SESSÃO N.º 72 DE 5 DE MAIO DE 1896 1555
quarto de hora, embora intercalado pela intervenção do lord do almirantado inglez.
Vozes; - Muito bem.
(O orador não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Marinha (Jacinto Candido): - Vou responder em breves palavras ao brilhante discurso do illustre deputado, não de certo em todas as suas partes, porque s. exa. mostrou taes conhecimentos e tão profunda competencia e estado da materia em discussão, que com certeza é para sentir, que não faço parte da commissão technica, encarregada da escolha dos navios a adquirir.
Como s. exa. sabe, este assumpto é para mim um assumpto technioo, completamente desconhecido, e pelos muitos afazeres da pasta de que estou encarregado, tive necessariamente de soccorrer-me da competencia, de seriedade e de aptidão especial dos officiaes da armada real, que já encontrei constituídos n'uma commissão, especialmente incumbida de o estudar, e dar parecer sobre elle; por consequencia, poucas considerações poderei fazer, mas o que desde já digo ao illustre deputado, é que de certo s. exas. não teria alongado tanto as suas considerações, se em tivesse tido tempo de o orientar sobre as intenções, ou providencias que têem de se tomar, acerco do organisação da nossa marinha de guerra, cuja solução está commettida a uma commissão technica que funcciona regularmente na secretaria a meu cargo.
Esta commissão foi nomeada para apreciar as propostas apresentadas por diversas casas constructoras para o execução do fornecimento ao estado dos tres navios de guerra de que falla o projecto. Eu, porém, entendi que á commissão de technicos se devia commetter uma missão mais larga, que era especialmente estudar a organisação da nossa marinha de guerra, sob o ponto de vista colonial e sob o ponto de vista de combate, como defeza da nossa existencia territorial, e necessidade da nossa representação.
O problema foi posto d'esta fórma e a solução d'elle confiada, como disse, a uma commissão de technicos, que deve ver qual será e como deve ser constituida a nossa marinha colonial e a nossa, marinha de guerra, duas marinhas distinctas, com condições de existencia differentes, e a que é por igual necessario acudir.
No relatório que precede o projecto e ao qual tão amaveis referencias dirigiu o illustre deputado, claramente se diz que, como nação pequena que somos, não devemos ter a pretensão de luctar com grandes potencias, mas que temos, comtudo, o indeclinavel dever de adquirirmos alguns elementos maritimos de poder militar sufficiente para que, quando não possamos repellir um acto de violencia, possamos ao menos protestar e fazer hesitar, e muitas vezes hesitam, nas grandes potencias, quando as pequenas têem meios, não de resistir, mas pelo menos de protestar e defender até um certo limite a sua neutralidade ou o seu direito de soberania.
Isto não é um facto absolutamente indifferente, e s. exa. que tantas vezes tem gerido os negocios publicos, no exercicio das mais altas funcções do estado, sabe perfeitamente que muitas vezes a simples existencia de elementos militares de um certo valor evita um acto de violencia, que se praticaria havendo a certeza de que não podia ser repellido, mas que se evita quando ha a convicção de que se vae encontrar uma resistencia, que se póde dominar muitos vezes é certo, mas que perturbaria a paz geral.
Sr. presidente, que nós não podemos ter pela insuficiencia dos nossos recursos os meios necessarios, os elementos precisos para nos defendermos energicamente contra a invasão de uma esquadra poderosa, allemã, ingleza ou russa é manifesto, mas entre este facto e a certeza de poder entrar impunemente pela nossa barra de Lisboa e caminhar sem um vislumbre de resistencia vão um grande passo.
Se não podemos attingir a inexpugnabilidade que tanto seria para desejar para efficacia da defeza nacional, podemos ter, todavia, os elementos de combate precisos para que quando se pretenda exerceer sobre nós qualquer violencia, só saiba que essa violencia ha de encontrar, a coadjuvar-nos, fornecendo todos os meios de acção, o patriotismo do paiz.
A constituição, portanto, de uma marinha de guerra não é uma pretensão fatua, nem uma veleidade sem fundamento politico, sem alcance internacional e até mesmo sem valor para a nossa economia nacional.
Se se podesse calcular quantas indemnisações, quantas violencias, quantas prepotencias nos têem sido impostas o temos soffrido para afastar ameaças imminentes que poderiam trazer desastrosos effeitos para o paiz, e se tivessemos em attenção que a maior porte d'essas ameaças ficariam sem effeito ou poderiam encontrar nos governantes serenidade de animo bastante para lhe resistir quando houvesse os meios de acção precisos porá fazer suspender um ataque imminente, esse calculo, traduzido em meios financeiros, representaria por certo um enorme sacrificio em desfavor ao thesouro, e é exactamente como um meio de evitar a repetição d'essas violencias, que a marinha de guerra tem uma poderosa influencia na economia nacional e nas finanças do estado.
Figuremos um facto. Um paiz ameaça-nos de uma expropriação, ou de um acto violento que importa sempre diminuição do nossa riqueza nacional. Temos meios de resistir-lhe? Se temos, podemos fazel-o, amimando que estamos dispostos a declarar-lhe a guerra, empenhando-nos n'uma lucta, embora possamos sair vencidos, e esse davia certo que paiz, que pretende espoliar-nos, hesitará certamente ante a declaração de uma guerra, cujos resultados; embora seguros para elle, n'um momento restricto, examinando a questão sob um ponto de visto mais largo das relações internacionaes, póde occasionar graves complicações nas relações diplomaticas d'esse paiz com outras potencias da Europa.
Toda a gente sabe que se se podér entrar impunemente no Tejo, sem haver um navio de guerra ou uma peça de artilheria capaz de suspender o ataque de um navio estrangeiro, as ameaças serão faceis de fazer e igualmente faceis do executar; mas tal não succederá se houver quaesquer meios de resistencia a oppor-lhe.
Se a marinha colonial é indispensavel para a policia das costas e para a affirmação da nossa soberania perante os povos gentilicos das regiões que nós avassallámos e em que exercemos soberania, não ha duvida nenhuma tambem em que a marinha militar tem uma alta importancia, pois representa para a nosso dignidade e até para a nossa economia, como acabei de demonstrar n'um singelo exemplo, um, elemento de alto valor.
É absolutamente indispensavel que saiamos d'este desanimo, d'este desalento, que nos tem tolhido o passo por diversas vezes. É preciso que a camara saiba, que não é uma innovação a tentativa da reconstituição da nossa marinho de guerra; diversas tentativas se têem feito, têem-se elaborado projectos, muitissimos concursos se têem aberto e a final quando se pretende realisar a adjudicação da construcção e de acquisição de navios, surgem difficuldades, levantam-se embaraços, umas vezes independentemente da vontade dos governantes e devido a causas superiores, outros vezes por disputas e questões que surgem e fazem desviar os attenções do objecto principal. O facto, porém, é que desde a acquisição do couraçado Vasco da Gama até hoje, nada temos feito em relação á reconstituição do nossa marinha de guerra, chegando ao lastimoso estado, que o illustre deputado descreveu com cores tão vivas e eloquentes, que eu me abstenho de demonstrar, porque é um facto de verificação directa.
O governo, ao tratar do questão da acquisição de navios, podia ter começado effectivamente por adquirir navios sob o ponto de vista de policiamento das nossas cos-