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Portanto, é nesse sentido que achamos que uma decisão sobre esta matéria agora é uma questão prematura.
Em síntese: o primado que aqui é consagrado é o primado que existe desde há 40 anos. Recordo que, aquando da revisão constitucional de 1982, foi entendido que não era preciso explicitar esta regra quanto ao primado, porque ela já estava implícita na norma que foi adoptada quanto ao efeito directo. Contudo, neste momento, a comunidade jurídica pronunciou-se de uma forma diversa e, para que não haja dúvidas, mais vale ficar explicitado na Constituição, para que haja "conforto" constitucional à ratificação do tratado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, desejo apresentar mais duas ou três notas de esclarecimento, algumas das quais ainda em resposta ao Sr. Deputado Luís Fazenda.
O artigo 7.º não é uma norma de conflitos e, tal como o Sr. Deputado António Costa acaba de dizer, não pretende resolver relações entre normas e competências que hão-de derivar do tratado constitucional; o que ela pretende é legitimar uma vontade política de aderir a esse tratado, ou seja, é a abertura a uma possibilidade de a soberania do Estado português se decidir por uma adesão ao tratado. Daí, tal como diz o Sr. Deputado António Costa, podermos ratificar a adesão a esse tratado.
Depois de ratificado o tratado, temos regras novas - sobre as quais não é possível responder neste momento, e essa era a pergunta, creio, do Sr. Deputado Luís Fazenda - a que o Estado português se vinculará, no quadro de uma União dotada de uma Constituição. Mas essa é uma resposta que se dará no futuro, dependerá…
Um primeiro momento é o da nossa vontade política de aderir ao tratado constitucional; um segundo momento é o de nos subordinarmos àquele tratado a que aderimos, nos termos em que ele está constituído.
Portanto, como primeiro ponto, diria que não se trata aqui de uma norma de conflito, trata-se da legitimação de uma vontade política, ou melhor, da abertura à vontade política soberana de aceitar um tratado constitucional, da abertura ao consentimento soberano. Apesar disso, a norma já deixa entrever uma ideia (que também não pode deixar de ser aqui clarificada), a de que um tratado constitucional, a existir, instituirá um sistema, que não será um sistema clássico comunitário, de compatibilização de ordens jurídicas, mas sim um sistema novo, uma "rede" constitucional, na qual as ordens jurídicas já não se compatibilizam verdadeiramente, mas se articulam. Teremos uma ordem absolutamente nova.
A própria questão do primado e, creio, as doutrinas do Tribunal de Justiça cedem lugar à dinâmica de uma realidade institucional e normativa que é nova e em que a própria ideia de primado será substituída por uma ideia de articulação e de supra-ordenação de competências. Temos uma ordem nova, uma "rede" constitucional, um direito comunitário que cede a uma estrutura normativa e institucional diferente. Portanto, não podemos confundir os dois momentos: o momento da vontade política de desejar o tratado e o momento de subordinação aos termos desse tratado.
Verdade é que o artigo 7.º não designa qualquer critério para conflitos de normas, não é uma norma de conflitos, no sentido técnico do termo; é, sim, uma norma de legitimação para um contrato político.
O Sr. Deputado António Filipe, que há pouco interceptei, e peço desculpa por isso, fez referência ao respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático, que é de facto, nem mais nem menos, do que uma referência enfática.
Um problema que se tem feito sentir, num certo sentido, neste debate sobre o tratado constitucional traduz-se no equívoco de se pensar que não existe já uma convergência constitucional de base para a emergência do tratado. Toda a União assenta no respeito dos direitos fundamentais e nos princípios do Estado de direito democrático - o Tratado de Roma assenta nesses princípios. E uma das condições essenciais de adesão à União Europeia é o respeito por esses princípios, daí a necessidade de muitos países fazerem uma espécie de "via sacra" para si mesmos, para chegar à realização dessas condições essenciais sobre as quais toda a União assenta e que, naturalmente, estarão presentes nos princípios enformadores do novo tratado constitucional.
Mas nós temos aqui uma realidade nova que, num certo sentido, desmonta os velhos conceitos: o conceito de primado, o conceito de compatibilização de sistemas e os ditados da jurisprudência do Tribunal de Justiça têm agora uma validade adaptável - mas apenas adaptável - a uma realidade nova, em que temos um conjunto de Constituições com uma outra Constituição ao centro, a que eu chamaria uma "rede" constitucional, num sistema que não é de compatibilização mas de articulação, em que a ideia de norma de conflitos é diluída numa articulação global de competências, espalhada pelo tratado constitucional; em que a lógica de vinculação de cada Estado - e, portanto, do Estado português - é uma lógica derivada do tratado mas, à partida, aceite por uma vontade política que o artigo 7.º, nem mais nem menos, pretende legitimar.
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PCP): - Sr. Presidente, não tenciono intervir sobre esta questão do primado, reservo-me para uma declaração de voto, que farei depois a título pessoal, uma vez que não queria estar aqui a afectar o consenso que já se estabeleceu. Mas nessa declaração de voto expressarei todas as minhas dúvidas sobre, nomeadamente, o que é que o tratado constitucional expressa em relação ao primado, pois tenho muitas dúvidas de que expresse, verdadeira e fidedignamente, a doutrina e a jurisprudência que vêm de trás, para além de que também tenho muitíssimas dúvidas sobre o próprio conteúdo do primado no âmbito da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeia. Mas isto será algo que irei expressar mais tarde, através de uma declaração de voto, a título individual.
Por agora, queria analisar duas questões que constituem o motivo da minha intervenção.
Em primeiro lugar, quero reafirmar algo que ficou já consagrado no relatório elaborado pela 1.ª Comissão sobre o projecto de tratado constitucional e que tem que ver com a eventual necessidade, em que gostaria de insistir, de fazer outras alterações à Constituição na decorrência desse mesmo tratado constitucional.