4 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Bastilha, (como lhe chamavam), por ser oppressivo a tablado de barraca de feira, por se ter tornado comico, que não é isso compativel com o respeito e deificação da justiça, da justiça sem a qual não ha sociedades que subsistam.
É preciso, é necessario, é absolutamente indispensavel que se desfaçam equivocos, que por de mais já teem pesado sobre quem, neste momento, se encontra á frente dos negocios publicos.
E preciso, é necessario, é absolutamente indispensavel que o Ministerio explique os seus actos para que se não possa pensar que a fraqueza, a tibieza e a condescendencia continuam a ser a norma d'este Governo.
Passemos uma rapida vista sobre os acontecimentos. Não será edificante.
Logo a seguir ao infame attentado apparece-nos consentida, policiada pelo Governo, a glorificação da obra dos regicidas com a espectaculosa peregrinação ao cemiterio. Monstruosa vergonha que para todo o sempre manchará as brilhantes paginas da nossa gloriosa Historia, e da qual só o Governo, unicamente o Governo, é o responsavel.
Como explicar semelhante procedimento?
Sinto não ver presente o Sr. Ministro da Guerra, mas o Sr. Presidente do Conselho lhe transmittirá as minhas palavras.
Pouco depois, espalha-se por toda a Lisboa — é telegraphada para todo o país e lá para fora — a existencia de um complot militar.
Citam-se nomes. As tropas são mandadas ficar de prevenção. Quer dizer, o Governo finge acreditar o que de sua natureza era inacreditavel!
Os militares que se sentam naquellas cadeiras deviam — para honra sua — saber, e sabiam, que não havia, que não ha camaradas nossos, capazes de pensar, nem sequer, num tão criminoso movimento; que os nomes apontados, officiaes sem macula, eram incapazes de faltar á fé jurada, de cruzar as suas espadas com a legalidade estabelecida.
Compare-se a attitude tomada perante a manifestação real, effectiva — annunciada (!) — ao cemiterio, cem a assumida perante o complot imaginario!
Que se pretendia então?
Ferir esses officiaes?
Protegia-os a invulneravel couraça da sua honra.
Lançar suspeitas sobre a sua inquebrantavel lealdade?
Essa, rija como o mais duro aço da mais fina tempera, não é, não pertence á triste categoria d'aquellas que simples amuos politicos tornam malleavel!
Explique-se o Governo. É preciso, é necessario, é absolutamente indispensavel que tudo se explique. (Apoiados),
Mais. Depois de um parto laboriosissimo, que teria sido comico, se não fosse a gravidade do momento, apparecem as nomeações das autoridades superiores administrativas. Uma d'ellas é apontada como tendo assistido a um banquete, realizado num edificio de uma camara municipal, ágape dado em sua honra, e em que ao desert, entre vivas subversivos, se acclama um dos regicidas!
É isto assim ? Não, não é. Com certeza não é. Mas é preciso, é necessario, é absolutamente indispensavel que o Governo assim o declare.
Mais. Nas proximidades de Bragança, como festa carnavalesca — só pensá-lo horroriza — organiza-se uma parodia ao attentado. Essa farça repellente acaba tragicamente. Que sancção houve para as autoridades que consentiram ou não souberam impedir tamanho desacato, tão impiedosa vergonha?!
Por outro lado, dois soldados expõem nobre, corajosa, valorosamente as suas vidas, tentando salvar a Familia Real.
Ambos feridos, que fez o Governo?
A sinistra Rua do Arsenal não foi um aberto campo de batalha, mas nessa infame emboscada, esses soldados cumpriram fielmente o juramento prestado á sagrada bandeira da patria.
Que fez o Governo? Lembrou-se de os galardoar? Cruzou os braços e foi preciso que El Rei, no dia da sua solemnissima aclamação, magnanimamente tornasse essa reparadora iniciativa.
Estariam porventura fechados, aferrolhados os copiosos cofres de graças logo a seguir ao infame attentado?
Com certeza não. Raro é o dia em que nas columnas do Diario do Governo se nos não deparam condecorações concedidas, ou seja para premiar serviços militares — relevantissimos alguns, bem sei — ou premiar serviços politicos e até literarios, artisticos e scientificos que outros não podiam ser os galardoadas com a muito nobre ordem de S. Thiago.
Explique-se o Governo, e não deixe suppor que só por tibieza e fraqueza esqueceu esses dois militares, que não é essa a maneira de se governar, nem sequer de se manterem Governos no poder.
Olhe para a livre America e veja o Sr. Roosevelt não prescindindo de lembrar a cada instante o que elle, tão pitorescamente, chama the big stick. Repare para a França, e leia e releia os discursos do Sr. Clemenceau, que constantemente proclama e apregoa ser primeira condição para governar saber manter a ordem, se não impô-la.
Mas ha ainda mais. Como explicar que só volvidos quasi tres meses — quebrando assim a tradição de toda a familia portuguesa — o Governo acorde e resolva então fazer celebrar solemnes exequias officiaes por alma dos regios morits?!
Não quero avivar no coraçcão do Sr. Presidente do Conselho uma recordação penosissima, mas ouso perguntar-lhe se, em seguida á fatal data de 22 de agosto de 1849 — em Macau, depois do barbaro assassinio perpetrado junto á fortaleza de Mong-Ha, assassinio que tão dolorosamente enlutou a nossa colonia e toda a metropole — ouso perguntar se o Conselho de Governo, Leal Senado, autoridades e o bravo, o corajoso, o destemido coronel Mesquita, cujo nome se não pode ter apagado nem na sua lembrança nem no seu coração, se todos emfim § tivessem procedido como aqui depois do nefando crime do dia 1 de fevereiro, ouso perguntar a S. Exa. se, como filho e como português, S. Exa. se não sentiria possuido de um repulsivo, insticctivo movimento de indignação?!
Ai d'aquelles que não sabem honrar, nem sequer respeitar, no coração dos filhes, a sagrada memoria dos pães!
Para esses a Historia não pode ter nem esquecimento, nem perdão!
Todos os factos do dominio publico que aponto, todos elles devem ter, precisam ter, uma cabal, uma completa explicação, se não formal desmentido.
Do Governo, alem dos seus outros illustres membros, de cujas intenções e propositos não é licito duvidar, fazem i parte dois ajudantes de campo do saudoso Rei, e um amigo particular de Sua Majestade, que até poucos dias antes do vil assassinio foi honrado por El-Rei com as mais evidentes provas de estima. S. Exas. não podem deixar de pensar como eu e como todos os leaes portugueses.
Como Governo, com certeza, vão dizer-me que cumpriram todo o seu dever, que todo o seu dever continuarão a cumprir.
Assim será.
Mas é preciso, é necessario, é absolutamente indispensavel que explique, que destrua todos os equivocos que apontei, e sobretudo, para honra de nós todos e até da humanidade, é absolutamente indispensavel que o vergonhoso mysterio do attentado por completo seja desvendado.
É preciso, é absolutamente indispensavel que o Governo, organizado no momento mais angustioso e mais tragico da nossa historia, finalmente se decida a cumprir esse primordial dever, que assim o exige o decoro e o brio da nossa gloriosa nacionalidade.
Ainda mais E necessario que na arcada do Terreiro do Paco, onde o horrendo crime se commetteu, uma la-