SESSÃO N.º2 DE 11 DE JANEIRO DE 1892 3
E as expropriações, sr. presidente?!...
É por isso que a companhia está em tão criticas circumstancias; e o governo - é bom que o paiz o saiba - os ministros eram directores dessa companhia desde longa data; e como quer v. exa. que se possam conciliar interesses do estado com interesses de uma companhia, ser juiz em causa propria? Os resultados são estes.
Pois ainda a camara não acha proprio o tempo de dizer: basta de tantos es-candalos, e de tantas immoralidades politicas? Não achará ainda occasião de se discutir o projecto das incompatibilidades que se está discutindo na camara italiana por proposta apresentada por um illustre ministro d'estado, o sr. Nicotera, a qual se acha tambem consignada na constituição do Brazil ultimamente decretada?
Pois o que é isto, sr. presidente? Onde vamos nós parar? Estamos tão proximos do abysmo, que basta mais um pequeno empurrão para lá cairmos.
O sr. conde de Burnay foi para a reunião da assembléa geral dizer que fazia aquellas obras por menos 450 contos de réis, e que havia de ganhar outro tanto ou mais.
Veja v. exa. que mysterios não envolve tudo isto.
No emtanto disse-se que o governo não tem nada com os negocios da companhia.
Mas o sr. conde de Burnay lá o declarou, e creio que o sr. marquez da Foz, que tinham tido conferencias com o sr. ministro da fazenda a este respeito, a fim de organisarem uma nova lista de administração, e não sei que mais.
O governo devia ter intervindo, não consentindo que se fizesse similhante traçado, porque era necessario fazer um tunnel em terreno que toda a gente sabe não ser firme e que de um momento para outro, póde haver uma fatal depressão de terreno.
Eu, sr. presidente, tenho por lá passado muita vez, porque, como sou fatalista, entendo que se tiver de morrer no tunnel tanto me faz passar por lá como deixar de passar, mas o que é certo é que ha muita gente que não pensa assim.
Não quero, sr. presidente, levantar todo o véu que encobre tantas.,. interrogo o governo e não me refiro a individualidades.
Toda a gente sabe que ultimamente o governo fez um emprestimo ao banco lusitano de alguns milhareis de contos de réis, não sei bem quantos, e eu pergunto, sr. presidente, quem é que paga este esbanjamento?
O banco hypothecou ao governo para caução um certo numero de papeis de credito, mas o que importa isso, sr. presidente, se hoje elles não valem nada. Corre tambem como certo que o governo transacto emprestou á companhia dos caminhos de ferro uma importante somma, e que o sr. ministro da fazenda actual, não contente com isso, lhe emprestou mais 13 milhões de francos!! Com que auctorisação, com que lei?!! Tudo isto é assombroso. E ainda os srs. ministros teem o arrojo da fallar das suas responsabilidades. Nos outros paizes, quando os ministros com-mettem d'estes abusos, para não lhe chamar outro nome, são processados e respondem com os seus haveres.
Pois comprehende-se que um paiz nas dolorosas e tristissimas circumstancias em que o nosso se encontra, faça simillhantes emprestimos, faça emprestimos para não salvar cousa nenhuma!
Quando o paiz está n'uma crise gravissima faz-se um emprestimo d'estes para não salvar cousa nenhuma porque a companhia está nas mesmas circumstancias, lucta com as mesmas difficuldades, se é que não está perdida de todo!
Eu desejaria, visto que não está presente o sr. ministro da fazenda, que o meu illustre amigo, o sr. ministro do reino dissesse se effectivamente ha alguma combinação do governo com a companhia e de que natureza foi e de quanto foram aquelles emprestimos. Foi para salvar a situação do banco ou da companhia? E bom que o paiz saiba isso.
Quando eu tratei d'esta questão, sr. presidente, até me disseram aqui os srs. ministros que considerar aquelle caminho de ferro como um caminho de ferro militar dava vontade de rir. Agora choram-se lagrimas de sangue.
Fez-se a concessão á companhia e a estação de Caxias, que não podia ser construida, senão por accordo com o governo, foi construir-se onde á companhia fez mais conta; e, apesar de ter eu pedido que uma commissão mixta de engenheiros militares e civis examinasse novamente o traçado, a camara votou contra. Estava no seu direito e eu acceito as suas deliberações, mas os resultados tristes são estes.
E fallam os srs. ministros em responsabilidades! E vê v. exa. que elles batem com a mão no peito com força dizendo: «eu sou responsavel» e depois sáem do ministerio! E para onde vão?
Tomar ares do campo ou para alguma sinecura rendosa, para alguma embaixada e para alguma direcção de qualquer companhia.
Sr. presidente, eu sinto não ver presente o sr. José Luciano de Castro, mas o que eu vou dizer é uma cousa que se póde fazer na ausencia de s. exa.
Quasi no final do seu discurso, e até esse trecho vem publicado em varios jornaes, disse s. exa.:
«O parlamento tem descido tanto, está tão desauctorisa-do, nós temos abdicado todos os dias tantas e tantas das nossas prerogativas e direitos nas mãos do poder executivo, que ainda que o governo nos viesse prestar agora esta tardia homenagem, o regimen parlamentar não ficaria por isso mais elevado no conceito publico.
Mas, sr. presidente, sempre é bom, por parte d'aquelles que tomam a peito o decoro e respeito das formulas parlamentares, lembrar ao governo os seus deveres, principalmente quando esses deveres lhe devem custar tão pouco a cumprir!»
«É necessario que nos convençamos de que o paiz precisa mais de caracteres honestos e sensatos, que imponham o respeito e o prestigio aos conterraneos e a confiança e o credito aos estrangeiros, do que intelligencias perspicazes, mas desequilibradas ou cynicamente orientadas.»
E um jornal commentando este ultimo periodo do discurso de s. exa. diz assim:
«Este réclame a caracteres honestos e sensatos sem intelligencias perspicazes e com tirocinio em equilibrios, está um pouco superior aos do 103, do Fonseca ou do Grandella.
«Achamos muito mais merecimento a estas ficelles do que ao grande espirito de s. exa., tão adorado pelo nosso prezado collega da Tarde.»
Pois bem, digo eu: se o nivel moral do parlamento portuguez tem descido muito, vamos levantal-oi
Sabe v. exa. como?
A primeira cousa a fazer é approvar uma lei de incompatibilidades.
É necessario levantar o nivel moral do parlamento?
Vamos levantar esse nivel; é isso que eu peço.
Querem a vida nova?
Demos nós proprios o exemplo!
Este mesmo é o correctivo já proposto por Zouch Tate, a quem Gruizot, na sua historia de Inglaterra, attribue as seguintes palavras:
«Não ha senão um meio de acabar com tantos abusos. O parlamento deve dar o exemplo da moralidade! »
Em seguida, diz o mesmo historiador, propoz uma commissão de inquerito para investigar das accumulações de todo o genero e vencimentos.
A discussão foi violenta e durou oito dias. Á final foi approvada a proposta.
Sr. presidente, sem que nós façamos outro tanto é que nada se consegue.