1344 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
pirito, pela nobreza do seu caracter e pela excellencia do seu coração, se impõe ao respeito, á estima e á veneração de todos.
Esse homem, que é hoje benemerito presidente da camara municipal d'aquelle concelho, o chefe illustre do partido progressista de Ovar, era então medico do partido municipal; e, embora convictamente affeiçoado ás idéas progressistas, não dera nunca manifestação alguma publica das suas opiniões politicas, e sempre se mantivera arredado das luctas partidarias locaes.
Uma noite foi chamado altas horas para assistir ao parto laboriosissimo de uma senhora, que era filha de um dos membros mais ferrenhos e valiosos do partido regenerador, mas que era tambem esposa de um dos mais dedicados e distinctos membros do partido progressista.
Para salvar a mãe e a filha de uma morte imminente, teve o medico absoluta necessidade de instrumentos cirurgicos, que só havia no hospital da camara, e mandou-os buscar á pressa; mas o enfermeiro declarou que os não podia entregar, porque o presidente da camara lhe prohibira de os emprestar áquelle medico.
O medico correu então ao hospital, trouxe os instrumentos, sob sua responsabilidade, salvou com elles a vida da parturiente, e restituiu-os logo.
ois querem v. exa. e a camara saber o que no dia seguinte fez o presidente da camara municipal e chefe do partido regenerador? Suspendeu o enfermeiro e demittiu o medico, sem fórma alguma de processo e sem o ouvir, do partido camarario, em que foi depois reintegrado pela junta geral.
Imagine-se a indignação profunda que este facto, depois de muitos outros igualmente horrorosos, causou em todo o concelho. Já era de mais. A população inteira, cansada da horrivel oppressão em que vivia, ergueu-se como um só homem, poz á sua frente áquelle medico distincto e cavalheiro respeitavel, que idolatrava, e correu á conquista da sua emancipação politica e social, de que saiu victoriosa.
Aqui têem os illustres deputados da opposição a vida e a morte do partido regenerador em Ovar; aqui têem o que são e o que valem os seus famosos correligionarios de lá. (Apoiados.)
Mas isto veiu apenas para dizer que desde esse momento se operou uma completa reviravolta na opinião publica d'aquelle concelho.
Logo nas eleições immediatas, o partido regenerador, apesar de estar ainda no poder, e de haver falsificado todo o recenseamento eleitoral, ficou completamente derrotado e nunca mais tornou a dar batalha perante a urna.
Agora, o ex-mandão regenerador, rodeado de meia dúzia, se tantos, de caceteiros emeritos, vinga-se das repetidas derrotas, promovendo a cada passo nas ruas, pequenas desordens pessoaes, a que lhe convem dar o caracter de motins politicos, e para encobrir aos olhos dos seus chefes e correligionário da capital o seu completo desprestigio e a sua actual insignificancia e impopularidade, inventa de quando em quando as mais extravagantes e inverosímeis mentiras, que transmitte por telegrammas alarmantes á imprensa, aos deputados da opposição, ao sr. ministro do reino, e até por vezes a Sua Magestade El-Rei. Ora alguns d'esses deputados, ou por ingenuidade, que a sua intelligencia me não deixa presumir lhes, ou por mal entendida conveniencia partidaria, por varias vezes se têem feito n'esta casa echo d'essas inexactas informações.
Foi o que succedeu hontem ao illustre deputado o sr. Arroyo. S. exa. começou por apresentar algumas duvidas, que ninguem tem, na interpretação do ultimo decreto de amnistia. E por uma ligação de idéas, que não explicou bem, passou á politica de Ovar.
Permitta-se-me que eu faça tambem essa approximação, para ser mais completo o desmentido, e mais evidente a injustiça das accusações. Diz-se a toda a hora, com insistencia perfida, que em Ovar não ha auctoridade, nem lei nem justiça desde que subiu ao poder o partido progressista; que a liberdade eleitoral não tem sido mantida, que os direitos politicos dos cidadãos são constantemente violados, que as garantias individuaes estão suspensas, e que as rixas partidarias têem alagado de sangue as ruas d'aquella villa. Se isto assim fosse, se tudo isto não passasse de uma invenção facciosa, é claro que a ninguem aproveitaria mais a munificencia regia da amnistia que aos progressistas de Ovar.
Pois tenho a satisfação e o orgulho de affirmar á camara, que não houve nem ha na comarca de Ovar processo algum de caracter politico ou eleitoral a que esse decreto de amnistia fosse ou tenha de ser applicado. Nem um só.
O unico processo politico instaurado contra progressistas de ha tres annos a esta parte, foi definitivamente julgado em audiencia geral o anno passado. E os réus, que tive a honra de defender, foram todos absolvidos por unanimidade, sem ter sido preciso usar da faculdade legal de recusar qualquer dos jurados, e até fazendo parte do jury um dos quarenta maiores contribuintes que os regeneradores, na imprensa e em celebres representações a El-Rei, diziam ser um dos que tinham sido privados pelos réus do exercicio do direito eleitoral.
Estas circumstancias provam bem a justiça d'aquella decisão absolutoria.
Ha ainda um outro processo judicial, mas esse é contra os regeneradores, que em tumulto, a pretexto das licenças de contribuição industrial, espancaram barbaramente o regedor da parochia de Ovar; e a elle se não póde, a meu ver, applicar o decreto de amnistia, porque o crime é commum, e não politico, e porque dos ferimentos resultou lesão permanente.
O sr. deputado Arroyo podia ter-se limitado habilmente, como era de esperar da sua perspicacia parlamentar, a declamações banaes vagas sobre o assumpto, e a chamar,, como chamou, sicarios e bandidos aos progressistas de Ovar.
Mas caiu na imprudencia de citar factos, e teve logo a infelicidade de não citar um só que fosse exacto!
É admiravel como s. exa., de tanto talento como feliz memoria, teve a rara desdita de os transtornar a todos!
S. exa. começou por dizer "que até aqui as violencias em Ovar tinham poupado o poder judicial; mas que nem mesmo esse poupavam agora".
Ora, sr. presidente, todos sabem, e a opposição parlamentar sabe-o melhor do que ninguem, que em parte alguma foi o poder judicial tão offendido e aggravado como em Ovar no tempo dos regeneradores; e foi-o, deixem-me lembrar-lhes a verdade toda, na propria casa onde eu estou fallando.
Estava n'esse tempo administrando justiça em Ovar um juiz illustrado e recto, intelligente e digno, mas que se não vergava ás imposições do mandão regenerador. Pois contra esse distincto e respeitavel magistrado se desencadeou uma furiosa campanha de desacatos, de perseguições e de violencias, directas e pessoaes, na propria sala do tribunal, e no exercicio das suas elevadas funcções.
E como a nada d'isso o integerrimo juiz se dobrasse, esta camara, o poder legislativo prestou-se á violencia de alterar a classificação da comarca de Ovar, para que as sim o juiz podesse ser legalmente transferido!
Era assim que os regeneradores mantinham o prestigio da auctoridade judicial! Era assim que respeitavam a dignidade dos tribunaes! Era assim que davam forca e independencia á administração da justiça! (Apoiados.)
E vem então dizer-se que até aqui se tinha poupado em Ovar o poder judicial! Até aqui, na phrase do sr. Arroyo, é que nem sequer os magistrados judiciaes se pouparam n'aquella comarca, porque os insultos e as ameaças os perseguiam por toda a parte, na imprensa, nas ruas, no tribunal, e até no parlamento. Até aqui, até ao tempo em que o partido progressista subiu ao poder, é que a aucto-