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percebe por que é que as fronteiras internas apenas subsistiriam para proteger os criminosos! Isto é que eu não sou capaz de perceber! Portanto, a lógica de que o criminoso deve responder perante a justiça do Estado onde praticou o delito mais grave é, em meu entender, uma lógica que é de consolidação do Estado de direito democrático, é a de dizer que o Estado de direito não está desarmado perante o facto de as diferenças de ordenamentos jurídicos beneficiarem o infractor! A regra (olho para o Dr. Fernando Seara) até pode ser inspirada do futebol.
Em relação à questão do artigo 33.º da CRP, concordo com a sua interpretação. Essa é uma interpretação possível, daí que eu tenha colocado, logo no princípio, a questão de saber o que é neste n.º 5 do artigo 33.º são garantias no caso ou garantias abstractas do ordenamento. É que a partir daí há um mundo de diferenças! Há um mundo de diferenças consoante a garantia seja dada por uma norma do Código Penal em todas as circunstâncias, ou consoante sejam exigidas garantias no caso. Devo dizer que a interpretação do Tribunal Constitucional português não vai muito no sentido da sua, vai mais no outro sentido, no sentido de exigir garantias no caso, o que me parece, aliás, ainda mais problemático de aplicar.
Desde logo, há um raciocínio ao qual, penso, não nos podemos furtar, que é o seguinte: podemos contentar-nos com a apreciação em abstracto do enunciado da prisão perpétua? Não deveremos ir mais fundo no raciocínio nesse caso? Dou-lhe um exemplo: há um país da União Europeia onde não há prisão perpétua, mas onde a pena máxima é de 40 anos! Naturalmente, pergunto se há uma diferença assim tão qualitativa entre o princípio da prisão perpétua e o princípio da aplicação de uma pena de 40 anos, na essência dos princípios!
Mas, depois, há um segundo raciocínio que pode e deve ser feito e que é interessante: uma coisa é a facti species legal; outra coisa são as regras do ordenamento jurídico sobre a possibilidade de libertação a certo percurso de execução da pena. Outra coisa ainda - e esta já é da sociologia jurídica, reconheço -, é a realidade da duração efectiva das penas, que é um terceiro raciocínio.
Se quisermos ter uma verdadeira visão humanista do que é a função ressocializadora da pena, então, Srs. Deputados, peço desculpa, não nos podemos quedar e ter a nossa consciência humanista tranquilizada apenas pela visão abstracta da previsão legal, temos de ver como é que essa previsão funciona no concreto.
Há realidades extremamente interessantes de analisar em termos de duração média de penas - isto é sociologia do direito, já não vou entrar aí, mas é interessante ver, sobretudo numa outra dimensão. Por exemplo, em que parte da duração da pena os ordenamentos jurídicos permitem a libertação condicional, ou a libertação provisória? Isto altera completamente a visão da lógica dos sistemas jurídicos dos 15 Estados membros e, se calhar, aquela visão que temos, apenas decantada das normas abstractas do códigos penais, e que é profundamente subvertida pela realidade da duração média das penas efectivamente aplicadas!
Há países onde estão previstas penas pesadíssimas mas onde, por exemplo, a duração média de uma pena efectiva é de 14 anos. Contudo, a pena é, teoricamente, pesadíssima.
Noutros países a pena nem sequer é tão pesada na sua descrição legal, mas não pode haver libertação, para certo tipo de crimes, antes de 26 anos de prisão efectiva.
Noutros países ainda as médias são muito oscilatórias. Por exemplo, quando eu digo que num Estado a libertação pode ocorrer entre 10 e 20 anos, em média - entre uma pena efectiva de 10 anos, ou uma pena efectiva de 20 anos -, há uma grande arbitrariedade na liberdade do juiz de fixar o momento em que ocorre a libertação provisória.
Portanto, isto significa que a lógica da norma do n.º 5 do artigo 33.º é bem intencionada - não tenho a menor dúvida sobre isso -, mas as subtilezas da sua aplicação prática parecem-me ser bastante mais complexas!
Em relação à questão que foi colocada pelos Srs. Deputados Luís Marques Guedes, Jorge Lacão e Fernando Seara, que é muito difícil e delicada sob o ponto de vista político - mais a mais, falando eu aqui sob o controle do Prof. Fernando Seara, que é professor de Direito Comunitário e, portanto, sabe melhor do que ninguém que este é um terreno melindroso, tanto sob o ponto de vista jurídico com sob o ponto de vista político -, diria o seguinte: quando Portugal se começou a preparar para aderir às Comunidades Europeias teve consciência de que tinha de consagrar no seu ordenamento jurídico uma regra sobre essa matéria.
Ora, na revisão constitucional de 1982, de que o Sr. Deputado Pedro Roseta e a Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar de certo se lembram bem, tivemos um debate muito interessante sobre esta matéria e, na base de um texto fornecido pela Sr.ª Prof.ª Isabel Maria Magalhães Colaço, acabámos por adoptar aquela fórmula do n.º 3 do artigo 8.º da Constituição.
É uma fórmula muito curiosa de dissecar nas suas várias implicações.
Primeiro, nas suas implicações políticas.
Nessa altura, nunca se nos colocou a possibilidade de utilizar na Constituição Portuguesa uma norma inspirada, por exemplo, no artigo 10.º, salvo erro, da Constituição holandesa, o qual já existia e dizia claramente "partilha de soberania e restrições de soberania decorrentes da participação". Na realidade, concentrámos a questão num aspecto, que é um aspecto basilar da construção europeia, sem dúvida, que é o da identificação do valor das normas jurídicas comunitárias. E essa foi uma opção política!
Mesmo dentro dessa opção política, fez-se uma opção jurídica, a qual tem o que se lhe diga!
Se lermos hoje o n.º 3 do artigo 8.º da Constituição - penso que ainda subsiste inalterado, tal como saiu da revisão de 1982 -, veremos que nessa norma só fazemos referência explicitamente a uma das dimensões da eficácia do Direito Comunitário na ordem jurídica interna dos Estados membros, que é a aplicação directa. Quid do primado? Não está lá! Ou melhor, está de alguma forma implícito, na medida em que se reenvia para as condições de efectivação previstas nos tratados. Isto é, reconhecemos o efeito directo e dizemos "quanto ao primado, é o que resultar dos tratados". Há aqui, portanto, uma norma de alguma forma encapotada de reenvio para a questão do primado.
Lembro-me que, em 1989, discutimos a questão do primado na comissão de revisão constitucional e a minha tese perdeu. A minha tese era a de que isto é um absurdo jurídico, porque há normas jurídicas comunitárias que beneficiam de efeito directo e, consequentemente, do primado, mas isso não resulta de nenhuma previsão expressa dos tratados, que é o caso das chamadas "directivas de efeito directo". Isto é, as directivas, por definição, não têm efeito directo, só os regulamentos têm efeito directo. Mas há, de facto, directivas às quais o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias reconhece efeito directo e, consequentemente, primado. Portanto, essas seriam ilegais e inconstitucionais à luz de uma leitura