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de todas as normas de direito comunitário e há quem o conteste vivamente, e, a meu ver, com boas razões.
Portanto, interessa saber qual é a posição dos proponentes nesta querela. Que o direito comunitário tem um valor supra legal relativamente ao direito ordinário nós sabemos, agora entendemos que não tem e não deve ter um valor supraconstitucional. Mas gostaríamos de saber qual é a posição dos proponentes, porque isso ajudará, de facto, a fazer luz sobre os reais intuitos e sobre o real alcance desta proposta. Gostaria que houvesse clareza nesta questão.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, começo pela questão de fundo que foi colocada agora pelo Sr. Deputado António Filipe, dizendo o seguinte: também procurei explicitar na minha intervenção, logo desde o início, que todo este debate é um debate onde, de facto, todas as respostas estão dadas há mais de 40 anos.
No Acórdão Costa/ENEL, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, colocando-se um conflito entre uma norma de direito derivado e uma norma de direitos, liberdades e garantias da Constituição italiana, explicitou muito claramente esta matéria, dizendo que o primado do direito comunitário é um primado sobre toda a ordem jurídica de qualquer Estado-membro, qualquer que seja a natureza da norma desse Estado-membro que esteja em conflito com uma norma de direito comunitário.

O Sr. António Filipe (PCP): - Nós sabemos que é essa a posição do Tribunal de Justiça!

O Sr. António Costa (PS): - Quando Portugal pediu a adesão à CEE já era assim, como também já era assim quando Portugal aderiu à CEE, e, por estranho que nos possa parecer, é assim que temos vivido desde 1986, desde que somos membros da União Europeia.
E o carácter artificial deste debate é, aliás, evidenciado pelo facto de, sendo assim desde 1986 até hoje, nunca se ter colocado um problema prático concreto onde esse problema se tenha colocado. A razão fundamental pela qual não se coloca é porque os valores fundacionais da União Europeia são os valores fundacionais dos Estados de direito democráticos, onde, portanto, esse tipo de conflitos é extremamente limitado, como, aliás, se tem visto.
Se me pergunta: então, se não há nada de novo, porque é que se vem agora explicitar? Eu respondo o seguinte: a atitude mais sábia, que é, aliás, a atitude que todos os países da União têm adoptado, com excepção da Holanda, foi nunca terem evidenciado a questão para nunca terem de a resolver, porque todos sempre entenderam que, sendo assim, há um domínio fundamental, eu diria, recorrendo à terminologia clássica do direito internacional, há uma reserva de ordem pública, que deve ser conservada pelo Direito Constitucional de cada Estado-membro.
Em Portugal, por razões que creio que o Sr. Deputado conhecerá melhor do que eu, ao longo do último ano, gerou-se um enorme debate, pretendendo que o que consta do artigo 10.º do tratado constitucional tinha carácter inovatório relativamente ao que é um acquis comunitário desde há 40 anos, quando a única coisa que o tratado constitucional faz é explicitar, sobre a forma de tratado, o que era já um acquis. E, perante essa evidenciação escrita, houve vários juristas respeitáveis, e que temos de respeitar, que vieram suscitar um problema sobre a eventual constitucionalidade da ratificação desse tratado.
Ora, é para confortar esta dúvida que esta norma se revelou necessária, para que não haja dúvidas de que não haverá qualquer conflito com a Constituição Portuguesa na ratificação do tratado constitucional.
Quando diz que é uma verdade de La Palice dizer que é no âmbito das suas competências, é evidente que é de La Palice, mas o primado é também de La Palice desde há 40 anos. Agora, não é irrelevante dizer que é no âmbito das suas competências, porque isso é que permite também delimitar qual é o campo susceptível de conflito entre o direito interno e o direito comunitário.
O que daqui resulta é simples: se estamos fora do âmbito das competências da União, estamos, então, no âmbito das competências do Estado português, e no âmbito do Estado português vigora a ordem jurídica portuguesa com a sua hierarquia própria, mas quando estamos perante matérias da competência da União, vigora a ordem jurídica da União, de que somos parte integrante, e com a sua hierarquia própria. E, quando atribuímos à União determinadas competências, aceitamos que, no âmbito dessas competências, vigore a sua ordem jurídica com a sua própria hierarquia. Ora, havendo conflitualidade, porque, no fundo, há uma sucessão de competências, competências que eram originárias do Estado português e que foram transferidas para a União, nesse caso prevalecem as competências e os actos emanados do órgão competente da União.
Diz o Sr. Deputado Luís Fazenda: "Bom, mas isto expropria o Parlamento português?" Não! Aqui não se expropria nada o direito português. O Tratado da União é um tratado internacional, do direito internacional público clássico, que tem de ser ratificado pelos diferentes Estados-membros e só vigorará em Portugal se e quando Portugal ratificar esse Tratado. Portugal não abdica nem renuncia aqui ao seu direito soberano de dizer que não quer ratificar este tratado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Sr. António Costa (PS): - Daqui resulta que, ratificando o tratado, assumimos as consequências dessa ratificação. E, depois, quando chegarmos à discussão do tratado, podemos discutir se ele é bom ou mau, mas nós entendemos que é bom e que Portugal o deve ratificar, seja por via parlamentar, seja por via referendária. Mas só haverá tratado se Portugal soberanamente o decidir ratificar. Isto é que é essencial.
Portanto, não há uma expropriação da soberania nacional. Portugal pode soberanamente entender exercer a sua soberania de forma diversa no quadro da União Europeia ou pode entender não o fazer. É um acto soberano de Portugal.
Dito isto, como é que se ratifica o tratado? Bom, isso não é o artigo 8.º que diz, são as próprias normas da Constituição que dizem como é ratificável por via parlamentar e como é que é ratificável com intervenção de referendo. Sobre essa matéria, conhece a nossa posição. Nós entendemos que, se a versão final do tratado constitucional vier, efectivamente, a ter o significado e a relevância político-jurídica que alguns esperam e tiver um quadro inovatório significativo, deve haver referendo. Defendemos a existência de um referendo se a versão final do tratado o vier a justificar.