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9 | II Série RC - Número: 006 | 13 de Janeiro de 2010

Estou de acordo com algumas considerações que o Sr. Deputado Vitalino Canas fez, designadamente quanto à necessidade — que, porventura, é difícil de satisfazer a nível constitucional — de separar as normas de direito primário das normas de direito derivado. Mas, enfim, a Constituição não é um tratado de direito europeu e, portanto, temos de encontrar uma solução minimamente equilibrada.
O que está aqui em causa, como julgo que decorre do que disse o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, é saber em que termos a nossa Constituição tem de ser protegida, porque depois haverá uma dimensão política, que já tem sido objecto de avaliação noutros momentos, que responde ao seguinte problema: havendo contradição, mudamos ou não a Constituição para resolver essa contradição? Portanto, há aqui dois momentos distintos: um, é o de saber se a contradição existe e o que tem de ser preservado em função dessa contradição; outro, é o da decisão política sobre se deve, ou não, em função dessa contradição, alterar-se o texto constitucional para pôr fim à contradição, subordinando, no fundo, o texto constitucional às regras de direito europeu. Foi o que aconteceu em 1992, com o tratado da União Europeia, foi o que aconteceu, embora num contexto diferente, com o TPI, foi o que se visou acautelar, em larga medida, na revisão de 2004, com a inserção deste artigo 8.º, n.º 4, e foi o que aconteceu, embora de forma indirecta, com a revisão de 2005.
São dois aspectos diferentes. Primeiro, dizemos que há primado. Mas o primado abrange o quê? O que é que tem de ser protegido? Em função da contradição que daí surja, vamos ou não alterar a Constituição para resolver essa contradição? Este é um primeiro aspecto que, do nosso ponto de vista, não pode ser descurado.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado Vitalino Canas diz, e com razão, que o grau de densidade interpretativa do que é o princípio do Estado de direito democrático e do que são os «princípios fundamentais da ordem constitucional portuguesa» é distinto. É verdade! Mas é verdade hoje, porque o princípio do Estado de direito democrático tem sido objecto de um tratamento jurisprudencial e doutrinal, nos últimos 30 e tal anos, que permitiu chegar ao grau de entendimento que hoje temos sobre o que ele representa.
Portanto, desculpar-me-á, mas esse argumento não colhe, do meu ponto de vista, até porque há sempre modos, nem que seja pela intervenção dos tribunais, de chegar à consideração ou à qualificação de um determinado princípio como princípio fundamental da ordem constitucional portuguesa, ou não.
Também não dou por adquirido que os limites materiais da revisão constitucional traduzam necessariamente, sobretudo tendo em conta as alterações que se registaram desde essa altura, princípios fundamentais da ordem constitucional portuguesa. Mas o facto de termos aqui um problema interpretativo não deve demover-nos de consagrar uma solução, se entendermos que é a mais adequada.
O princípio do Estado de direito democrático, como o Sr. Deputado Vitalino Canas sabe muito melhor do que eu, desdobra-se em dois princípios e em vários subprincípios. Ele é, por um lado, o princípio do Estado de direito e, por outro, o princípio democrático, e estes dois princípios têm, depois, várias concretizações, que levam a doutrina a falar em vários subprincípios. Mas isso não resolve todos os problemas.
Por exemplo, uma das questões fundamentais que se coloca na relação entre os Estados e a União Europeia tem a ver com a distribuição ou a repartição de atribuições entre a União Europeia e os Estados — o que é de cada um? A nossa Constituição estabelece um conjunto de tarefas fundamentais do Estado, de fins e funções do Estado e eu julgo que podemos estar de acordo que essas são questões que podem enquadrar-se nestes «princípios fundamentais da ordem constitucional portuguesa», não se reconduzindo, na íntegra, nem de longe nem de perto, à questão dos «princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
Portanto, quando estão em causa as funções, os fins, as tarefas fundamentais que o Estado visa desenvolver, o problema que daí decorre é o de saber até onde devem ir os poderes da União Europeia, os poderes do Estado e a necessária relação que entre essas questões deve ocorrer e se não devemos considerar, por exemplo, que deve haver aí uma protecção que permita, por isso mesmo, estabelecer critérios que possam defender o Estado português de um esvaziamento das suas competências que possa decorrer das regras de direito europeu.
É claro que depois, se isso ocorrer, teremos o segundo momento, em que o Estado português poderá decidir — se estivermos perante o direito primário, evidentemente — se está ou não disponível para aceitar esse esvaziamento. Mas estas questões, que são fundamentais, de saber quem deve fazer o quê e quais os limites da intervenção da União Europeia no que diz respeito aos fins do Estado e às funções que deve desempenhar, do nosso ponto de vista, podem reconduzir-se aos «princípios fundamentais da ordem constitucional portuguesa», mas não se reconduzem seguramente, em exclusivo, à questão dos «princípios