3 SESSÃO N.° 47 DE 4 DE ABEIL DE 1902
pequena que seja, qualquer pinga de agua, mesmo produzida por ephemeras tempestades ou por invernias menos demoradas produzam os perniciosos effeitos que teem ultimamente assolado aquella região.
É o que venho pedir instantemente.
Quando faço este appello ao Governo, estou certíssimo de que o não dirijo em vão, e digo-o pela experiencia que tenho já, pois que, por occasião da primeira cheia, da maior, apenas recebi os telegrammas da illustre Associação Commercial e da zelosa Camara Municipal d'aquella cidade e me dirigi ao Governo, encontrei nelle a melhor boa vontade em obtemperar ás justas reclamações d'aquelles povos. Tanto o chefe do Governo como o Sr. Ministro das Obras Publicas logo prometteram acudir com todas as providencias necessárias. Foram dadas, de facto, as precisas ordens, algumas reparações se executaram e assim se attendeu a parte do que era mister fazer. Mandaram-se para ali immediatamente engenheiros, entre os quaes o venerando general Silverio Pereira da Silva e o distincto chefe da circumscripção hydraulica Castro Freire.
E não foi só a circumscripção hydraulica que procedeu, mas a Direcção das Obras Publicas do Districto de Leiria ; até o Ministerio da Guerra contribuiu efficazmente com o sou auxilio, mandando um destacamento de pontoneiros, sob a habil direcção de um engenheiro filho de Leiria, o tenente Beltrão, para fazer as reparações na estrada e construir uma ponte improvisada que substituo a que tinha desabado, e que passava sobre o collector geral dos dejectos da cidade.
Essas providencias, porem, não foram bastantes, como a ultima cheia o demonstrou eloquentemente.
Ha numerosos planos, estudos feitos antigos e recentes, para modificar e transformar aquelle estado de cousas que é incomportavel, mas esses planos, esses trabalhos de engenharia hydraulica, florestal e sanitaria demandam a applicação de verbas e essas verbas faltam. Não é com planos só que se resolve o problema e a cidade não pode ficar unicamente com esses projectos ou estudos. E necessario e indispensavel uma cousa mais real e positiva - que se executem as obras, se realizem os projectos o não se façam só pequenas reparações nas motas, que, a breve trecho, ficam completamente inutilizadas, sendo portanto as despesas improductivas, pois não podem supportar o impulso das aguas cada vez mais considerável, visto que o rio, assoreado como está, vão tendo o leito em nivel cada vez mais elevado, chegando a ser, em alguns pontos, superior ao nivel dos campos marginaes.
Assim fácil lhe é irromper ou saltar para esses campos, destruindo as colheitas, levantando a camada aravel da terra, substituindo-a pela areia carrejada das serras e pelos calhaus rolados a crusta humifera de campinas outr'ora feracissimas.
Os inconvenientes que d'aqui resultam podem considerar-se de tres ordens.
Ha o inconveniente que respeita propriamente á segurança dos habitantes, ao valor dos predios urbanos da cidade e porventura ás vidas dos proprios habitantes; ha inconvenientes para a agricultura do não aproveitamento das aguas para a irrigação dos campos, das ruínas produzidas pela divagação da corrente e da sua saida do leito normal, com o que se levanta a terra aravel, cortando-se e substituindo-se pelas areias e calhaus rolados, ficando grandes tratos de terreno perfeitamente estereis, quando não são convertidos em verdadeiros pantanos; ha finalmente um outro inconveniente importantíssimo, porque se prende intimamente com a salubridade publica de uma cidade que não pode desembaraçar-se dos seus dejectos.
Para todos estes tres inconvenientes tenho que chamar a attenção do Governo, certo como estou, de que os factos são mais eloquentes do que a minha palavra, e que por isso se ha de reconhecer a imperiosa necessidade de remedio a estes males.
O rio Liz é exemplo eloquente do regime torrencial e tambem um exemplo não menos eloquente das deficiencias da nossa administração publica.
Uma corrente d'esta natureza requer todos os annos cuidadosos trabalhos, persistentes e methodicos, embora pouco dispendiosos. Não se teem realizado porem. Peor do que isso, retrocedeu-se e deixou-se perder o que primitivamente se havia feito.
Havia antigamente no concelho de Leiria uma instituição altamente sympathica e prestante, a Junta dos Melhoramentos do Campo, cujas funcções resumo em breves palavras.
As freguesias a jusante de Leiria, desde a foz do Liz ponte do Galantes e Gandara, nomeavam como procuradores ou delegados sete lavradores, com os quaes se constituia uma junta, que administrava as obras a executar pelas forças de uma receita especial, que cobrava directamente, na proporção dos beneficios recebidos pelos lavradores a quem essas obras interessavam. Ajunta fazia a derrama, cobrava o imposto e destinava as verbas assim adquiridas ás obras mais necessarias, consoante as suas deliberações.
Essa junta foi organizada por decreto de março de 1840, prosperou durante muito tempo e fez sentir os seus beneficos effeitos.
Dava-se uma ruptura, havia um paul que precisava de esgoto, ou uma valia que carecia de desobstrucção, uma mota a reclamar reforço; acudia-lhe a junta e todos os menos realizava obras dentro do seu limitado orçamento.
Essa junta é claro que não representava um ideal de administração, porque a sua área era limitada, e o imposto cobrado pequeno, cerca de 2:500$000 réis, de que havia ainda a pagar aos empregados.
Não abraçava a parte a montante da cidade, nem abrangia a propria cidade, porque, naquelle bom tempo, a cidade estava ainda completamente immune aos effeitos produzidos pelas cheias e portanto não precisava participar nas obras que a junta mandava fazer.
Imperfeita como era esta, organização tão característica, não se melhorou porem; annullou-se.
A mania centralizadora, que tem atacado por vezes os governantes, fez com que se supprimisse esta instituição sem reclamações nem protestos dos povos, com fagueiras promessas de que o Governo avocava a si o papel de executor de todas os obras hydraulicas sem gravame especial para o contribuinte. Assim como o Estado fazia estradas, vias ferreas, portos de mar, fazia obras hydraulicas. Não haviam os proprietarios dos campos do Liz constituir uma excepção. Foi extincta então com applauso, considerando-se como alivio a sua suppressão.
Resultou, porem, que ao período de pequenas obras, mas regulares, cuidadosamente executadas todos os annos, succedeu o período de obras feitas uma voz por outra e o de projectos mais frequentes do que as obras.
O mal foi-se aggravando de inverno para inverno e chegamos a esta situação verdadeiramente crítica.
É certo que no Orçamento do Estado vem todos os annos uma verba para obras hydraulicas, mas como se applica essa verba? Frequentemente desvia-se para outras obras, para outras localidades, por vezes falta completamente, e se alguma mealha vem chega em época impropria e fora de tempo. Em resultado d'isto o rio foi assoreando os campos, convertendo-os em pantanos e areaes, desvalorizando as varzeas, alagando terras enxutas e dando origem a estas frequentes inundações. D'ahi resultou, entre outras cousas, um mal terrivel para a hygiene da cidade de Leiria, outr'ora tão salubre e que hoje padece duramente de não poder dar esgoto rapido e seguro aos seus dejectos.
O regime dos esgotos d'esta localidade está subordinado a pequenos canos, mais ou menos imperfeitos, que nascem nos predios e vão terminar na chamada valla, o col-