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Saúdo a adesão ao Tribunal Penal Internacional, porque andámos muitos anos a pedir a existência de um tribunal internacional dos Direitos do Homem, ou de algo equivalente - e cá está uma coisa parecida com um tribunal internacional dos Direitos do Homem! Durante vários anos, andámos a queixar-nos de que o Direito Internacional Público não progredia em termos de protecção dos direitos fundamentais, agora, cá está uma primeira manifestação de um grande progresso no Direito Internacional na matéria.
Aliás, o Tribunal Penal Internacional é muito melhor, incomparavelmente, desde logo do ponto de vista jurídico, do que vários tribunais penais regionais como os que existem. Primeiro, porque os tribunais penais internacionais que existem sabem um pouco a ajuste de contas dos vencedores contra os vencidos e, segundo, não podem respeitar dois princípios que este pretende respeitar: o nullem crimen sine lege e a nulla poena sine lege. Agora só se criminalizam os crimes ad futurum, o tribunal não se aplica, retroactivamente, a factos ocorridos no passado.
Espero agora que o Tribunal Penal Internacional constitua uma solução eficaz na comunidade internacional para julgar todos os criminosos de guerra e todos aqueles que pratiquem os crimes aí previstos. Todos e não só alguns.
Acresce que esta adesão não cria embaraços a Portugal porque, pela ordem normal das coisas, não vamos ter grandes problemas com o Tribunal. Que eu saiba não há portugueses implicados em massacres em nenhum dos espaços que estamos a imaginar e não vejo que possa haver, em condições normais, portugueses sujeitos à jurisdição deste Tribunal. A única forma pela qual eu imagino - e já fizemos este esforço de simulação em vários colóquios, em Portugal e no estrangeiro, na universidade ou fora da universidade - que Portugal possa ter conexão com este Tribunal, do Estatuto de Roma, acontecerá se for encontrado em território português, portanto sob a jurisdição de Portugal, teoricamente, algum cidadão implicado de qualquer modo ou indiciado por estes crimes.
Portanto, Portugal nem sequer tem incómodos de grande ordem de nível pessoal caso adira a este Tribunal. Assim, penso que Portugal faz bem em criar as condições para aderir ao Estatuto de Roma.
Vão perguntar-me se é ou não necessária esta revisão constitucional. Há quem diga que não e há quem diga que sim, mas eu entendo que sim e, como sou partidário de que a Constituição deve dizer o menos possível, entendo que a revisão constitucional se deve limitar ao que for necessário e não mais do que isso.
Não é necessária revisão constitucional porque se altera o regime interno jurídico-penal português. Peço licença de discordar aqui de eventuais ilustres antecessores meus nesta função - já terá havido aqui pessoas ilustres que disseram que era preciso mudar o Código Penal português. Eu entendo que não é preciso tocar no Código Penal português, porque a jurisdição penal portuguesa demarcada pelo Código Penal português não sofre a mínima alteração. E, designadamente, se querem ir por aí, vamos ao problema de fundo: não passa a vigorar na ordem interna portuguesa a pena de prisão perpétua. O Estatuto é claro nesta matéria.
Segundo, não é preciso rever a Constituição da República Portuguesa por causa da matéria da extradição. É que aqui não há extradição. Aliás, tive o cuidado de discutir com os autores do respectivo artigo - o artigo 89.º do Estatuto de Roma - esta questão e posso dizer-vos que os "pais" dos Estatuto de Roma tiveram esse problema e ficou claro que ficava no seu artigo 89.º a palavra "entrega" e não a palavra "extradição".
A extradição foi criada, na altura própria, no direito internacional e, por isso, tem limites. Nomeadamente, a extradição foi pensada de Estados soberanos para Estados soberanos. Ora, aqui não há extradição mas, sim, entrega por um Estado de uma pessoa presumivelmente criminosa - ninguém é criminoso enquanto não for condenado por sentença transitada em julgado - a um tribunal internacional, em relação ao qual não se põem problemas de soberania e, portanto, não há aqui um problema de extradição.
Devo dizer-vos que é esta a interpretação dos outros Estados que estão a discutir esta matéria em sede de eventual revisão constitucional. Mas, verificando o modo como nasceu a extradição entre Estados soberanos, aqui o que existe é "entrega", porque é de entrega que se trata e não de extradição.
Reconheço, todavia - já me apercebi disso em sete ou oito colóquios em que participei, em Portugal e no estrangeiro, sobre esta matéria -, que este é um ponto de dúvida. Então, se é um ponto de dúvida acho bem que a revisão constitucional o esclareça, para que não haja amanhã dúvidas sobre a matéria.
Em suma, a revisão constitucional não é necessária por causa da alteração da lei penal interna portuguesa, que não é afectada pelo Estatuto de Roma, nem é necessária por causa da extradição, com as dúvidas que esta matéria pode suscitar, mas já é necessária a revisão constitucional por dois motivos.
Primeiro, porque este Tribunal surge-nos como tribunal subsidiário em relação à jurisdição portuguesa - e aqui peço licença para dizer que duvido da autenticidade ou da correcção da tradução portuguesa, que diz ser este Tribunal "complementar" da jurisdição nacional, porque, também ao que me dizem, esta matéria foi discutida na sede própria e foi entendido que o Tribunal Penal Internacional era subsidiário em relação às jurisdições penais nacionais. E é disso que se trata. Uma coisa é complementar e outra coisa é subsidiário: complementar significa que é necessária a intervenção do Tribunal Penal Internacional para completar algo do tribunal penal português - e não é necessário, porque o que resulta do Estatuto é que se, de modo adequado, os tribunais penais nacionais reprimirem os crimes em questão, acabou aí o processo -, subsidiariamente quer dizer que só se a justiça penal nacional for ineficaz, paralisada ou inepta, se os tribunais não funcionarem, se houver um sistema generoso de prescrições, etc., é que intervém o Tribunal Penal Internacional.
Eu interpreto - e também aqui posso invocar à colação os autores do Estatuto - que onde se diz que a jurisdição penal internacional é complementar se quer dizer que ela tem carácter subsidiário em relação a jurisdições penais nacionais, sempre com o escopo último de reprimir adequadamente os crimes previstos no Estatuto. Portanto, há a necessidade de prever, na revisão constitucional, a intervenção subsidiária do Tribunal Penal Internacional.
Segundo, a revisão constitucional é necessária para adaptar a Constituição ao artigo 27.º do Estatuto (o problema das imunidades), bem como para prevenir a execução, em Portugal, da pena de prisão perpétua, mesmo se não aplicada por tribunais portugueses, o que, todavia, será muito difícil de acontecer.