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1268 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. ministro da marinha, proferido na sessão de 3 de julho findo, e que devia ler-se a pág. 630, col. l. ª

O sr. Ministro da Marinha (Latino Coelho): - É sempre grande, apesar do meu amor a arte da palavra, á publicidade e á discussão, a repugnância com que tomo parte nos debates...
(Sussurro e ápartes entre alguns Srs. deputados.)
Não sei se poderei continuar. Vejo ainda alguns membros d'esta casa indecisos sobre se a palavra para requerimentos lhes deve ou não ser concedida, e não quero fraudar os Srs. deputados que desejem fazer a esta camara alguma petição.
(Restabeleceu-se o silencio.)
Começava eu dizendo que, apesar do grande afecto que professo pela arte da palavra, apesar do grande amor que tenho á máxima publicidade, e por consequência á discussão, que é a publicidade parlamentar, é sempre grande a repugnancia com que me aproximo da tribuna.
Esta reluctancia porém, devo dize-lo, é hoje compensada, e em certa maneira destruída pela confiança (parecerá paradoxal a affirmação) que me inspira neste momento a actual opposição dentro desta assembléa.
Parecerá, dizia eu, um paradoxo, que um ministro haja de suppor que da parte da opposição póde ser-lhe inspirada confiança, mas já direi a v. ex. ª e á camara qual é o significado e explicação das palavras que soltei: mais de uma vez tem sido o meu silencio notado e taxado n'esta casa; decorreram já dois mezes desde que está aberta a camara, e eu tenho assistido silencioso aos debates prolongados e nem sempre serenos e tranquillos, que se têem succedido n'esta assembléa.
Anima-me e incita-me hoje a tomar a palavra n'uma questão, mais ou menos apparentada com a questão política, a curiosidade inexplicavel com que alguns dos Srs. deputados, que se sentam nos bancos da opposição, têem lastimado o meu silencio, e me têem provocado, uns com aceradas ironias, outros com amaveis expressões, a tomar a palavra, esperando uns e outros porventura - e a uns e outros agradeço a confiança - que da minha palavra humilde, obscura e desenfeitada possa sair alguma luz para o labyrinto em que andam enredados os debates n'esta camara.
Tenho quasi invencivel repugnancia no fallar, domina-me o terror ao pisar o primeiro degrau da tribuna parlamentar, e este sentimento em vez de ser taxado de defeito, devera ser tornado a conta de modestia não mentida e affectada, senão sincera e verdadeira, porque não tenho, não posso ter a pretensão de projectar luz no debate com os meus predicados oratorios.
E porque as obrigações do officio me forçam a quebrar o meu silencio, algumas palavras direi, taxadas e avaras, quanto poder, em resposta as considerações e argumentos, e sobretudo as invectivas que têem sido lançadas contra o governo de que tenho a honra de fazer parte, e espero que me não será levado a mal se fallar com menos laconismo e mais largueza, e que não serei por isso acoimado de usurario, palavra que se emprega hoje e anda frequente no vocabulario d'esta camara.
Estamos de feito em epocha em que os usurarios estão, como se diz com um gallicismo politico, na ordem do dia, e por isso peço desculpa aos illustres deputados que se sentam no lado esquerdo da camara, se abusar da sua paciencia, e se no meu silencio de dois mezes fizer fundamento para tirar agora a minha usura, alargando um pouco as reflexões e commentarios que tenho de fazer.
Tão parco hei sido em roubar o tempo á camara que me parece ter chegado a occasião das minhas vaccas gordas, e de abusar um pouco da abundancia após tamanha esterilidade parlamentar. Desde já declaro porém que não é meu intento fatigar a benevolencia do auditorio, e que forcejarei por ser tão breve quanto a natureza do assumpto e o meu dever politico m'o possam permittir.
E apresso-me já a uma nova declaração. Disse-se que as provocações n'este debate partiam quasi sempre do governo, e ao passo que se tem accusado o banco dos ministros pela sua aggressiva loquacidade, e pela intemperança das suas recriminações á opposição, por outra parte tem-se accusado o banco dos ministros pela sua taciturnidade obstinada.
Devo dizer á camara e particularmente aos srs. deputados a quem intento responder, que nas palavras que me forçam a dizer não farei provocações porque lhes não é affeita a minha indole, nem a minha educação parlamentar; não me quadram objurgações, nem represalias, e o meu animo apesar de largo e desassombrado não pode abrigar em si paixões odientas. Devo porém advertir aos meus antagonistas que para defender os actos que por elles têem sido mais ou menos acerbamente vituperados, ver-me-hei forçado a instituir parallelos e confrontos, e se a historia com a sua inflexivel rigidez não for favoravel á gerencia dos srs. deputados que por parte da opposição têem tornado parte no debate na presente sessão legislativa, não será minha de certo a culpa nem a intenção, senão da historia que escripta e a cujos fastos e sempre licito alludir.
Eu sou naturalmente silencioso, e ainda mais me apraz esta virtude pythagorica nas cadeiras do poder.
Sou já velho parlamentar. A minha entrada n'esta casa data de 1855, e, se v. ex. ª e a camara folhearem os nossos archivos parlamentares, hão-de encontrar ahi raras vezes o meu nome. E isto por duas rasões: a primeira, porque poucas vezes tomo a mão nas questões do parlamento; a segunda, porque, n'essas raras occasiões em que me aventurei ás glorias ou aos desastres da tribuna, tal era o meu desgosto, direi mais, a minha profunda aversão pela forma litteraria d'aquillo que tinha proferido, que quasi sempre deixei intactos e furtados á publicidade os cadernos e os rolos de papel que a repartição tachygraphica me tinha enviado, e a que, por um euphemismo cortez e lisonjeiro, chamára discursos parlamentares. Tão alta e tão temerosa e a noção que sempre fiz da eloquencia parlamentar e das responsabilidades da tribuna.
Quando tenho sido d'esta maneira sobrio nos bancos da opposição, não admira que seja agora extremamente reservado no uso da palavra, quando tenho a honra de me as sentar nas cadeiras do governo, e quando a gravidade das cirumstancias nem recommendam certamente o abuso da oratoria, nem as larguezas e pompas do discurso.
Respeito tanto, como os que mais a veneram e acatam, a palavra livre no governo livre. Admiro mais do que ninguem a arte sublime da palavra. É ella um dos meus estudos predilectos nas horas de lazer, nos ocios que me deixam os negocios publicos ou o desempenho nas minhas funcções officiaes. E talvez por me haver dedicado ao estudo da oratoria, principalmente nas bellas manifestações da arte antiga, que naturalmente me arreceio, quando imperiosas obrigações me chamam á tribuna.
Tenho para mim que o officio do governo não é certamente o fallar immoderado; o primeiro, o principal officio d'aquelles que Silo chamados a occupar estas cadeiras, é a acção e não o verbo, é a obra, que executa, e não a palavra, que disserta.
A palavra, a discussão e para o governo, não um torneio de gentilezas oratorias, senão um instrumento de opportuna justificação, a palavra não é ultimo fim da administração, mas um instrumento de bom Governo. E infelizmente entre nós não são raros os exemplos de se haver abusado largamente, nos bancos do poder, das galas e exuberancias da palavra.
Ha ainda outra rasão pela qual me conserve quasi sempre silencioso. N'este encargo pesado de reger os negocios publicos, n'esta ardua magistratura, que, paraphraseando o dito de um rei sempre chorado, poderamos appellidar o duro officio de governar, porque tem mais durezas que do-