266 DIARIO, DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Esta carta é assignada pelo sr. dr. Alexandre Seabra, sogro do sr. presidente do conselho.
Envolvendo essa carta expressa e terminantemente uma injuria aos membros do poder legislativo, o individuo que a assigna está incurso n'um crime previsto e punido pela nossa lei penal.
Pergunto ao sr. ministro da justiça se o procurador geral da corôa já deu ordem ao respectivo delegado a fim de proceder contra a injuria do signatario da carta, ou se tenciona dar ordens para que o delegado competente proceda como é de lei.
Espero a resposta do sr. ministro, e peço a v. exa. que me reserve a palavra para depois da resposta de s. exa.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Em primeiro logar tenho a dizer ao illustre deputado que só n'este momento fui previnido, achando-me na camara dos dignos pares, de que na camara dos senhores deputados era reclamada a minha presença para se me fazerem algumas perguntas; em vista d'esse aviso aqui estou, como era do meu dever, para dar as explicações que me forem pedidas pelos illustres deputados.
Vejo que o illustre deputado o sr. José Novaes se refere a uma carta de que só hoje tive noticia por a ver transcripta n'um jornal da capital.
S. exa. alludindo a essa carta e fazendo sobre ella as considerações que lhe pareceram convenientes, perguntou se eu já dei ordem ao competente representante do ministerio publico para intentar qualquer processo contra o signatario da carta.
O illustre deputado sabe que eu desejo ser logico com os principios que estabaleça, S. exa. não póde ignorar que ha uma circular que fiz expedir ao procurador geral da corôa e fazenda, para ser distribuida por todos os agentes do ministerio publico, circular que teve larga publicidade, pois não saiu no Diario no governo, em que se recommendava muito particularmente a todos os representantes do ministerio publico que para promoverem dentro dos termos legaes, a repressão dos crimes, não houvessem de esperar instrucções espyciaes com respeito a determinados processos. Ficaram, pois, avisados de que quando entendessem que haveria crime, em que tivessem competencia para intervir, deviam sempre proceder independentemente de qualquer instrucção ou ordem, do governo.
Era esta a minha opinião ha muito tempo, antes de entrar nos conselhos da corôa.
E, como tinha visto algumas vozes em duvida, se os gentes do ministerio publico poderiam promover, especialmente d´aquelles assumptos que mais directamente diziam respeito aos chamados crimes politicos, sem ordem superior, eu fiz expedir esta circular, em que me fundamento precisamente na conveniencia de afastar do governo em certos casos, a suspeita de dar o caracter do actos politicos a determinados processos.
Os meus principios são os que se acham estabelecidos n'aquella circular, aos quaes hei do sempre obedecer.
Sem, pois, fazer consideração alguma, relativamente á carta que appareceu, e do que não tive conhecimento senão pela transcripção, que repito, vi hoje n'um jornal da capital, direi unicamente ao illustre deputado, que aguardo o que o agente do ministerio publico da circumscripção competente, entender dever fazer, o se a opinião que elle seguir for conforme á minha, hei de sustental-a como de empregado da confiança do governo; e, no caso que elle proceda por modo, que entenda contrario á minha opinião, eu hei de fazer-lh'o sentir, o tomar as convenientes providencias.
Espero as necessarias informações; hei de saber o que se pasmou; e n'esta ponto, declaro ao illustre deputado, que, e o modo porque esse magistrado haja de proceder, for conforme a minha opinião, n'este caso, por elle hei de responder inteiramente perante o parlamento. (Muitos apoiados.)
O sr. Presidente: - O sr. José Novaes pediu novamente a palavra, mas é preciso que s. exa. requeira que eu consulte a camara para lhe dar a palavra.
( sr. José Novaes: - Então faço esse requerimento a v. exa.
Consultada a camara resolveu que fosse dada a palavra.
O sr. José Novaes: - É extraordinario que O sr. ministro da justiça appelle para a sua coherencia! S. exa. disse: "que passou uma circular aos representantes do ministerio publico para que elles procedessem, sem ordem do governo, quando entendessem que era conveniente proceder!"
Mas nós vimos que ha dois mezes o governo deu ordem aos representantes do ministerio publico em Lisboa para procederem na questão dos titulos Hersent! (Apoiados.) E então não tinha já s. exa. publicado essa circular? De certo já. E é em nome d'essa coherencia que s. exa. demonstra, que deu ordem aos agentes do ministerio publico para que procedam n'este caso?
Não sei se a camara tem conhecimento da carta, que do mais a mais vem transcripta em todos os jornaes, inclusivamente n'um jornal de Lisboa, cuja direcção politica se diz que pertence ao sr. presidente do conselho.
N'essa carta diz-se o seguinte:
" Se os bandoleiros entenderem que estes attentados lhes servem para algum garoto nas camaras, ou algum escrevinhador de gazeta gritar que o sr. presidente do conselho perdeu mesmo a consideração que aqui lhe tributaram sempre os seus vizinhos, nada me incommoda que façam longas expandes da sua balofa rhetorica. A verdade é conhecida de todos."
É extraordinario que se diga isto! (Apoiados.) E tão extraordinario que se deu um crime previsto e punido pelo artigo 411.° do codigo penal, que diz assim:
Artigo 411.° Se os crimes declarados nos artigos 407.° e 410.° forem commettidos contra corporação, que exerça auctoridade publica, a pena será de prisão correccional até seis mezes, no primeiro caso, e a do artigo 407.°, no segundo caso.
"§ unico. Se forem commettidos contra alguma das camaras legislativas, a pena será a de prisão correccional até seis mezes e multa até um mez."
Admitte o supposto de que todos, uma parte ou, pelo menos um, é garoto, isto é uma offensa e constitue um crime, em que o delegado do ministerio publico não póde deixar de proceder, e o sr. ministro da justiça, em nome da coherencia, não póde deixar de dar ordem para se proceder contra quem não tem a coragem de dizer qual é o individuo a que se refere, acobertando-se talvez com os setenta annos de idade, que o tornam, irresponsavel mas nem por isso póde deixar de ser julgado, como é de justiça, em nome da coherencia e da lei.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Salvo o muito respeito que me merece o illustre deputado, como eu disse que não podia n'este momento pronunciar-me sobre o facto, a que s. exa. alludiu, não posso, por isso, acceitar a discussão que s. exa. renova; mas apesar d'isso não devo deixar de fazer uma simples referencia ás observações de s. exa., e é que o signatario da carta a que s. exa. se referiu, é um homem dignissimo e que tem prestado relevantissimos serviços a este paiz. (Muitos apoiados.)
Nada mais com relação a este ponto.
Para defender a minha coherencia eu poderia simplesmente limitar-me a dizer que no tocante ao processo a que s. exa. se referiu, não lhe faltei por fórma alguma, allogando que não tendo o ministerio publico ainda entendido dever instaurar o processo, e não mo conformando eu com isso, mandei que se instaurasse o processo. Isto dito, é claro que estava, n'esse caso, na mesma situação, em que mo conservo hoje. Devo, porém, lembrando ao illustre depu-