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2 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

sim para me referir a uma questão de administração colonial. Devo, porem, confessar a V. Exa. que hoje me sinto embaraçado ao ter que tratar de tal assunto, por isso que as circunstancias mudaram profundamente ha poucos dias e, sobretudo, de hontem para hoje.

Não sei como expressar me, pois quero dar conta do facto sem intuitos politicos, e nem, por qualquer maneira, ser desagradavel ao Governo.

Sr. Presidente: no decorrer dos trabalhos parlamentares, que foram de setembro de 1906 a abril de 1907, eu e muitos collegas meus pretendemos fazer a demonstração de que a administração financeira do Governo transacto não era a mais conveniente para os interesses do Thesouro, nem a mais propria para a situação difficil em que se c«encontrava o país.

Tanto nesta Camara, como na Camara dos Senhores Deputados, como na imprensa, se pretendeu fazer a demonstração de que a situação da Fazenda Publica não tinha melhorado, e, bem pelo contrario, se tinham aggravado consideravelmente as finanças do país.

Nós, os que tinhamos a responsabilidade das administrações passadas, eramos accusados de pouco cuidado no que diz respeito á Fazenda Publica, e de termos, por exemplo, liquidado o exercicio de 1900-1906 com um deficit de 5:300 contos de réis.

Fechou-se o Parlamento, o Governo transacto collocou-se em ditadura, e, não tendo conseguido a approvação do orçamento, publicou um decreto em que se autorizava a cobrança de receitas, e o pagamento as despesas. Vinha com este decreto o balanço da Fazenda Publica, em que se affirmava que o deficit só seria de 1:641 contos de réis.

Mas como podia isto ser?

Se o Governo transacto affirmara aqui que os seus antecessores tinham deixado una deficit do cinco mil e tantos contos de réis; se esse Governo aumentou o soldo aos officiaes de terra e mar; se melhorou os vencimentos dos sargentos, dos segundos officiaes e dos amanuenses; se reduziu o imposto de rendimento a 50 por cento para certos vencimentos, e acabou por completo com esse imposto para os ordenados inferiores a 600$000 réis, se deu 200 contos de réis aos operarios, se consignou 100 contos de réis para a crise vinicola, como não hei de pasmar agora vendo que o deficit, em logar de aumentar, diminuiu?

Sendo agora presente ao Parlamento a lei de receita e despesa para o exercicio de 1908-1909 com o deficit calculado em 1:351 contos de réis, vejo-me embaraçado, e até certo ponto arrependido de ter posto mais de uma vez em duvida a verdade de certos algarismos que se apresentavam.

Esta circunstancia leva-me — eu que tantas vezes censurei a administração passada — a perguntar a mim proprio se teria sido justo nos meus reparos e criticas.

Mas não, Sr Presidente. O que se me afigura é que esse deficit, attentas as circunstancias apontadas, não corresponde á inteira verdade dos factos.

Sr. Presidente: o Governo transacto entrou em ditadura em 10 de maio de 1906, e em ditadura se conservou por forma a trazer ao país enormes difficuldades e intensas perturbações — até o momento em que se deu a horrorosa tragedia do dia 1 de fevereiro.

Accusou-se o ultimo Governo de ter offendido a lei, de atacar as liberdades publicas, os direitos individuaes, de ter, em fim, praticado um certo numero de factos absolutamente incompativeis com o modo de ser de uma nação livre.

Sr. Presidente: os homens publicos do meu País. principalmente aquelles que constituem os grupos politicos mais numerosos, reuniram-se diversas vezes para traçar o caminho a seguir perante o procedimento do Governo transacto. O partido progressista, o regenerador e a dissidencia do partido progressista mais de uma vez se reuniram e votaram moções que publicavam nos seus jornaes, affirmando os seus propositos de incompatibilidade com a ditadura, e de hostilidade ás providencias adoptadas.

Em 8 de dezembro reuniram-se as assembleias geraes dos dois partidos, e toda a gente sabe o que n'ellas se passou.

Os partidos declararam se inteiramente adversos á ditadura, e mais de uma declaração foi feita, no sentido de que, qualquer que fosse o Governo que subisse ao poder, se faria uma profunda revisão dos decretos ditatoriaes. Isto foi em 8 de dezembro, quando ainda estavamos longe do decreto de 31 de janeiro, e do horroroso attentado de 1 de fevereiro.

O actual Governo, logo no inicio da sua vida ministerial, e procurando dar satisfação á opinião publica, restabeleceu as liberdades publicas e os direitos individuaes.

Mais tarde, e por occasião da acclamação de Sua Majestade o Senhor D. Manuel, publicou-se um decreto concedendo amnistia a todos os delictos de natureza politica, com excepção dos que tivessem relação com o regicidio.

Naquella occasião, e em centros de reunião onde se planeavam as futuras campanhas parlamentares, ouvi dizer que determinados grupos estavam dispostos a propor accusação criminal contra os Ministros da situação transacta por terem offendido o artigo 103.° da Carta.

Havia a este respeito, parece, um proposito bem assente e bem definido.

Sr. Presidente: a verdade é que a ditadura trouxe uma grandissima perturbação ao meu país, até que findou com o horroroso attentado de 1 de fevereiro.

Accusava-se o Governo de ter feito ditadura, de ter offendido a lei, de ter abusado do poder, e de ter calcado as leia e os direitos individuaes, e tudo isto se considerava uma vergonha para um país livre e de tão nobilissimas tradições.

Como já disse os homens politicos do meu país, que pertencem aos grupos mais numerosos, reuniram-se diversas vezes para traçar o seu caminho em frente d'este anormalissimo regimen. O partido progressista, o partido regenerador, a que tenho a honra de pertencer, e a dissidencia progressista, mais de uma vez se reuniram e votaram moções, affirmando os seus propositos de incompatibidade com a ditadura, e com todas as providencias que d'ella emanassem.

Mas porque relembro estes factos? Porque é que trato d'isto?

É para discutir a proposta? Não.

É porque entre os decretos promulgados pelo Governo transacto um ha que sobremaneira me interessa — qual é o de 23 de maio de 1907. Como é ditatorial, e d'elle estão derivando consequencias prejudiciaes para a administração publica, não é para admirar que impressionasse o meu espirito o facto de saber que elle ficava sendo lei do país.

O decreto de 23 de maio de 1907 é o que deu autonomia administrativa á provincia de Moçambique.

Sr. Presidente: quando o Governo transacto se sentava naquellas cadeiras, fiz eu algumas considerações acêrca d'este decreto, para mostrar que elle não trazia vantagens para a administração colonial, e, pelo contrario, representava um perigo enorme para a nossa administração financeira.

Disseram-me que não.

O certo é que, nessa occasião, a administração financeira de Moçambique accusava no orçamento um saldo de 561 contos de réis, e, depois do decreto de 23 de maio, esse saldo baixou a 14 contos de réis.

Sr. Presidente: razão tinha eu quando affirmava que não havia nada mais inconveniente do que a autonomia financeira para a provincia de Moçambique.

Publicistas ha que preconizam as vantagens da descentralização administrativa, mas da theoria á pratica vae uma grande differença.