pena em Portugal, porque o critério será o de a pena ser executada também no Estado onde existam melhores condições para, subsequentemente, garantir a sua reintegração social. Este é o primeiro corolário.
O segundo corolário é o de que na lista de crimes que sejam incluídos como objecto destes mecanismos a que acabei de fazer referência é necessário abolir o princípio da dupla incriminação. Isto é, o princípio de que o mecanismo só opera quando a conduta delituosa for simultaneamente criminalizada no Estado requisitante e no Estado requerido. Basta verificar o pressuposto de que a conduta delituosa é criminalizada no Estado requisitante.
Em terceiro e último lugar, a ideia complementar deste mecanismo judicial é a adopção do chamado mandato de busca e captura europeu, que é o instrumento, no âmbito da cooperação judiciária e policial, que tem como objectivo garantir o princípio de reconhecimento mútuo das decisões judiciais quando se trata de pessoas ainda não condenadas, isto é, de pessoas indiciadas pela prática de determinado tipo de crimes.
O objectivo destes dois instrumentos jurídicos é o de substituir, no âmbito do espaço da União Europeia, a convenção sobre a extradição do Conselho do Europa de 1957, bem como os seus dois protocolos de 1975 e de 1978, e ainda as duas convenções da União Europeia de 1995 e de 1996 sobre a extradição, as quais, aliás, gostaria de recordar, só foram ratificadas a primeira por nove Estados membros e a segunda por oito Estados membros da União Europeia.
Traçados nestes termos os mecanismos sobre os quais estamos a trabalhar no âmbito da União Europeia, permitir-me-ia, se o Sr. Presidente estivesse de acordo, indicar quais são, na minha opinião, as questões que, no âmbito da Constituição portuguesa, se colocam à luz desta lógica que acabei de vos apresentar.
Creio que, basicamente, as questões giram em torno do disposto no artigo 33.º da Constituição. Em primeiro lugar, quanto ao seu n.º 3, na medida em que aí se estabelece um princípio de que a extradição de cidadãos portugueses do território nacional só pode ser concedida quando se trata de criminalidade organizada ou de terrorismo e, no quadro das propostas que preparam, a lista de crimes será mais alargada do que aqueles dois casos a que faz referência a Constituição. Embora alguns dos princípios que este n.º 3 consagra sejam acolhidos pelos instrumentos jurídicos comunitários, como sejam a garantia da reciprocidade, a exigência de que no Estado requisitante esteja salvaguardado o princípio de um processo justo e equitativo…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Está por natureza!
O Sr. Dr. António Vitorino: - Está por natureza, por definição, embora essa questão possa suscitar a necessidade de reflectir sobre se a aplicação deste princípio não deverá sofrer algumas regras de definição de períodos de transição, sobretudo tendo em linha de conta o alargamento.
Na lógica deste sistema, ele só vigora entre os Estados membros da União Europeia, o que significa que sempre subsistirá no ordenamento jurídico de cada Estado da União Europeia um conjunto de regras sobre extradição para países terceiros. E, portanto, naturalmente, o artigo 33.º da Constituição portuguesa não ficaria esvaziado de conteúdo, tem e continua a ter o seu conteúdo, estamos a falar é do âmbito de aplicação territorial dos princípios constantes do n.º 3 do artigo 33.º.
A segunda questão que identifico como problemática tem a ver com o n.º 5 do mesmo artigo, na medida em que aí se estabelece o princípio de que o Estado português exige que o Estado requisitante deve oferecer garantias de que não será aplicada nenhuma pena de prisão perpétua, de duração ilimitada ou indeterminada.
Naturalmente, os Srs. Deputados perdoar-me-ão que eu diga que sempre tive as maiores dúvidas sobre o alcance da interpretação do n.º 5 do artigo 33.º da Constituição portuguesa.
Se me permitem, recordo as declarações feitas por mim, por acaso ao lado do Sr. Deputado Vera Jardim, na altura ambos na qualidade de "réus", porque estávamos ambos no Governo da República. Portanto, hoje, somos a prova de que a política da ressocialização funciona…
Risos.
…e de que as pessoas, uma vez postas em liberdade, até conseguem comportar-se com grande civilidade! Na altura, não seria forçosamente o caso.
Recordo que, no debate que travámos na anterior revisão constitucional, tive ocasião de explicitar as minhas distâncias em relação ao significado e ao alcance do n.º 5 do artigo 33.º da Constituição, porque a sua interpretação não me parece inequívoca.
A que garantias se refere o n.º 5 do artigo 33.º? Trata-se de garantias no caso ou de garantias em abstracto, no ordenamento jurídico? Em segundo lugar, que tipos de garantias? Garantias de redução da pena por via política, ou outras? Para ser sincero, se de outras se tratasse, como é que um Estado democrático pode dar garantias sobre a dimensão da pena aplicável por um tribunal que é, por definição, um órgão independente? Só Estados totalitários que controlassem os seus tribunais é que poderiam dar garantais dos respectivos tribunais de que não seria aplicada até ao limite um determinado tipo de pena, porque mesmo que a pronúncia seja confinada e não vise, no momento do início do processo, a aplicação da pena máxima, nada pode garantir que um juiz, na sua liberdade de julgamento, não possa aumentar a aplicação da pena no decurso do julgamento.
Quanto aos outros dois aspectos do artigo 33.º, no que diz respeito aos n.os 4.º e 6.º, não parece existir nenhum problema na precisa medida em que, como é evidente, tendo em conta as garantias da Constituição portuguesa nesses dois números - proibição ou de entrega ou de extradição para países onde haja pena de morte -, felizmente, nenhum país da União Europeia prevê no seu ordenamento jurídico a pena de morte. E, em segundo lugar, o princípio da execução por autoridade judicial é exactamente o que se pretende. A questão consistia quando muito em saber se o n.º 6 do artigo 33.º da Constituição é já hoje totalmente respeitado pelo ordenamento jurídico ordinário português.
Finalmente, uma última nota sobre um problema que creio que está suscitado, que é o de saber qual é o significado da cláusula geral de referência ao espaço de liberdade, de segurança e de justiça no âmbito de um texto constitucional.
Em meu entender, o valor acrescentado de uma tal cláusula seria o de constituir tipo habilitador para que nestes domínios o ordenamento jurídico comunitário, com estas características, pudesse constituir a excepção à aplicação das regras dos n.os 3.º e 5.º do artigo 33.º da Constituição.
Vou concluir com uma referência a um caso concreto. Devo dizer, com sinceridade, que uma das dificuldades que tive no exercício do meu mandato de comissário foi explicar, em França, o processo português sobre o serial killer