"o Estado português consente, em condições de reciprocidade com outros Estados, nas limitações da soberania decorrentes da sua livre adesão a organizações internacionais." (ou organizações supranacionais). E, segundo o Professor Jorge Miranda (não sei se ele ainda defende isso ou se o vai defender também hoje), isto até resolveria o problema do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, porque o Professor Jorge Miranda assimila o Tribunal Penal Internacional a uma organização internacional, o que eu não faço. No entanto, se entenderem que assim é, este artigo dispensaria uma cláusula especial sobre o Tribunal Penal Internacional.
Ou, então, adoptar-se-ia uma cláusula de transferência de poderes soberanos, tal como a da Constituição alemã, estabelecendo algo deste género: "o Estado português pode, por acto do Parlamento (ou, se quiserem, por acto livre do Parlamento, o que é uma redundância), delegar em organizações internacionais o exercício dos seus poderes soberanos, em condições de reciprocidade com outros Estados".
Ou, ainda, se quiserem resolver todos os problemas de limitação de soberania, de transferência de poderes soberanos e de ressalva do tratamento mais favorável aos cidadãos portugueses em caso de conflito, em matéria de direitos fundamentais, entre normas comunitárias e normas nacionais, dir-se-ia qualquer coisa que absorvesse a jurisprudência do caso Granital do Tribunal Constitucional italiano, dos casos Solange I, Solange II e do caso Maastricht do Tribunal Constitucional federal alemão (e não cito o nosso Tribunal Constitucional, porque ainda não teve oportunidade para se pronunciar sobre esta matéria), através de um artigo que estabeleça, mais ou menos, que "os tratados institutivos das Comunidades Europeias (ou, se quiserem, da União Europeia) e os que os modifiquem, bem como as normas e os actos emanados dos seus órgãos competentes, prevalecem sobre o direito interno e vigoram na ordem interna nos termos definidos na respectiva ordem jurídica, desde que daí não resulte ofensa aos direitos fundamentais ou aos fundamentos do regime democrático".
Esta é a jurisprudência, pelo menos desde 1978, do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias; esta é a jurisprudência pacífica, hoje, dos tribunais constitucionais e esta é a prática quotidiana da Administração Pública portuguesa, que, em matéria da transposição das directivas, nem sequer, por vezes, acolhe convenientemente a defesa dos interesses nacionais que a própria directiva deixa ao legislador português. Mas essa seria matéria para outra intervenção e, com certeza, noutra sede que não aqui, neste quadro elevado da Comissão para a Revisão Constitucional.
Sr. Presidente, no essencial, disse o que tinha a dizer. Como não me disse qual era o tempo de que dispunha, julgo que não o excedi. Estou agora ao dispor para aprender convosco e para trocar eventuais impressões sobre aquilo que disse.
De qualquer modo, muito obrigado pela honra que me foi concedida de estar aqui, hoje, perante este ilustre auditório. E, se as minhas observações puderem dar um mínimo de contributo possível para esta revisão constitucional, sentir-me-ia muito feliz e muito honrado, embora me tivesse limitado a cumprir o meu dever de universitário e de cidadão.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Professor, pela sua exposição muito rica e que, certamente, suscitará algumas questões dos Srs. Deputados.
Naturalmente, não lhe marquei tempo de intervenção porque os Deputados desta Comissão preferem marcar tempo para si próprios. Aliás, vou aproveitar para pedir aos Srs. Deputados que não se alonguem na formulação das perguntas para não fazermos esperar demasiado os nossos outros convidados.
Tem a palavra, desde já, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, com o pedido de ser tão breve quanto possível.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar queria cumprimentar o Sr. Prof. Fausto Quadros e agradecer-lhe a exposição que aqui nos fez.
Apenas farei dois ou três comentários muito breves para, por fim, colocar uma questão mais concreta.
Quanto ao artigo 15.º, no fundo, o Sr. Professor aperceber-se-á que o que decorre das reflexões que aqui nos quis trazer implicaria, de certo modo, em algumas partes, um alargamento do que é, já hoje em dia, uma situação decorrente do texto constitucional. Nomeadamente, quando falou na possibilidade de também o cargo de Procurador-Geral da República e os cargos de exercício de autoridade genericamente considerados poderem ficar fora da disponibilidade para os cidadãos dos países de língua portuguesa, estava a reduzir o universo que actualmente já existe. Ou seja, o texto constitucional actual permite o acesso - e, do nosso ponto de vista, bem - a esse tipo de cargos, no plano abstracto dos direitos, aos cidadãos de língua portuguesa.
De igual modo (e faço apenas uma breve consideração), o Sr. Professor defendeu, aqui, a hipótese de não se ir tão longe ao ponto de retirar totalmente do texto constitucional o acesso aos cargos, pelo menos na chefia, dos governos regionais. Com franqueza, Sr. Professor, vejo aí duas dificuldades: em primeiro lugar, a primeira figura não é o presidente do executivo, mas o presidente da assembleia legislativa regional, pelo que havia logo aí uma dificuldade, e, em segundo lugar, como o Sr. Professor disse, e muito bem, mesmo não sendo possível fazer a comparação com o Brasil, de qualquer modo o Brasil é um Estado federal, com cargos importantíssimos como, por exemplo, os de governador de estado, que, do meu ponto de vista, não ficam atrás, seguramente, dos cargos dos membros dos governos regionais.
Sr. Presidente, em matéria de artigo 15.º, fico por aqui, pois apenas queria dar como que uma satisfação às reflexões que o Sr. Professor aqui nos quis trazer e apontar os problemas que, do nosso ponto de vista, se colocam relativamente às matérias que suscitou.
As questões concretas que quero colocar dizem respeito ao artigo 7.º. Ouvi-o atentamente e devo dizer que, no plano jurídico, evidentemente, não posso deixar de concordar com a afirmação peremptória que o Sr. Professor faz de que a adesão ao TPI não afecta a ordem jurídica portuguesa, nomeadamente o Código Penal e o Código de Processo Penal portugueses.
É evidente que só temos de, com a devida vénia, concordar com esta sua afirmação, que é profundamente verdadeira. Só que o problema não é esse! O problema está no seguinte: como sabemos, do Estatuto do Tribunal, pela prática de determinado tipo de crimes, decorre a possibilidade de aplicação de penas que, pelo menos ética e moralmente, não são aceitáveis para a ordem jurídica portuguesa.
Nesse sentido, ao aceitarmos a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, de duas uma: ou temos mecanismos