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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
que lhe foram legadas pelo seu antecessor, que s. ex.ª procura acudir ás urgencias do thesouro.
Não era, porventura, este o ensejo para s. ex.ª nos expor os meios de resolver as difficuldades financeiras em que ha de achar-se enleiado? (Apoiados.)
As observações que fiz na sessão de hontem davam margem a que o nobre ministro levantasse a toda a sua altura a questão de fazenda, e expozesse sem tergiversações qual o seu pensar relativamente ao assumpto para que eu convidava a sua attenção, mostrando assim ao paiz que era um estadista profundo, de largas vistas, de concepções giganteas, resolvido a emprehender de vez a solução do problema financeiro. (Apoiados.)
Mas s. ex.ª não fez isto. E eu, sem protestar contra o seu procedimento, tirarei, todavia, as consequencias que d'elle facilmente decorrem, e que vem a ser: que por agora ficâmos sabendo que as idéas financeiras do governo se reduzem ao projecto de real de agua, providencea aliás devida á iniciativa do seu antecessor. (Apoiados.)
Consinta agora v. ex.ª, sr. presidente, que eu dê ainda, algumas explicações relativamente ao que por mais de um illustre deputado foi dito a respeito da minha humilde pessoa, por eu ter declarado n'outra sessão que reservava para mim o pensamento, o systema, o processo emfim segundo o qual eu resolveria a questão do real de agua.
Creio que fui bem claro quando disse que votava o imposto sobre a venda por grosso e a retalho, assim como o tenho sido todas as vezes que fallei a este respeito; mas ao que me oppunha era a que fosse approvado o imposto de circulação, e o imposto cobrado á entrada das grandes povoações, isto é, o imposto de barreiras. Já se vê, portanto, que as minhas idéas estavam bem declaradas em frente do pensamento do governo. (Apoiados.)
O governo quer o imposto sobre a venda por grosso e por miudo, e quer alem d'isso o imposto da circulação e o das barreiras. Eu acceito apenas o primeiro d'estes impostos.
(Interrupção.)
Já disse na sessão de hontem que na legislação actual do real de agua havia a obrigação imposta ao comprador na venda por grosso de fazer os manifestos. (Apoiados.) Até li uma resolução de 7 de junho de 1778, que estabeleceu este preceito.
Acceitando este principio, não é preciso ser muito atilado para comprehender que na legislaçãe actual existem recursos bastantes para que a receita do real de agua produza o que deve produzir. (Apoiados.) Não preciso de ser mais explicito.
Mas queria o nobre ministro da fazenda que eu viesse aqui dizer qual o modo pratico como desenvolveria o meu pensamento? Responderei a s. ex.ª que não sou ministro. A minha missão perante a camara não é essa. (Apoiados.) Já disse francamente qual era a minha opinião a respeito do pensamento do governo. O nobre ministro não póde exigir mais de mim. (Apoiados.)
Essa é a missão do governo.
Ás opposições pertence mostrar os inconvenientes das propostas de lei, combatel-as racionalmente, empregar todos os meios de que póde usar; mas não têem obrigação de se substituir aos governos.
Cada situação governa com o seu pensamento politico ou economico. As opposições oppõem o seu pensamento ao do governo. O resto não lhes compete a ellas, mas aos governos, que têem obrigação de saber desenvolver as idéas politicas ou economicas, formuladas nas suas propostas. (Apoiados.)
É esta a rasão por que não me atrevo a desenvolver mais largamente o meu pensamento. E, com franqueza, digamme v. ex.ªs se a opposição oppozesse uma proposta clara, e definida á proposta apresentada, ou acceita pelo governo, não bastaria o vicio da origem para que o governo e a maioria a considerassem má? Esta é a verdade. (Apoiados.) E, por consequencia, o que lucrava eu em apresentar uma proposta que, só pelo facto de ser apresentada por mim, trazia na sua procedencia o peccado que a havia de condemnar a morrer no limbo das commissões? Já sei por experiencia o que tem acontecido em outras occasiões. O que lucraria eu, a maioria e o paiz com isso. O que se discute são as idéas do governo e não as minhas. (Apoiados.)
Permitta-me, portanto, a camara que eu me reduza a oppôr ás idéas propostas pelo governo os argumentos que considero mais proprios para as combater, e me limite a mostrar a sua inefficacia ou inutilidade.
Tambem o illustre deputado, o sr. Custodio José Vieira, estranhou hontem que a opposição fizesse questão politica dos assumptos de fazenda, e especialmente d'esta questão do real de agua. A opposição tem n'esta occasião mostrado a maior isenção e desassombro no encarar e apreciar os differentes artigos da proposta em discussão. Desde o primeiro dia que o illustre deputado e meu collega da opposição, o sr. Pinheiro Chagas, mais de uma vez, na sua phrase fluentissima, o tem affirmado á camara. E ainda hontem eu, pela minha parte, quasi esqueci o papel da opposição, e, voltando-me para as cadeiras do governo, lhe fiz indicações taes que mostrava o sincero proposito de cooperar com os srs. ministros na obra da regeneração financeira em que s. ex.ªs devem estar empenhados.
Se nós fizessemos opposição systematica aproveitariamos o ensejo para travar conflicto com o governo, para desenrolar aqui a nossa bandeira politica.
Não sabem v. ex.ª e o sr. ministro da fazenda, que é muito illustrado, que os assumptos financeiros são hoje aproveitados em todos os parlamentos, principalmente para levantar as grandes questões politicas? Pois não sabe v. ex.ª que na republica franceza ainda ha poucos dias foi a negação dos orçamentos a arma de que se serviu o partido republicano, para obrigar o presidente da republica a entrar nos limites da constituição? Não sabe v. ex.ª que uma questão economica, a questão da exploração dos caminhos de ferro do estado por conta das companhias, foi a que levantou ha pouco tempo uma profunda scisão na camara dos deputados italiana, e obrigou a recompor-se o ministerio Depretis?
Sabe-se que as questões economicas e financeiras são hoje quasi exclusivamente questões politicas importantes em todos os parlamentos, e nega-se-nos a nós, opposição parlamentar, o direito de fazer de uma questão de impostos, de uma questão de receita publica, uma questão politica! Qual é a questão politica que os illustres deputados querem que nós tratemos n'esta camara? Querem que venhamos levantar aqui questões pessoaes?! São essas as questões que s. ex.ªs chamam politicas?! Penso que á opposição não póde de nenhuma maneira estranhar-se e reprehender-se o seu procedimento, quando ella, no pleno uso do seu direito, vem fazer das questões economicas ou financeiras questões politicas; entretanto note-se que nós não levantámos questão politica, nem sequer fizemos a proposta de addiamento com que costumam romper os debates parlamentares, quando a elles anda mesclada a politica. (Apoiados.)
Tambem parece insinuar-se que eu tinha aqui alvitrado o expediente de aggravar a contribuição predial. Oh! sr. presidente, não tenho nunca receio de expor as minhas opiniões, e sobretudo em assumpto tão grave como este, quando é mister que toda a responsabilidade seja assumida por nós, pois que vamos em breve apresentar-nos aos nossos eleitores para sabermos se nos reconduzem ou não no exercicio do nosso mandato. (Apoiados.) Não tenho receio nenhum, sr. presidente; e abomino a escola politica que entende dever perpetuar-se no governo, adiando todas as questões importantes, fazendo a corte aos proprietarios, e deixando-lhes crer que podem evitar indefinidamente o pagamento dos encargos tributarios, que mais tarde ou mais cedo lhes hão de ser exigidos. (Apoiados.)
Sr. presidente, a franqueza é indispensavel em questões financeiras mais do que em quaesquer outras. Penso que a
Sessão de 1 de março de 1878