evolução da União Europeia num sentido mais abrangente, resultando, nomeadamente, dos Tratados de Amsterdão e de Nice. A meu ver, será uma benfeitoria constitucional que não suscitará especiais dificuldades, atendendo à posição assumida, nomeadamente, por este Parlamento no que toca à ratificação do Tratado de Amsterdão.
Relativamente ao artigo 15.º, na proposta dos Deputados do PSD, visa-se ampliar os direitos políticos atribuídos por convenções internacionais, e em condições de reciprocidade, aos cidadãos da República Federativa do Brasil e das antigas colónias de língua oficial portuguesa. Trata-se de uma opção política.
Será aceitável, no estado actual das relações na comunidade de povos de língua portuguesa, permitir o acesso aos cargos de ministro e de juiz de qualquer tribunal, ao serviço das Forças Armadas e à carreira diplomática de cidadãos com nacionalidade desses países, embora em condição de reciprocidade? Trata-se de um opção. É, seguramente, um salto em frente no sentido de alargamento da concepção que neste momento vigora em termos de relações entre países irmãos na Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
No que toca ao processo penal, no projecto de revisão constitucional apresentado pelo CDS-PP, prevê-se a possibilidade de autorizar a entrada no domicílio durante o período nocturno relativamente aos casos de criminalidade relacionada com tráfico de estupefacientes. Já estava prevista a possibilidade da entrada desde que houvesse consentimento, mas prevê-se agora também essa possibilidade, independentemente do consentimento, quando houver uma "Ordem de autoridade judicial competente, no caso de criminalidade relacionada com tráfico de estupefacientes, e segundo as formas previstas na lei". Existe, portanto, um certo reconhecimento do flagelo constituído pelo tráfico de estupefacientes.
Apraz-nos, em todo o caso, do ponto de vista nacional, congratularmo-nos de que não esteja aqui previsto o terrorismo, o que significa, de facto, que o terrorismo hoje, felizmente, não tem qualquer expressão no nosso quotidiano. Esperemos que seja uma situação para se manter.
Esta medida é extremamente gravosa, em termos das cartas das liberdades tradicionais, no que se refere à protecção da inviolabilidade do domicílio no período nocturno, o que, de facto, talvez se ache relativamente posto em causa pelas novas condições de vida e de criminalidade.
Eis um ponto sobre o qual penso que seria conveniente que os colegas também se pronunciassem, mas eu, a título estritamente pessoal, que nada tem a ver com o Conselho Superior da Magistratura, diria que não tenho simpatia por este alargamento, embora compreenda ou possa compreender as razões que estão na sua base, porque, efectivamente, muitas vezes o problema não é fácil de tratar, quando está em causa o tráfico de drogas. Se houvesse a certeza de que determinado domicílio estava a ser utilizado por traficantes de estupefacientes, a situação seria diferente, mas, como é evidente, quando se faz uma investigação policial, mesmo com todos os controlos, mesmo existindo um processo pendente, muitas vezes há suspeitas ou indícios que, depois, não se vêm a verificar, e, portanto, temos aqui um balanceamento entre as necessidades da investigação criminal e os tradicionais direitos de reserva domiciliária, de reserva da intimidade da vida privada, durante o período nocturno.
Há ainda mais duas propostas de alteração do texto constitucional, quer no projecto do PSD, quer no do CDS-PP, que se referem à possibilidade de a lei poder estabelecer restrições ao exercício dos direitos de associações sindicais integradas por agentes de forças de segurança e à credencial para que a lei não constitucional possa limitar a renovação sucessiva de mandatos de titulares de cargos políticos, um problema que, fundamentalmente, se tem posto, com especial acuidade, relativamente aos autarcas, aos chamados "dinossauros", aos presidentes de câmara eternos.
Isto tem a ver, de facto, também com a jurisprudência constitucional, porque houve, efectivamente, uma fiscalização preventiva, tanto quanto me lembro, no Verão de 1992 ou de 1993, de uma proposta de lei do governo da época, do Prof. Cavaco Silva, para alterar a Lei das Autarquias, estabelecendo precisamente uma limitação temporal de renovação dos mandatos, e o Tribunal Constitucional, por maioria, numa daquelas decisões do antigo turno de Verão, pronunciou-se no sentido da inconstitucionalidade, por considerar que não havia, efectivamente, credencial constitucional para o efeito, solução essa que foi criticada por certos políticos e também por vários constitucionalistas, nomeadamente pelo Prof. Jorge Miranda, que tem sustentado que o princípio democrático e o princípio republicano comportam, em si, sempre uma possibilidade de limitação dos mandatos e que isso deveria estar na disponibilidade do legislador ordinário. Mas, de facto, não foi essa a orientação do Tribunal Constitucional e, portanto, é compreensível, para quem