1474 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
É por isso que descobrimos, na nossa constituição intima, na nossa organisação moral, os poderes legislativo, executivo e judicial; são attestados pela consciencia, embora o positivismo diga que e esta uma das abstrações vaporosas da metaphysica.
A rasão legisla, a vontade executa e a consciencia emitte o seu veredictum absolutório ou condemnatório, segundo o facto, a acção ou acto estão em harmonia e conformidade com as leis que a rasão promulga.
E sendo assim devemos tomar o homem no meio sociológico, como elle se revela na sua natureza e como elle só manifesta na sua essência. Instituições ou leis, que não estejam em harmonia com a natureza moral do homem não podem ser duradouras por falta de legitimidade, o sustente e justifique, nem podem realisar a felicidade por contraviarem as legitimas aspirações. Ora no homem as faculdades de sentir, pensar e querer são inexhauriveis e insaciaveis. Tendem constantemente a abarcar uma esphera cada vez mais larga de acção e de actividade, esforçam-se por abarcar o dominio finito das cousas e suas relações.
E dahi que se deriva este aphorismo de que não felicidade perfeita n'esta vida, porque tambem não ha satisfação completa das necessidades do nosso espirito.
É por isso que dizia um dos maiores poctas lyricos, senão o primeiro, ao menos o segundo da litteratura classica antiga, que ninguem vive satisfeito ou contente com a sua sorte.
Vozes: - Latim. latim.
O Orador: - Já que me pedem o latim, dil-o-hei «Qui fit, Maecenas, ut nemo quam Deus dederit sortem, vivat contentus sua.»
Não posso agora esforçar a memoria para evocar a lembrança de toda a collocação das palavras, porque e uma das passagens difficeis do auctor pelos hyperbatons como os de que se serviu n'este ponto, e transposições asperas, de que lançou mão.
O triplice ideal das forças e energias do espirito só no absoluto infinito tem a sua realidade objectiva. Daqui a tendencia do eu para a assimilação de tudo o que ha nas diversas ordens de existencia. A necessidade, que no homem nasce do sentimento do que lhe falta, é indefinida.
Nunca o sentimento se sacía do bollo, jamais o pensamento se farta e satura de verdade, e não é dado ao homem apagar e extinguir a sede, que a vontade nutre de
bem. E por isso o pensamento penetra cada vez mais profundamente no dominio da verdade, dos principios e dos factos, o sentimento eleva se e universalisa-se, e a vontade adquire cada vez maior energia, num campo mais extenso e mais largo de acção e de actividade.
E o homem, ao passo que é dotado da mais alta expontaneidade, adquiro mais larga e mais intensa receptibilidade.
E por isso a responsabilidade cresce ou dimimie, conforme o grau da rasão; torna-se mais forte a medida que o poder da intellectualidade vae adquirindo força e energia; é por isso que os philosophos e jurisconsultos, quando avaliam o aquilatam o valor dos actos humanos, partem de um aphorismo, como verdade assento estabelecida: Nihil volitum quin proccognitum, ou ignoti nulla cupido.
Á medida que o homem vae melhor comprehendendo a sua natureza e o seu destino, sente-se dominado de maiores necessidades, e por isso se sente cada vez aguilhoado e estimulado pelo desejo de preencher as lacunas de perfazer o que está imperfeito, de completar a sua vida pela addição do que lhe falta, pela adjunção e acrescimo do que sente a ausencia na sua realidade positiva.
E assim tende a perfazer-se pela religião nas suas relações com Deus, pelas sciencias e pelas artes nas suas relações com todas as outras ordens da existencia. Procura completar a sua personalidade pelos meios proprios de realisação de bens, correspondentes ás necessidades, que sente e experimenta.
A necessidade imperiosa de realisar todos os fins resulta da nossa propria natureza, porque o principio de vida psychica impelle-nos a evolução successiva de tudo quanto se contem na nossa essência, e tudo o que se realisa na vida de um ser conforme a sua natureza é um bem, porque é a satisfação de uma necessidade.
O principio da perfectibilidade, que resulta da rasão, é o agente que provoca e desafia a nossa essência á sua evolução indefinidamente; cada grau de desenvolvimento e a satisfação de uma necessidade que e um bem, e cada expansão nos colloca em via de outra, e assim successivamente emquanto estivermos no estado viavel e não attingirmos o nosso derradeiro destino.
A mesma rasão, que e principio intrinseco de operações fecundas e espansibilidades generosas, concebe a ordem como seu alimento, e a realisação d'esta como necessidade indeclinavel, que se impõe com a força de imperativo categorico, para me servir da linguagem allemã. Por essa rasão começa por sentir a necessidade de a realisar dentro de si, mantendo-a no desenvolvimento proporcional e equilibrado de suas energias, conservando a submissão das inchnações inferiores ás tendências mais elevadas, exercendo sobre si mesmo dominio, imperio e soberania.
Isto é que é a maior de todas as victorias; este é o maior de todos os triumphos e a mais brilhante palma de gloria que se pode obter n'esta vida.
E é por isso que S. Paulo se queixava de uma lucta constante e renhida, que a cada passo sentia travar-se dentro d'elle mesmo, da rebellião da lei da carne contra a do espirito, ameaçando derrubal-o, e receando elle pela sorte da victoria.
É pois isso que Santo Agostinho se queixava de ter luctado valentemente durante doze annos com as suas paixões ardentes e violentas.
Era ainda por esta rasão que o nosso clássico bispo do Algarve, quando tentava dissuadir o infeliz monarca da luctuosa batalha de Alcacerquivir, dizia: «Vença-se Vossa Alteza a si proprio, domine os impulsos immoderados do seu coração, soffreie as ambições do seu espirito, que essa e a maior batalha que pode dar, e a maior gloria com que pode cingir a sua coroa».
Quando o homem encontra assim as forcas do seu espirito e as energias do seu coração entra francamente na pratica da virtude, tornando-se forte, temperado, prudente e justo.
Submette a vontade livre a rasão recta e esclarecida, e, em vez de a deixar decidir e dominar pelos estimulos da sensibilidade, coage-a e obriga-a moralmente a resolver o obrar segundo as prescripções superiores da rasão, e n'isto vae a virtude da fortaleza.
Refreia os impetos na sensualidade, mantem seus impulsos, sujeita o estimulo sensivel ao racional, o sentimento do util ao do honesto, no que vae a virtude da temperança. Subordina perante a rasão os motivos de menor realidade aos de ordem mais elevada, desembaraça-se do mal e dos motivos viciosos para começar a cada passo uma vida nova, mais elevada e mais perfeita, fazendo passar pela joeira da rasão todos os motivos, pesando-os, aquilatando-os o avaliando-os como diamantes em prato da balança, propondo a vontade para ella deliberar e resolver os que forem de grau mais apurado ou de mais subido quilate, a fim de se não dar - o video melhora proboque ut deteriora sequor, de que falla o poeta - e n'isto consiste a virtude da prudência.
Mas quando o homem entra assim na realisação da ordem, mantendo a proporção e o equilibrio entre todas as faculdades e forças, que solicitam a natureza moral para o seu fim, como verdadeiro movel, subordinando a sensibilidade á vontade livre e esta á rasão recta e esclarecida, tem praticado a virtude da justiça, que é o resumo e a synthese de todas as virtudes moraes e philosophicas - é o