Gostaria de ouvir as suas reflexões nessa perspectiva, sendo certo que - não sei se é a sua opinião, muito menos sei se alguma vez isso foi ventilado nos órgãos da União -, sou (já aqui o tenho dito várias vezes) muito crítico em relação à experiência dos tribunais ad hoc actuais. Não estou a falar dos Tribunais de Nuremberga e de Tóquio, porque esses tiveram o seu papel histórico, que ninguém nega, e, entretanto, passaram-se décadas, mas sou muito crítico sobre os actuais tribunais.
Agradecia que, se quisesse, me desse a sua impressão sobre estes tribunais, que são tribunais de vencedores e, sobretudo, pior do que isso - já é uma banalidade dizê-lo -, são tribunais que não aplicam um dos princípios fundamentais, como o da igualdade de apreciação perante determinados círculos e o da não retroactividade. Pelo contrário, são retroactivos, e, para além disso, não são iguais, como é evidente!
Queria concluir dando apenas um exemplo que todos conhecem. O caso mais gritante é o do Tribunal do Ruanda, que só pune crimes de genocídio praticados entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 1994, portanto, todos os que forem praticados num país ao lado, ou mesmo no próprio Ruanda, em 1995, ou em 2001, não são punidos! Esta situação é, efectivamente, a meu ver, insustentável. Gostava de ouvir as suas reflexões sobre ela, bem como se a União não poderá, para além dos conselhos aos países membros, que talvez até nem sejam tão necessários como isso, fazer mais alguma coisa pelos direitos do homem fora do espaço da União, nos vastos continentes onde eles estão muito esquecidos, como sejam a África, a Ásia e outros.
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Dr. António Vitorino, quero confirmar que o Sr. Ministro da Justiça estará na Assembleia, na próxima terça-feira, às 10 horas e 30 minutos. Portanto, iniciaremos os nossos trabalhos a essa hora.
Sr. Dr. António Vitorino, os reptos que lhe foram lançados vão muito para além do convite que lhe foi endereçado mas, em todo o caso, penso que estas "provocações" não terão resistência da sua parte para ir mais além, quer nos aspectos que dizem respeito à própria revisão constitucional, nos vários pontos que aqui foram trazidos à liça, quer até neste aspecto final que vai também um pouco para além dos trabalhos da Comissão e do convite que lhe foi endereçado.
Mas, como digo, tem a palavra com toda a liberdade para se exprimir sobre os assuntos que entender, visto que as "provocações" estão aí! Portanto, está "absolvido" ou, pelo menos, tem atenuantes muito importantes.
O Sr. Dr. António Vitorino: - Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostava de agradecer as palavras muito simpáticas que me dirigiram, mesmo naquela dimensão em que o desafio ultrapassa a minha capacidade de Comissário Europeu. Procurarei ser o mais disciplinado possível e manter-me, tanto quanto possível, nessa qualidade, porque sabem como as recaídas são perigosas! Olhem se eu tomo o gosto… É melhor manter-me nessa qualidade.
Estou basicamente de acordo com as considerações do Sr. Deputado Luís Marques Guedes. É evidente que estas são matérias do Terceiro Pilar, que só podem ser aprovadas pelo Conselho da União por unanimidade, e, naturalmente, é sempre possível defender a tese de que fiat gloria pereat mundus, isto é, mantenhamo-nos "imovíveis", porque a unanimidade é a nossa salvaguarda.
Mas também convém saber ler os "ventos" que andam à nossa volta. Por exemplo, podemos perguntar quantos mais países têm, na União Europeia, regras de bronze constitucionais sobre a proibição de extradição de nacionais. O último bastião é o português, porque o penúltimo acabou de cair: era a Alemanha, que acabou de concluir uma revisão constitucional exactamente para permitir a extradição de alemães, e o pretexto, por acaso, foi o da adesão da Alemanha ao Tribunal Penal Internacional, de Roma. Isto significa - e nesta matéria já não vou entrar, porque deixo isso à vossa jurisdição - que a opção política é a de ter Portugal isolado, a bloquear uma decisão por unanimidade.
Sobre esta matéria e sobre o que isso significa, não quero manifestamente falar, mas chamo a atenção de que, neste momento, não vejo em nenhum Estado membro obstáculo algum de ordem constitucional ao princípio da extradição de nacionais dentro do espaço da União que não seja a regra constitucional portuguesa.
Estou totalmente de acordo quando o Sr. Deputado diz que extradição e entrega vão dar ao mesmo. É evidente! Daí que os chefes de Estado e do Governo, em Tampere, tenham falado na abolição da extradição e sua substituição por um outro sistema, por um sistema de entrega.
Portanto, o que antevejo é que, no espaço da União Europeia, passarão a subsistir duas regras: uma, a da extradição clássica, que tem sobretudo a ver com a relação destes países com países terceiros; outra, a regra de entrega judicial com excepção dos casos que forem exceptuados no próprio instrumento comunitário. É este o modelo que, em princípio - espero, se tudo correr bem -, estará em cima da mesa do Conselho de Ministros da Justiça e dos Assuntos Internos e que, a partir de Setembro, começará a ser discutido sob a presidência belga. E a intenção é ter a sua aprovação no primeiro semestre do ano que vem, sob a presidência espanhola.
Escuso de sublinhar as razões que levam a que exista um enorme interesse da presidência espanhola em instrumentos deste género.
Permitam-me acrescentar, aliás, também um elemento adicional: uma das questões essenciais para o funcionamento da ordem de busca e captura europeia é estabelecer o princípio de que um suspeito da prática de crimes num Estado que, simultaneamente, tenha praticado outro tipo de crimes noutro Estado não se pode prevalecer dos crimes menores no segundo Estado para obstar a confrontar-se com a justiça no primeiro Estado.
Ponhamos o exemplo concreto que se verificou com o célebre caso Rezala. Este é um caso típico em que a pessoa em causa tentou desesperadamente infringir a lei penal portuguesa para ser confrontada com o ordenamento jurídico português por um delito menor, à luz do ordenamento português, para evitar ser extraditado para França e ser confrontado com o delito maior, que era o de ter praticado três assassinatos em França.
O exemplo mais comum que é dado, de facto, digo-o com todo o à-vontade, é o caso dos terroristas da ETA. Em Espanha praticam actos terroristas que envolvem a morte de pessoas e, depois, noutro país, são detidos pelas autoridades por porte de arma ilegal e por terem passaporte falso, e, uma vez que praticaram um crime à luz do ordenamento deste país, têm de ser submetidos à sua jurisdição por crimes manifestamente menores, antes sequer de poder ser desencadeado o processo de extradição para Espanha e de serem confrontados com o crime maior.
Se queremos um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, se abolimos as fronteiras internas, não se