1270 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
ria, de feito, a minha palavra nas theses que até agora se têem controvertido n'esta camara? Nos debates politicos? Aqui está o meu nobre amigo e collega o sr. ministro do reino para sustentar na discussão a honra do governo. Nas questões financeiras? Aqui tem sido prompto, assiduo, indefesso na replica aos adversarios o meu illustre collega o sr. ministro da fazenda. N'estas circumstancias fora pois imprudencia demasiada, porventura indisculpavel fora jactancia e temeridade, que eu tentasse lançar a espada da minha palavra na balança do debate, pretendendo inclina-la em meu favor.
Diz-se que estamos em discordancia, argue o meu silencio esta suspeita. Quero estar com os illustres deputados n'este ponto. Existe em verdade o desaccordo ministerial, se por desaccordo havemos de entender a discussão, a contradicta, o em bate natural e necessario dos pareceres antes que um corpo deliberante chegue a assentar no que convem em materias de grande ponderação.
Um dos oradores que mais insistem na supposta discrepancia, o sr. Mathias de Carvalho, sabe perfeitamente que dos attritos inevitaveis no governo representativo, das mil causas que retardam ou perturbam o andamento dos mais bem constituidos ministerios até ao desaccordo profundo e caracterisado, vac uma serie de infinitas graduações. Sempre foi licito a um conjuncto de homens, embora ligados e conformes n'um pensamento commum e dominante, differirem de parecer em pontos não dogmaticos. Ninguem ousará dizer que está rota a mystica unidade do catholicismo, porque dois fieis se não accordam improvisamente em as-aumptos de disciplina. Nem se dirá que o dissidio affecta a paz da igreja, como a heretica pravidade do sociniano ou mcthodista, em profunda e irreconciliavel divergencia com a igreja e a tradição.
Todos os gabinetes discutem e divergem, nos debates do seu conselho, antes de formularem completamente uma norma de governo sobre cada assumpto grave de publica administração. E o meu illustre amigo (o sr. Mathias de Carvalho) tem de certo, apesar do seu breve estadio ministerial, a experiencia das discussões familiares no gremio de cada gabinete, e sabe que só d'ali poda nascer o acordo das idéas.
Seria impossivel que um pensamento governativo saísse improvisa e simultaneamente formulado das cabeças de seis homens, como Minerva saíu armada do cerebro de Jupiter.
Não me causaria espanto que o meu honrado amigo não soubesse pela pratica do seu governo estas verdades triviaes. Quando se emprechendem e acabam estas navegações na barca pesada do governo quasi limitadas a pequena cabotagem, sem se engolfar ao largo, - e tal foi a navegação politica do meu illustre amigo o sr. Mathias do Carvalho, - não admira que a mais inquebraníavel fraternidade nem fosse um momento annuveada pela sombra sequer de uma discordancia accidental. Quando porém a empreza é desusada, quando todas as contradições se encastellam em volta do governo, e quando é para elle o primeiro dever o governar, o corrigir, o reformar, a despeito de todos os contratempos e de todas as insidias, e cumprir um programma consagrado solenemente pela opinião, somente da discussão entre os ministros pode saír victoriosa a verdade pratica na administração. É esse debate que chamam desaccordo, e esse é honra, não opprobrio para o gabinete a que tenho a honra de pertencer.
Dada a rasão do meu silencio até agora, devo justificar o fundamento de o ter rompido n' esta occasião.
Pedi a palavra sobre a questão que estava no debate, quando ouvi pronunciar algumas proposições, com as quaes, por insolitas e contrarias aos solidos principios do governo, me não podia conformar. Proferiu as n' esta casa em tom
Sentimental e em thremos lacrymosos sr. deputado (o sr. Corvo) que já teve parte no governo. Essas opiniões julgo dever meu, necessidade do governo, refutar; e falo-hei nos termos mais cortezes e menos eivados de acrimonia e de apaixonadas intenções.
Trata-se de saber se os empregados que ficaram excedentes, depois de reduzidos os quadros... (O sr. Corvo: - Peço a palavra.) da repartição de pesos e medidas, ou para fallar mais correctamente, trata-se de investigar se os empregados que tinham sido illegalmente nomeados para a repartição de pesos e medidas (apoiados), podem ou não, devem ou não ser attendidos, para que se lhes continue o abono de seus vencimentos illegaes, e se o principio das economias deve ou não ser respeitado no sentido mais severo e litteral.
Parece-me facil empenho, mas inglorio, o demonstrar á camara que os empregados de que se trata não possuem titulo algum pelo qual devam, segundo direito estricto, ser despachados nas suas reclamações.
Ha no governo representativo regras legaes e preceitos infalliveis, pelos quaes se ajusta a creação e provimento dos empregos. A primeira d'estas regras e que os empregos sejam instituidos por acto do poder legislativo, ou por decreto revestido da sua confirmação. A segunda é que o seu provimento se effectue segundo as condições estatuidas por lei. Vejamos se os logares de que se trata tinham sido creados pelo poder legislativo, em primeiro logar, e em segundo logar, se haviam sido providos na conformidade das leis. É claro - não o contestou, antes o confessou o illustre deputado que estes logares não, tinham sido decretados pelo poder competente. Foram instituidos por um acto do poder executivo, e providos depois por virtude de portarias.
Objecta o sr. deputado a quem respondo - não são os decretos que constituiam o direito dos funccionarios; são pelo contrario os seus serviços e a sua habilidade no exercicio do logar.
Permitta-me v. ex. ª e a camara que eu dissinta abertamente da doutrina manifestada n'este ponto por aquelle ornamento d'esta casa, a quem sou forçado a contradictar n'este momento.
Admittamos que no governo representativo seja possivel, mais que possivel, natural, investir o poder executivo nas amplas faculdades de crear a seu talante empregos e officios, e toda a ordem administrativa seria completamente perturbada, nunca podia assentar-se em bases firmes e seguras o orçamento da nação, porque seria unicamente subordinado aos caprichos do poder. Admitti e sanccionae a doutrina subversiva de que não é a lei que institue a função publica e auctorisa a investidura do funccionario, conferi ao governo o privilegio de multiplicar os empregos e distribui-los a seu arbitrio, e tereis em breve a anarchia do orçamento.
Passo ligeiramente por este ponto, porque não quero fazer á camara a offensa de suppor que ella admitte o principio proclamado pelo illustre deputado, de que as leis e os decretos são insignificantes e de nenhum momento, e que só o serviço constitue um direito indisputavel, firmado no qual o funccionario que o ministro uma vez agraciou não pode ser jamais despedido do serviço. Dae ao governo mais liberal, mais sábio de boas intenções, mais sabio, mais avaro zelador da fazenda publica, o direito de nomear quando lhe aprasa para os empregos que elle proprio instituiu, mesmo sem a importuna formalidade do decreto pela sua iniciativa ministerial, e podeis apparelhar as exequias do syatema representativo, para que resurja o absolutismo. Porque não é só absolutismo aquele que tolhe aos cidadãos os seus foros e immunidades naturaes, o que reprime a liberdade da imprensa, o que aniquila ou attenua a liberdade do suffragio, o que offende a inviolabilidade individual, o que viola a segurança das pessoas e das propriedades, tambem é, e muito principalmente absolutismo, aquelle que destroe a primeira das funções soberanas da nação, a intervenção do povo por meio de seus representantes no mais grave dos negocios publicos, qual e a votação dos impostos, e depois a sua interferencia e fiscalisação no despendio dos dinheiros da nação