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2056 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

e nem sempre bem, ao momento, sem attender ao futuro, teremos esboçado em larga synthese, o que das nossas considerações sociaes mais tem influido para o mau estado da nossa agricultura, e para a penosa situação actual dos nossos agricultores, os quaes têem, por sua parte, concorrido tambem com largo quinhão de imprevidencia para o mal de que se queixam, e a que urge prover de remedio!!

Vou responder a isto.

Nós não podemos mudar a indole de uma nação com a mesma facilidade com que um individuo muda de fato, ou de camisa. A nação portugueza tem a sua indole especial.

Ha annos atraz, quando ainda não havia a facilidade de transportes e communicações, que ha hoje, quando não havia a concorrencia desenfreada de cereaes estrangeiros que se dá hoje, quando era pouco facil a concorrencia nos mercados internos dos proprios productos agricolas nacionaes entre si, dava-se como assentado e como certo, que um individuo, uma familia, que possuia uma determinada propriedade (ilegivel) , tinha n´ella a sua fortuna garantida, dispunha de um bem estar que, por assim dizer, duraria sempre, enquanto existisse, o individuo, ou a familia.

Quando appareceu, já são passados muitos annos, o mal nos pomares nos arredores de Lisboa, differentes familias, que até então viviam em circumstancias desafogadas, acharam-se em situação triste por lhes faltar, quando menos esperavam, e seu principal ou unico rendimento.

Se isto se dava em relação á cultura, a que me estou referindo, era por outro lado certo que não apparecêra molesta ou circumstancia alguma invencivel, no paiz ou fóra d'elle, que prejudicasse a cultura dos cereaes, e por isso continuou a cultura dos cereaes a ser considerada como uma fonte certa, segura, de prosperidade e de bem estar, para quem chegava a adquirir propriedade, em que elles fossem cultivados.

O sr. relator de certo sabe que na pratica chegou a vingar este principio a ponto de que, para quem comprava uma propriedade destinada á cultura de cereaes, a informação que mais valor tinha era a da medida da superficie da area cultivada.

Adquirida essa informação as compras e vendas faziam correntemente, e para exemplo de que assim era lembrarei o que succedia determinadamente nos campos de Coimbra com as terras de milho.

Veiu depois a febre dos caminho de ferro, veiu a febre dos melhoramentos materiaes, e quando isso se deu os lavradores, agricultores e proprietarios, não deixaram de procurar melhorar os seus productos e de introduzir as modificações aconselhadas pelos estrangeiros, e que eram compativeis com os nossos recursos.

Essas, modificações deram-se principalmente na alfaia agricola, e n'este ponto não podem accusar os lavradores de imprevidentes.

Se o sr. relator quer dizer-me que os lavradores, agricoltores e proprietarios foram imprevidentes em não acautelar os effeitos, que lhes haviam advir dos melhoramentos materiaes, como caminhos de ferro, etc., declaro desde já que n'essa parte estou de accordo com s. exa.

Recordarei um caso, que se deu ha annos, e que correu de bôca em bôca em Lisboa.

Era um homem, um lavrador rico, que andava constantemente entretido com os trabalhos da sua lavoura.

Perguntando-lhe alguem, n'uma dada occasião, como achava elle que os negocios publicos corriam em Portugal, respondeu:

«Não sei nada d'isso, e não admira que não saiba, porque eu passo parte do anno a olhar para o céu a ver o tempo que vem. Fóra d´isso só tenho vagar para comer e para dormir!»

Quer isto dizer que, quando se pediam mais caminhos de ferro, mais melhoramentos materiaes, a generalidade da classe agricola desconhecia quaes os effeitos, que d'ahi poderiam advir á sua industria.

Se o sr. relator quer ver n'isto imprevidencia dos nossos agricultores, concedo que assim tenha sido.

Mal suppunham elles que os caminhos de ferro, que pediam, haviam de concorrer efficazmente para aggravar, se não promover a crise, que hoje atravessamos.

Mais abaixo diz s. exa. o seguinte:

«A par d'estas acções, já de si bastante energicas, para se não poderem remover sem tempo, convem não esquecer que ha, em alguns casos, outras que estão fóra da acção do homem.»

E acrescentou:

«Estamos fora da zona cerealifera».

Eu estou convencido, sr. presidente, de que, se por acaso os scientificos, digo isto sem offensa, podessem ou tivessem meio de indicar aos lavradores uma cultura, que podesse ser empregada em Portugal em substituição da cultura do trigo, a crise ficaria de prompto resolvida, e de certo não teria havido aactividade que se tem manifestado por parte dos lavradores victimas da crise, nem se teriam empregado os esforços que têem apparecido para que o governo attenda a essa questão, que para mim prima sobre todas as mais.

Esta affirmação de que estamos fóra da zona cerealifera, teve, a meu ver, como ponto de partida um trecho de um trabalho do sr. conselheiro João Ignacio Ferreira Lapa, trecho ao qual se tem dado uma interpretação que de certo nunca esteve, nem podia estar, na mente do mesmo sr. conselheiro Lapa.

Lamento que esse trecho tenha servido para se dizer que nós não estamos na região propria para a cultura dos cereaes, o que para o publico ignorante póde envolver a idéa de que não devemos cultivar cereaes, e designadamente o trigo.

(Interrupção.)

Eu peço perdão ao illustre deputado, e sr. relator, mas vou exarando a minha opinião.

Entendo que não se avança uma proposição d'estas, sem a explicar, e felizmente chegou-me aqui a occasião propria para o fazer.

Pela minha parte, se s. exa. me disser que em Portugal será difficil encontrar uma dada região, que apresente todas as circumstancias, em todo o seu conjuncto, na totalidade e na extensão de todas ellas, para o melhor desenvolvimento da cultura dos cereaes, comprehendo isso, mas faço a, seguinte pergunta: poderá s. exa. encontrar esse conjuncto de circumstancias, nas condições que indico, a não ser em uma estufa apropriada?

Mas a questão ainda não é esta.

A questão é que, dado um clima, dada a natureza de um terreno, dadas as circumstancias sociaes de um povo, esse povo, para viver, precisa necessariamente da existencia de uma cultura que o ligue á terra o mais possivel, com a condição de que essa cultura, embora não seja excessivamente remuneradora, dê pelo menos um producto ou resultado medio certo e annual.

Debaixo d'este ponto de vista tenho eu sempre combatido as idéas sustentadas pelo sr. Francisco Simões Margiochi, quando tem pretendido promover o excessivo desenvolvimento da cultura da vinha, e até a conveniencia de substituição da cultura dos cereaes pela cultura da vinha.

Torno a perguntar : dado o clima de Portugal, dada a natureza do seu solo, dadas as condições de vida da população de Portugal, podem os srs. scientificos, póde alguem apresentar me uma cultura, que, com iguaes resultados de produção e de colheita, substitua a cultura de trigo ?

Se é possivel a substituição, se podem indicar o nome da planta, é escusado cansarmo-nos mais, porque está resolvida a crise; mas, se não é possivel essa substituição é necessario forçosamente recorrer a meios até certo ponto artificiaes para crear uma existencia um pouco artificial a cultura dos cereaes, para que essa cultura não só se sus