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2058 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O argumento apresentado a favor d'esta cultura é que ella remunera muito melhor o lavrador; mas eu, pela minha parte, protesto contra este argumento.

Tenho noticia de escripturas antigas de arrendamentos, feitas em mil quinhentos e tantos, e d'ellas se vê que já então a cultura da vinha era considerada como uma cultura, com a qual não se podia contar com um rendimento certo, por isso que os rendeiros ficavam dispensados do pagamento das rendas das terras nos annos da poeira ou pó.

Já então essa cultura luctava com mil difficuldades.

Por outro lado, como a cultura da vinha tende, infelizmente, a desapparecer, porque, alem das molestias, ha a grande questão dos mercados externos, a falta de consumo, que obriga os lavradores a deixarem as vinhas sem tratamento, rasão tenho eu para defender, para sustentar, a cultura dos cereaes.

Os cereaes têem um mercado certo, que é o mercado interno, e a sua producção media é certa e segura.

Quanto ao ponto de estarmos fóra da zona cerealifera, parece-me que respondi tanto quanto podia responder. Não conclua o publico pouco esclarecido que não devemos cultivar trigo.

Diz n'outra passagem o sr. relator:

«... é ainda rasoavel a sua elevação (do imposto) alem d'esse limite como remedio temporario reclamado pela urgencia das cousas.»

N'esta parte já respondi a s. exa.

Concordo com s. exa. quando diz que o augmento do imposto é uma medida para atacar o mal de prompto, immediatamente. O meu desideratum seria que mais tarde, com o andar dos tempos, nós chegassemos ao ponto de podermos prohibir completamente a importação dos cereaes, o que seria prova de que o paiz colheria os cereaes sufficientes para o seu consumo. Ponho de parte a possibilidade de podermos manter a completa liberdade, porque entendo que a esse estado nunca poderemos chegar pelas rasões que já expuz.

Concordo com a idéa de que o recurso á elevação do imposto é determinada pela urgencia de acudir com prompto remedio á crise.

Desde que ha um mal social, é o governo que tem de lhe acudir, porque o governo é o medico mais proprio para estas enfermidades.

E os governos conhecem-se nas occasiões serias e graves.

Não é em calmaria podre que se podem apreciar os governos. Quando vem uma crise, a que é preciso acudir de prompto, é que os governos mostram o que valem pelas medidas que adoptam.

Diz mais s. exa. o seguinte:

«Não podiam, pois, as vossas commissões, pelo que respeita ao conjunto da proposta, deixar de acceital-a, concordando como remedio temporario na elevação dos direitos e congratulando-se em ver redundar em beneficio da agricultura o acrescimo dos rendimentos publicos d'elle provenientes ... »

Procurarei desenvolver este ponto, porque se liga com a declaração que eu fiz.

Eu já, tive occasião de dizer, na reunião das commissões de fazenda e de agricultura, que não concordo com o principio de que, desde o momento em que ha acrescimo de receita, esse acrescimo seja applicado por leis especiaes a certos e determinados fins.

Não concordo com isso, não posso concordar, desde o momento em que eu sei que o thesouro publico tem necessidade de dinheiro.

A prova de que assim é, de que tem necessidade de dinheiro, é que recorre á divida fluctuante, e n'essa parte leva uma grandissima vantagem aos lavradores. Se n'isto tambem querem ver imprevidencia dos lavradores direi que estes, para recorrer ao credito, têem de seguir uns cer-
tos meios e de lançar mão de umas certas bases, differentes das que servem para os governos.

O governo, quando se vê afflicto, tem sempre o recurso do emprestimo e do imposto, dispõe de mais recursos e vive mais desafogadamente do que os pobres lavradores!

Mas, voltando á questão, direi que, desde o momento em que ha acrescimo nas receitas publicas, nas circumstancias actuaes do thesouro publico portuguez, devem esses augmentos de receita ser applicados ás necessidades do thesouro, e não ser applicados por leis especiaes a certos e determinados fins, a nova ordem de serviços.

No projecto, que está em discussão, esse acrescimo de receita tem tambem uma applicação especial, que se refere ao estabelecimento de uma padaria por conta do estado, com o fim de fornecer o pão á tropa, á armada e a estabelecimentos dependentes dos diversos ministerios. Eu, em harmonia com o congresso agricola, sustento e tenho sempre sustentado, que, desde o momento em que ha de facto o monopolio do commercio dos cereaes ligado com o monopolio da fabricação de farinhas, é necessario atacar esse monopolio, destruil-o, e que para isso a concorrência feita por uma fabrica do estado, pela fórma que está aqui indicada, póde ser effectivamente um auxiliar poderoso, para dar cabo do monopolio.

Não quero dizer arruinar ou destruir as fabricas: digo dar cabo do monopolio.

Mas o facto de eu concordar com esse principio, não invalida a idéa geral, que domina o meu espirito, de que acho um mau precedente, desde o momento em ha falta de dinheiro para occorrer ás despezas publicas correntes, que os augmentos de receita sejam desde logo, preceptiva e especialmente destinados a certas e determinadas despezas, a nova ordem de serviços.

Fica, portanto, por esta fórma tambem justificada a declaração, que fiz. em seguida á minha assignatura.

Agora passarei a tratar da questão do trigo.

Diz o sr. relator que o contrabando dos trigos estrangeiros já foi em nossos dias praticado em tão larga escala, que chegámos a acreditar-nos momentaneamente como um paiz exportador de trigo.

Responderei que em 1882 a 1884 tive occasião de levantar aqui esta questão, porque os lavradores do Alemtejo, principalmente os da raia, foram aqui accusados de fazer em larga escala contrabando de cereaes.

Eu, que n'essa epocha representava aqui o circulo de Evora, entendi, como lavrador e como deputado, que devia protestar contra similhante asseveração.

Para isso recorri a uma affirmativa muito simples.

Desde o momento em que tivesse sido feito esse contrabando era para admirar que, havendo tanta fiscalisação, o contrabando não tivesse sido apprehendido e presos os individuos, que se dedicavam a esse genero de commercio.

O percurso até Lisboa era grande para dar occasião a isso.

Hoje digo a mesma cousa, mas hoje tenho de ir mais longe, porque tenho a obrigação e o dever de me referir á parte em que s. exa. diz que chegámos a acreditar-nos momentaneamente como um paiz exportador de trigo.

Não quero entrar n'um largo debate a este respeito, e por isso resumirei a minha argumentação ao seguinte: Se effectivamente, n'uma dada epocha, exportámos trigo para paizes estrangeiros, se ninguem põe em duvida esse facto, tambem ninguem póde pôr em duvida que nós em Portugal, já produzimos muito mais trigo do que produzimos hoje.

Acrescentarei que, desde que a cultura dos cereaes seja remuneradora, havemos de produzir muito mais trigo do que produzimos em epochas antigas, porque os processos da agricultura se têem aperfeiçoado, e por outro lado, a imprevidencia dos lavradores, se a houve n'essas epochas, está hoje despertada, acabou.

Póde affirmar-se que, desde que a cultura dos cereaes