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II SÉRIE-A — NÚMERO 23

soas. É um postulado que cada vez se torna mais premente, num esforço de descodificar o gigantismo burocrático.

No caso português, o novo n.° 2 do artigo 268.° da Constituição, com toda a sua carga de utopia e de uma ponta de «ingenuidade», não terá alterado num só milímetro a barreira que —não obstante toda a pedagogia que se tem vindo a desenvolver— separa os corpos intermédios da Administração e o grande público.

Ora é necessário que a abertura se faça, que a transparência se pratique, que os pequenos «Luís XIV» que sentem que o Estado são eles se reconduzam à justa e exacta tarefa de servidores do Estado, estando o Estado ao serviço das pessoas — e da ética, da responsabilidade, e do interesse geral.

Mas em tudo tem de haver uma noção de medida, o bom aviso do realismo, a compatibilização dos propósitos certos com as actuações viabilizáveis.

Numa mecânica aplicação do n.° 2 do artigo 268.°, isenta de qualquer aragem correctiva (o que releva de mais atendível hermenêutica), uma mão cheia de cidadãos quase que poderia desmantelar a actividade administrativa, paralisando-a através de acções concertadas de acesso.

Poderá a mera actividade material da Administração ser alvo do preceito? Mas quais as fronteiras entre a actividade material e a actividade jurídica?

Noutro plano, estabelece — e muito bem— o n.° 1 do artigo 10.° do projecto de lei do n.° 468/V que «o exercício do acesso aos documentos preparatórios de uma decisão administrativa não tem lugar antes da respectiva decisão».

Como pondera Barbosa de Melo, esta excepção é «indispensável para assegurar à Administração a reserva de intimidade, sem a qual a independência e a objectividade do seu decision-making correm sério risco de serem sensivelmente reduzidos na prática» (ob. cit., p. 293).

5.2 — Não deixa de assomar um sorriso ao relator deste parecer quando recorda a preocupação que todos os governos de todos os países põem na prevenção daquilo que se chama «fuga de informações».

Fora das excepções inscritas no n.° 2 do artigo 268.°, deixará, em cego rigor, de haver documentos confidenciais. O clássico dever de sigilo dos funcionários cai nos antípodas do dever de informação. E isto em qualquer caso, em qualquer situação, sejam quais forem os interesses públicos que estejam em causa.

5.3 — Ainda como elementos de cotejo comparatís-tico de uma perspectiva exequível do direito à informação, será de referir o que se pondera no relatório Lewis, em que se fundou a recomendação atrás mencionada do Conselho da Europa (relatório de 12 de Outubro de 1978):

Na quase totalidade dos Estados membros do Conselho da Europa não dispõe o público de um direito de acesso aos documentos ou processos oficiais e não existe uma obrigação geral para os poderes públicos de lhe comunicar informações. Pelo contrário, em muitos casos, os funcionários devem abster-se de divulgar informações e sujeitam-se a sanções disciplinares ou penais se violarem esta regra (..]. A regra do segredo deixa aos funcionários e ou poderes públicos, a nível nacional ou local, o critério de decidir se comunicarão as informações ao público ou a certas pessoas e o de escolher o momento em que o farão.

5.4 — Como é óbvio, não se poderá sufragar por inteiro esta prática. E à data do relatório havia já sido publicada a lei francesa de 17 de Julho de 1978 que a contradizia.

Não é de esquecer que o livre acesso, em certos termos, aos documentos e registos permite controlar a eficácia, a imparcialidade e a integridade da Administração.

Propiciará ainda, como adverte Lewis, uma mais densa participação democrática. Sabendo o que se passa, os cidadãos poderão debater, questionar, interessar-se. E tudo isto contribuirá para a realização do interesse público.

Só que não poderá, como se torna meridianamente claro, ocorrer um acesso irrestrito. Nos próprios países escandinavos, a legislação aplicável exclui a publicidade dos documentos de trabalho. Como se diz no relatório Lewis, «não se pode coagir os funcionários a desempenhar as suas tarefas à vista e sob a fiscalização de todos; as discussões e os trabalhos preparatórios deverão desenvolver-se livremente e de modo informal, sem o constrangimento que a publicidade implica».

5.5 — Outro prisma da problemática em análise é, como já aqui foi assinalado, o de se ter de sobrestar a que o direito de acesso implique uma excessiva e incomportável sobrecarga de trabalho, sem razão atendível. Como refere Lewis, na Áustria não é dada resposta aos pedidos de informações se o trabalho que daí advier for desproporcionado.

Mas esta questão central arrasta a diversas subques-tões. Quem deverá decidir sobre a indevida sobrecarga de trabalho? A Administração? Mas então ela, virtualmente, poderá sempre optar pela resposta negativa, numa subjectivação do critério. E a quem caberá controlar o juízo administrativo? Ao Governo? Aos tribunais administrativos?

Em diversa sede se deverá colocar a questão de apurar quais os contornos exactos do conceito de Administração Pública subjacente ao preceito.

Parece que ela não deve compreender o Governo enquanto órgão de soberania. Mas a questão não escapa a uma certa dose de anfibiologia, sobretudo ao destrinçar-se entre Administração em sentido orgânico e Administração em sentido material.

V

6 — Tudo isto ponderado, afigura-se que, embora sujeitos a um descomprometido repensar em sede de especialidade de algumas das soluções contidas nos projectos de lei, estes estão em condições de subir a plenário.

Palácio de São Bento, 21 de Fevereiro de 1990. — O Relator e Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Mário Raposo.

PROJECTO DE LEI N.° 488/V

CRIA UM NOVO REGIME 0E ACESSO AO ENSINO SUPERIOR

A situação a que se chegou no nosso país a nível de acesso ao ensino superior assume extrema gravidade.

Ao longo de mais de uma década, a imposição de um sistema de acesso administrativamente limitado por força de um mecanismo de numeras clausus drástica-