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O Sr. Presidente (José Vera Jardim): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados, vamos dar início aos nossos trabalhos de hoje, estando programadas para esta manhã três audições, a primeira das quais com o Sr. Prof. Doutor Fausto Quadros, a quem saúdo.
O Sr. Prof. Fausto Quadros já, por várias vezes, deu o seu contributo a este Parlamento em diferentes matérias, pelo que gostaria de começar por agradecer estar a fazê-lo hoje, mais uma vez, e por se ter disponibilizado de imediato para comparecer nesta Comissão Eventual para a Revisão Constitucional a fim de nos dar a sua opinião sobre determinadas questões relativas a algumas propostas, com vista ao processo de revisão constitucional. As questões a analisar prendem-se com as relações internacionais, designadamente com a criação e ratificação do Estatuto que criou o Tribunal Penal Internacional, com o inciso no artigo 7.º da expressão "espaço de liberdade, de segurança e de justiça" e, finalmente, com o artigo respeitante ao reconhecimento de direitos políticos aos cidadãos dos países de língua portuguesa. Tudo isto, naturalmente, sem prejuízo de o Sr. Professor estar livre, como é óbvio, se assim o entender, para nos prestar também o seu depoimento sobre outras matérias. No entanto, é sobretudo sobre estas matérias que dizem respeito directamente à suas especialidades que gostaríamos de o ouvir.
Como é habitual, será feita uma exposição inicial, a que se seguirá um período de perguntas.
Tem a palavra, Sr. Prof. Doutor Fausto Quadros.

O Sr. Prof. Doutor Fausto Quadros: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, com muita sinceridade quero dizer que é com muita honra que estou aqui - pelas minhas contas, pela terceira vez.
Da última vez que aqui estive, em 1992, pronunciei-me sobre a revisão constitucional prevista para a ratificação do Tratado de Maastricht (Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 9-RC, de 17 de Outubro de 1992).
Saúdo muito respeitosamente a Assembleia da República que representa a vontade popular ao mais alto nível no sistema democrático português; saúdo esta Comissão, à qual está confiado sempre um encargo muito difícil, mas muito aliciante, de exercer o primeiro poder que pertence ao Estado, que é o poder constituinte; saúdo, também, o Sr. Presidente da Comissão e os Srs. Deputados, alguns dos quais, aliás, já tenho o prazer de, a vários títulos, conhecer. Pelo que vejo na lista de Deputados membros da Comissão, inclusivamente, vou encontrar aqui alguns Srs. Deputados que comigo já debateram, da última vez, a questão da revisão constitucional necessária para a ratificação do Tratado da União Europeia, vulgarmente conhecido por Tratado de Maastricht.
Sr. Presidente, como referiu, e bem, irei pronunciar-me fundamentalmente sobre três questões.
Em primeiro lugar, tratarei de uma questão que me parece de simples e rápida análise: o problema da equiparação de direitos dos cidadãos de Estados de língua portuguesa de África, ou fora de África, com os direitos dos cidadãos portugueses. Como referi, esta questão ocupar-me-á pouco tempo.
Em segundo lugar, abordarei o problema da previsão e da constitucionalização da adesão ao Estatuto de Roma, que me ocupará um pouco mais de tempo.
Em terceiro lugar, falarei sobre a alteração prevista para o n.º 6 do artigo 7.º da Constituição, em relação ao qual, talvez contra as vossas expectativas, me ocuparei com mais pormenor, porque entendo que é um dos pontos cronicamente deficientes da nossa Constituição, o que tem a sua gravidade.
Comecemos, portanto, pela questão dos direitos dos cidadãos do espaço lusófono, se esta expressão não ofende ninguém.
Devo dizer que sou insuspeito em relação a esta matéria, particularmente em relação ao Brasil, porque os governos brasileiros e português pediram-me, na devida altura, que arbitrasse com um parecer a questão dos dentistas brasileiros.
Portanto, estou à vontade para dizer que saúdo esta inovação constitucional, embora queira dizer que, nesta matéria, a reciprocidade vale o que vale!
Dou um exemplo: se amanhã o Burkina Faso introduzir um preceito na sua Constituição ou celebrar um acordo internacional com Portugal, dizendo que os cidadãos portugueses podem ser Presidente da República do Burkina Faso (que é uma antiga colónia francesa, embora hoje administrada mais pela Bélgica do que pela França), devo dizer que não me sinto obrigado, como cidadão português - e não me sentiria obrigado como político português -, a dizer que, por reciprocidade, qualquer cidadão do Burkina Faso pode ser Presidente da República em Portugal.
Como referi, em minha opinião, a reciprocidade vale o que vale, embora seja um princípio de direito internacional e, desde logo, um princípio de cortesia internacional.
Ora, o que consta do projecto de revisão constitucional do PSD, na sua essência, parece de saudar, embora haja, desde logo, no texto algumas questões que conviria resolver. Faço este aparte porque entendo - trata-se de uma opinião pessoal de técnica legislativa - que o legislador constituinte deve resolver os seus próprios problemas e não transferi-los para o legislador ordinário, assim como a lei ordinária deve resolver os seus próprios problemas e não transferi-los para o poder administrativo.
Uma questão que desde logo se coloca é a seguinte: quem é que vai dizer o que é "residência permanente" em Portugal?
Em segundo lugar, é usada a expressão "são reconhecidos, nos termos da lei, mediante observância das convenções internacionais". E eu pergunto: porquê "mediante observância das convenções internacionais"? A Constituição não tem de remeter para convenções internacionais. É óbvio que se houver convenções internacionais a respeitar, abaixo da Constituição Portuguesa, elas serão respeitadas, mas esta referência - que não consta do texto do artigo similar da Constituição brasileira por alguma razão - parece-me desnecessária. E volto a frisar que, em minha opinião, o texto constitucional deve facilitar a vida ao legislador e não criar mais obstáculos a este.
Em terceiro lugar, gostaria de referir que não gosto da expressão "direitos próprios dos cidadãos portugueses", que, aliás, não está na Constituição brasileira. O que aí consta é: "direitos inerentes" aos cidadãos do Brasil.
Minhas Senhoras e Meus Senhores: eu, que sou europeísta, que sou a favor da internacionalização de Portugal e que sou a favor do papel forte de Portugal numa era inevitável de globalização e de integração, entendo que é compatível com esse esforço a defesa da identidade do