492 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
ro, obrigado a supprimir do relatorio a referencia ás phrases que eu tinha proferido, em condições inteiramente differentes d'aquellas que se davam depois das declarações do sr. presidente do conselho.
Mais tarde, quando se discutiu o projecto na camara dos pares, fiz uma narração, que não foi desmentida, nem o podia ser, inteiramente idêntica áquella que faço agora.
N'estas circumstancias causou-me estranheza que um homem político tão importante, tão illustrado e tão naturalmente sabedor das cousas que interessam á política portugueza, como o illustre deputado, o sr. Arroyo, se referisse a estes factos, mostrando não conhecer a historia que é tão facilmente apreciavel nos annaes parlamentares; tão facilmente apreciavel, e apreciavel com tanta mais justiça, quanto do discurso em que fiz as declarações a que acabo de me referir agora, nem sequer revi as notas tachygraphicas.
Deixei publicar esse discurso tal qual veiu das mãos dos srs. tachygraphos, e muito de proposito exigi que no boletim parlamentar se fizesse essa declaração.
Isto, pelo que diz respeito á referencia pessoal. Sr. presidente, hei de abusar pouco da paciencia da camara. Não quero dizer muitas palavras; por temperamento, por um natural espirito de economia, e ainda por outra ordem de rasões, não quero ser muito extenso.
Eu vejo que os ânimos dos illustres deputados que fallaram, e que naturalmente corresponde ao estado dos animos de toda a maioria, de que provavelmente elles todos, ou pelo menos alguns, são os directores, estão dispostos a apreciar qualquer palavra proferida pelos ministros como significando um intuito de aggressão, de ataque de repto.
Para que essa falsa apreciação não recaia sobre as minhas palavras, serei o mais breve possível. Só direi aquillo que me foi preciso dizer.
Fomos accusados tambem pelo sr. Arroyo de ter renegado completamente das declarações feitas pelo nosso fallecido chefe, o sr. Anselmo Braamcamp, com relação ás reformas politicas.
Onde e quando foi que nós renegâmos d'essas declarações?
Não consistiram ellas essencialmente em dizer que nos deixávamos reservado o direito de renovar perante as côrtes a nossa instancia de reformas políticas em momento que nos parecesse opportuno?
Não declarou o sr. Anselmo Braamcamp, em nome do partido progressista, que não considerava constitucional a doutrina do artigo 10.° do projecto que dizia respeito a essas reformas e reservava, portanto, para o partido progressista o direito de as modificar quando fosse poder, mas, se assim e quando o julgasse opportuno e conveniente?
Dentro do periodo indicado de quatro annos se o partido progressista o julgasse necessario e o julgasse opportuno, havia de renovar essa instancia e procurar remodelar as reformas políticas feitas pelos seus antecessores.
Sabe-o toda a camara, e, portanto, não sei porque fórma se quer estabelecer que as declarações do sr. presidente do conselho actual, que estão em harmonia com o espirito das declarações do sr. Anselmo Braamcamp, impliquem uma contradicção de qualquer ordem.
Por o partido progressista julgar conveniente que nessa occasião se fizessem outras reformas e não aquellas que a camara estava elaborando, póde hoje, sem nenhuma especie de contradicção com o facto de não ter sequer entrado na discussão d'ellas por as julgar acanhadas e insignificantes, póde hoje desistir de emprehender immediatamente a modificação dessa reforma. As circumstancias em que nos achamos, e que são um legado dos nossos adversários, são hoje muito mais graves do que eram então.
A camara não ignora que o deficit alcança a réis 10.000:000$000; a divida fluctuante sobe a mais de réis 12.000:000$000; o orçamento rectificado attinge a somma de 42.000:000$000 réis.
São estas circumstancias as que se deram quando foi feita a declaração do sr. Anselmo Braamcamp? Não são.
Portanto, não existe contradicção e não podemos ser accusados de contradictorios.
Creio ter respondido á parte do discurso do illustre deputado, que carecia de uma resposta immediata, mas parece-me que ha ainda uma parte importante no que respeita á pergunta directa que s. exa. fez ao governo, sobre qual a sua intenção de praticar actos dictatoriaes.
A pergunta categorica do illustre deputado devo responder...
(Interrupção que não foi ouvida.)
Eu não devo dizer senão o seguinte: as dictaduras não se affirmam nem se negam a priori, não se preconizam nem se renegam antecipadamente. Se são necessarias, se as circumstancias as aconselham, e se a opinião as acompanha e indica, realisam-se na occasião opportuna.
(Interrupção.)
Disse o illustre deputado que saiu ha pouco dos bancos do poder, que n'este recinto não se deve fallar em dictadura; mas, quem fallou aqui em dictadura? Não fui eu o primeiro que pronunciei essa palavra, antes fui obrigado a responder a uma pergunta categorica directamente feita ao governo, pergunta em que tal palavra se continha e que a essa ordem de factos se referia. (Apoiados.)
O sr. Arroyo: - Desejava unicamente saber, se no espirito do governo existe a opinião de que é necessaria uma dictadura.
O Orador: - A prova de que o governo não tem, n'este momento, no seu espirito a intenção de pedir ao poder moderador qualquer acto de dictadura, é que appellou se não para a confiança politica da camara, ao menos para a sua benevolencia; e essa resposta já estava dada antecipadamente, e o illustre deputado, ouvindo a exposição do sr. presidente do conselho, devia tel-o comprehendido.
Sr. presidente, cuido ter respondido a tudo quanto o illustre deputado exigiu do governo. Como prometti á camara ser conciso, não dizer uma unica palavra que podesse melindrar os espíritos, e como não desejo aquecer mais ainda a temperatura, já um pouco elevada, em que vejo o estado dos animos da maioria da camara, termino aqui.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Não podia dispensar-me de usar da palavra n'este momento. Já tinha mesmo tenção de dizer algumas palavras, antes de se encerrar o debate, para agradecer ao illustre deputado por Braga, o sr. José Borges, as palavras benevolas que proferiu e a posição espectante que prometteu ao governo. Creia s. exa. que reconheço e aprecio devidamente a independência do seu caracter e o modo brioso como tem procedido n'esta questão.
Agora, e já que estou com a palavra, não posso deixar de responder á pergunta, que directamente me foi feita, confirmando as declarações do sr. ministro da marinha, ás quaes me associo completamente.
As dictaduras não se improvisam, não se promettem; não se faz programma d'ellas.
Quem julga possível que no parlamento portuguez se levante um ministro para declarar, que ha de fazer dictadura?!
As dictaduras nascem de imperiosas e indeclinaveis necessidades publicas, que se impõem aos poderes publicos. (Apoiados.)
Não se explicam pela legalidade; justificam-se pelos seus resultados.
Quer o illustre deputado saber, se o governo tem intenção de usar d'esta faculdade, ou de proceder em conformidade com a constituição?
O governo não póde adivinhar, não póde prevenir as circumstancias que podem occorrer; não póde, portanto,