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muito estrita do nosso artigo 8.º, n.º 3. Como disse, na altura, perdi e o artigo lá ficou inalterado.
Daí para cá, que me recorde, o artigo não foi mudado. O que se fez foi o acrescento ao artigo 7.º, na revisão constitucional de 1992, com aquela lógica do princípio da reciprocidade de aceitar o exercício em comum de poderes de soberania no respeito do princípio da subsidiariedade para garantir a coesão económica e social. É um distinguo importante mas, em meu entender, redutor.
É que, Srs. Deputados, sejamos honestos. Para todos nós, a coesão económica e social é muito importante, é um elemento estruturante da União Europeia, mas essa é uma visão muito parcial do que é hoje a dimensão do exercício em comum de poderes de soberania no âmbito europeu, que está muito para além da mera coesão económica e social. O exercício da soberania tem a ver com outras coisas, tem a ver com a união política designadamente, tem a ver com a cidadania europeia e não é aí que se encontra o fundamento deste exercício em comum de poderes de soberania de que fala a Constituição.
Feito este percurso, percebo a lógica de uma cláusula geral. E aí, digo-vos que, então, a lógica de uma cláusula geral é para "atacar a questão no duro", perdoem-me a expressão. Então, não é apenas uma lógica de cláusula sobre regras de vigência na ordem jurídica interna do Direito Comunitário, é uma questão que tem a ver com o exercício partilhado de poderes soberanos ou, agora, com outras fórmulas jurídicas possíveis de serem adoptadas - e há para todos os gostos nas Constituições do Estados membros.
É evidente que, numa grande parte dos casos, essas normas gerais têm sido interpretadas como permitindo derrogações aos seus respectivos ordenamentos constitucionais.
Agora, é preciso ter um cuidado enorme na redacção dessa norma - e também vo-lo digo com toda a sinceridade -, por uma razão simples.
O Sr. Deputado Fernando Seara deu dois exemplos que são paradigmáticos, o alemão e o italiano.
É que, desde o final dos anos 80, princípio dos anos 90, tanto o Tribunal Constitucional alemão como o italiano disseram: "Bom, mas se não há um quadro jurídico explícito de garantia dos direitos fundamentais no ordenamento europeu, então, reservamos para a jurisdição na ordem interna, isto é, para os nossos poderes de tribunais constitucionais, a garantia desses mesmos direitos fundamentais e, consequentemente, podemos chegar à conclusão que, em recursos individuais e concretos, se o ordenamento jurídico comunitário não dispensar a protecção adequada e necessária a esses direitos fundamentais, nós recusaremos o efeito do primado". E esta foi uma jurisprudência que, de alguma forma, conduziu um pouco a um beco sem saída no relacionamento entre o Tribunal do Luxemburgo, o Tribunal Constitucional alemão e o italiano.
O Tribunal Constitucional português, eventualmente, poderia ter feito o mesmo percurso mas, sabiamente, não se encaminhou nesse sentido. Diga-se também, em bom abono da verdade, que os juristas portugueses não são particularmente useiros e vezeiros em colocar em sede de jurisdição constitucional portuguesa questões que têm a ver com o estatuto dos direitos fundamentais à luz da protecção que lhes é dispensada pelo ordenamento comunitário. Aliás, é interessante ver as estatísticas do Tribunal do Luxemburgo e quantos recursos são interpostos por cada Estado e pelos particulares de cada Estado.
Então, diria que não tenho conselhos a dar à Assembleia da República - longe de mim essa ideia! -, mas é preciso redigir essa cláusula de maneira a que ela permita a partilha de poderes soberanos, as limitações de soberania decorrentes do exercício em comum. Enfim, há várias modalidades mas, sobretudo, é necessário que essa cláusula não coloque o Tribunal Constitucional português na mesma situação dos seus congéneres alemão e italiano que, depois, dá origem a fazer "entrar pela janela" aquilo que não se quis "deixar entrar pela porta", isto é, dá origem a um deadlock, um beco sem saída em matéria de interpretação jurídico-constitucional numa área muito sensível que é a dos direitos fundamentais.
Aqui, entronco com a questão do Sr. Deputado Pedro Roseta: qual é o grau de protecção dos direitos fundamentais na União Europeia? Não posso estar mais de acordo consigo. Isto é, reconheço que, hoje em dia, o artigo 6.º do Tratado da União Europeia é a matriz aplicável nesta matéria.
E que diz o artigo 6.º? Diz que, para efeitos de definição do estatuto jurídico dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico comunitário, o Tribunal de Justiça utilizará a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a tradição constitucional comum dos Estados membros como princípios gerais do Direito Comunitário. E é isso que o Tribunal tem feito.
Mas temos de reconhecer que, hoje, no ordenamento jurídico comunitário, a protecção dos direitos fundamentais é uma construção pretoriana, isto é, uma pura construção jurisprudencial, daí o exercício da Carta dos Direitos Fundamentais. E daí, Sr. Deputado, a possibilidade de adesão da União Europeia à Convenção Europeia dos Direitos do Homem que, como sabe, tem sido sempre preconizada pela Comissão Europeia e pelo Parlamento Europeu, adesão essa que, em 1996, foi colocada à decisão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e o Tribunal do Luxemburgo disse uma coisa muito clara. Disse que "é possível desde que, para o efeito, haja uma norma de Direito Constitucional primário a nível europeu", isto é, desde que haja uma norma dos tratados sobre a matéria. Sem norma habilitadora dos tratados é que não é possível.
Pequeno desiderato: aí também haveria que alterar a própria Convenção Europeia dos Direitos do Homem porque, como o Sr. Deputado sabe melhor do que ninguém, a própria Convenção só permite a adesão de Estados, questão que, aliás, me parece ultrapassável e menor.
Significa isto que quando a Conferência Intergovernamental de 2004 tiver de decidir o que é o estatuto jurídico da Carta dos Direitos Fundamentais, tal como ficou consignado na Declaração n.º 23 anexa ao Tratado de Nice, será a ocasião para pôr ordem nas fileiras e para clarificar não apenas o estatuto jurídico da Carta dos Direitos Fundamentais mas também a questão da adesão à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e, assim, construir um corpo de normas de Direito Comunitário que tutela o exercício dos direitos fundamentais. Atenção: isto não impede que as Constituições dos Estados membros vão mais além.
Esse é um ponto que, para Portugal, é particularmente sensível, e tenho consciência disso. Peço desculpa por falar como português, mas devo dizer que nós não temos de aprender lições sobre protecção de direitos fundamentais, pelo menos sob o ponto de vista de ordenamento constitucional, vindas de outros Estados ou até de instrumentos de direito internacional como a Convenção Europeia de Direitos do Homem. Significa é que o nível de protecção conferido pelo Direito Comunitário deve ser um nível comum a todos os Estados membros.