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SESSÃO DE 21 DE MAIO DE 1887 223

Sala da camara, 21 de maio de 1887. = 0 par do reino, D. Luiz da Camara Leme.

Foi admittida á discussão.

O sr. José Joaquim de Castro: — Sr. presidente, quanto mais se prolonga a discussão sobre o incidente que se debate, mais embaraçado se acha o orador a quem cabe tão tarde a palavra; pois se por um lado não deseja manifestar a sua opinião sobre um caso que posteriormente será chamado a julgar, - por outro não póde deixar passar sem reparo e como materia corrente, asserções de distinctos oradores que o precederam, por serem manifestamente contrarias á letra e ao espirito da nossa legislação da armada em materia criminal, a qual, embora antiquada, antinomica e incongruente, é a que ainda hoje rege a administração da justiça na marinha de guerra portugueza.

Tem-se, por vezes, invocado o artigo 41.° da carta constitucional da monarchia, no qual se estatue ser attribuição exclusiva doesta camara conhecer dos delictos individuaes commettidos por determinadas pessoas investidas dos mais altos cargos sociaes, e não ha a menor duvida que, conhecer dos delictos commettidos pelos deputados durante o periodo da legislatura, se acha incluido nas suas attribuições. É a letra do § 1.° do mesmo artigo, não alterado ainda por nenhum dos actos addicionaes á carta constitucional.

Tendo, porém, para o julgamento, a camara de constituir-se em tribunal de justiça para proceder ao julgamento, o artigo 1.° do regulamento interno prescreve que o tribunal dos pares se componha de tantos juizes quantos forem os pares que tiverem tomado assento na camara, e se acharem rosidindo no continente do reino. Impõe mais a todos obrigação de comparecer.

Estabelece o artigo 2.° do mesmo regulamento as condições necessarias para que a camara possa constituir-se em tribunal de justiça, e exclue os pares, que por motivo legal estejam inhibidos de serem juizes na causa que houver de ser julgada, devendo haver, como em qualquer processo da mesma natureza a intervenção, por um lado, do ministerio publico, por outro, a do advogado do réu, a fim de que este possa deduzir a sua defeza.

Ora, continuando esta discussão tão ampla e sem as convenientes restricções, não sei sr. presidente, se ficará numero sufficiente de juizes para o tribunal poder funccionar, quando forem admittidas as suspeições a que se refere o artigo 18.° que, podendo ser pedidas por um e outro lado, iuhabilitam para o julgamento os que mais ou menos claramente houverem manifestado a sua opinião, caso em que estão comprehendidos quasi todos, senão todos os oradores que teem discursado sobre a materia. E com quanto não tenha a menor duvida, assim como a não tem o sr. Costa Lobo, de que todos cumprirão igualmente o seu dever como juizes, pergunto: quantos poderemos ser dados por suspeitos, já a um, já a outro lado! Apello para os eminentes jurisconsultos que se acham presentes. (Apoiados.)

Sendo, pois, os dignos pares que me precederam, tão zelosos das regalias desta camara, das immuDidades parlamentares, da guarda da constituição e mais attribuições, que pela lei fundamental do estado competem ás côrtes, numa palavra dos seus direitos como esquecem os deveres correlativos, collocando esta camara, aliás sem o desejarem, em condições de não poder funccionar como tribunal de justiça. (Apoiados.}

Devia eu, pois, sr. presidente, em vista do exposto e do que se tem passado nesta discussão, desistir da palavra para não incorrer na mesma falta, mas pelas ponderosas rasões que tive a honra de propor a v. exa. e á camara, não posso ficar silencioso.

Procurarei, quanto possivel, separar da these a hypothese já tão discutida; não deixo, porem, de confessar que caso ha em que não é facil tratar de uma sem cair manifestamente na outra; e por isso não espero, apesar dos meus esforços, evitar o escolho, em que naufragaram os dignos pares que me precederam.

Disse eu, sr. presidente, que não podia deixar passar sem reparo algumas affirmações feitas pelos oradores precedentes; e refiro-me especialmente aos dignos pares, Hintze Ribeiro, Vaz Preto e ao inspirado orador, poeta mavioso, que acaba de fallar, cuja palavra sonora fluente, attractiva e sempre correcta, não póde ser escutada sem emoção.

Pena é, sr. presidente, que, começando de ordinario s. exa. os seus discursos, por um modo tão mellifluo na fórma quanto suasorio na materia, os termine, imprimindo-lhes o travor acido d’aquelles fructos que, tão doces ao paladar quando os provámos, tanto amargam por fim!

Suppunha eu que o digno, par, pelo modo como principiou o seu discurso, mirava só e exclusivamente a congrassar os animos um pouco irritados no incidente que se tem debatido, seguindo assim o caminho que havia já trilhado o digno par, do mesmo credo politico, o sr. Barjona de Freitas, cujos altos dotes oratorios e superior talento todos nós admirámos.

S. exa., porém, entendeu conveniente dar nova direcção ao debate, fazendo assim annuviar e entristecer a resplandecente luz do dia, cuja aurora começara tão radiante. E, carregando-se o horisonte mais que em houte, e noute de procella, s. exa. troveja, fulmina e prognostica tantos e tão grandes males, tamanhas calamidades, que advirão ao paiz se o actual governo se demorar nas cadeiras do poder, que me trouxe á memoria o maravilhoso episodio do nosso grande épico, quando nos diz: «Antes em vossas naus vereis cada anno (se é verdade o que meu juizo alcança). Naufragios, perdições de toda a sorte; que o menor mal de todos seja a morte.»

E não se diga que esta allusão é de todo o ponto fora de proposito: o digno par, o sr. Hintze Ribeiro, tambem nos fallou em navios, nomeando commandante ao sr. presidente do conselho, não sei se terá ou não importancia, e mesmo applicação, o proloquio popular de «quem falla em barco, quer embarcar». O digno par o sr. Barros e Sá, que sinto não ver presente, referiu-se, mais ou menos, ao futuro commandante da frota. Eu, por mim, nada digo, porque nada sei, sobre o caso, sobre a hypothese, mas, em these, é certo que a frota não póde ser commandada de terra, é indispensavel o embarque. (Riso.)

Mas, voltando á questão, sr. presidente, não é menos verdade que o vaticinio de tão grandes calamidades não produziu o effeito desejado; taes vaticinios não atemorisam ninguem. E permitta-me s. exa. que lhe diga que a villa-francada, e outras passagens historicas a que alludiu nada colhem e de nada valem. As circumstancias da actualidade são inteiramente differentes das que se davam nas epochas em que taes successos tiveram logar.

As declamações e prognósticos feitos pelo digno par, sr. presidente, parece-me terem sido antes um desforço de s. exa., do que o desejo de passar por adivinho; s. exa. bem sabe que os adivinhos, na epocha actual, perdem completam ente o seu tempo. (Riso.)

Não acompanharei o digno par em todos os pontos do seu discurso, tão politico, quanto aggressivo; não analysarei agora a concordata celebrada ultimamente; se esta produzirá os seus effeitos, ou se será declarada nulla como o digno par nos prognostica. Igualmente não o acompanharei em materia de dictadura ou dictacluras; de meetings e de eleições; tudo terá o seu logar proprio e proximo, e então se discutirá.

Tambem não me proponho, sr. presidente, e por certo seria arrojo, fazer uma conferencia sobre direito publico constitucional; alguns oradores trataram já largamente o assumpto.

É meu unico fim chamar a questão para o verdadeiro terreno em que deve ser debatida, e mostrar que alguns