DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 97
contrahir divida para occorrer ás necessidades d'esses estabelecimentos, e salval-os de uma catastrophe. Pareceu-me que indicando a creação eventual de titulos de um d'esses bancos que representassem essa divida, correspondendo a obrigações legaes, proporcionava uma vantagem aos mesmos bancos, habilitando-os a terem em seu poder meios de poder representar creditos. O banco, de que se tratava, tinha lá fóra bastante credito para sobre esses titulos, quando a necessidade o obrigue, levantar as sommas precisas para occorrer ás suas necessidades.
Tambem foi accusado o governo, de que fiz parte, de ter creado titulos e de os ter entregado a credores do estado pela divida fluctuante.
Pois declaro que me sinto um pouco vaidoso por ter inventado a creação d'esses titulos (que aliás estava por lei auctorisado a emittir), na presença das difficuldades provenientes da divida fluctuante externa, á qual se têem visto obrigados a recorrer todos os governos, e que realmente tem um caracter bastante desagradavel para quem exerce as funcções de ministro da fazenda.
Privado n'aquella occasião, como estava, de titulos que servissem de penhor para levantar as sommas indispensaveis para occorrer ás despezas publicas, entendi que tendo auctorisação completa para a emissão do emprestimo, não fazia nada que não estivesse no espirito d'essa auctorisação, creando titulos provisorios, scrips, que servissem de garantia ás sommas que precisava levantar para satisfazer ás mencionadas despezas.
Pareceu-me mais legal emittir os titulos por mim determinados, e antes quiz assumir a responsabilidade d'esse acto, do que seguir o arbitrio que alguem julgou que eu devia seguir, e vinha a ser dirigir-me á junta de credito publico, para que ella creasse inscripções, a fim de obter as somraas necessarias para as despezas do estado.
A junta, que é composta de cavalheiros muito distinctos e respeitaveis, podia responder-me e com toda a rasão: "Pois vós, governo, quereis que nós vamos crear titulos que não temos auctorisação para emittir, e vós que estaes auctorisado para crear titulos provisorios não o fazeis, para virdes propor á junta uma illegalidade! Recusâmos."
A junta do credito publico se assim me respondesse, fal-o-ia com toda a justiça, e o governonada teria que replicar.
Aqui está, pois, justificado o meu procedimento quanto a não seguir o arbitrio indicado.
Devo declarar ainda mais que se só não realisou completamente a collocação do emprestimo de 6 1/2 milhões de libras esterlinas não foi por culpa do ministro.
Se esse facto se apresenta como depondo contra o ministro da fazenda interino, eu direi que esse ministro tratou de fazer uma operação sobre o levantamento da somma necessaria para a construcção do caminho de ferro, e viu coberta setenta e sete vezes a somma pela subscripção; e aquelles que querem ver a importancia de qualquer emprehendimento economico pelo resultado de uma subscripcão financeira, hão de reconhecer que nunca operação alguma foi coroada de melhor resultado do que o da quinta emissão do emprestimo para caminhos de ferro do Douro e Minho.
E isto apesar da crise interna dos bancos e da crise externa por causa da guerra do Oriente.
Parece-me que, apesar de tudo isto, não julguemos que é sempre bom estar o governo a recorrer continuamente a subscripções de emprestimos, por brilhante que seja o resultado d'elles.
Fallando de subscripções no seu paiz, de igual natureza e com igual resultado, um distincto e recente economista, mr. Beaulieu, no seu livro ou sciencia dos financeiros, chama-lhes, servindo-se de um termo inglez pouco lisonjeiro, humbug.
E não se diga que todos os emprestimos que se têem feito n'estes ultimos vinte annos, têem sido applicados a obras publicas.
Eu, sr. presidente, encontrei essa asserção no discurso da corôa, asserção que não me parece que seja rigorosamente exacta, porque dos emprestimos feitos ultimamente no nosso paiz uma parte bem consideravel não tem sido applicada a obras publicas.
O sr. ministro actual tem indicado bem nos seus relatorios a proveniencia da divida por causas bem differentes.
Póde acaso considerar-se obra publica, por exemplo, o emprestimo dos bancos para o pagamento ás classes inactivas? Pois isto é obra publica?
N'este projecto falla-se na possibilidade de que o deficit desappareça, porque
(Leu.)
E eu digo que não nos fiemos completamente n'essa indemnisação, pois me parece que nas verbas de receita, aqui enumeradas, algumas se podem considerar como irrealisaveis, por exemplo: 200 contos dos bancos, que não são receita, mas emprestimo; cerca de 200 contos despendidos com uma porção de praças do exercito, que foram chamadas ás armas; perto de 200 contos do caminho de ferro do sul, que se julgam indispensaveis para o progresso das obras d'aquelle caminho; 200, contos do ultramar. Pois nós contâmos com estes 200 contos?
Tomára eu que déssemos por saldadas as contas do ultramar! Era muito mais economico!
Portanto, aqui temos 800:000$000 réis que figuram como diminuição de receita.
Tambem não nos deve enthusiasmar consideravente o augmento da receita das alfandegas, proveniente da importação de alguns generos. Durante a epocha da crise commercial o producto dos direitos da importação de cereaes não foi grande, porque é valor d'essa importação foi de réis 3.800:000$000, e este excesso de importação era, no relatorio da direcção do banco de Portugal, considerado como um dos elementos d'aquella crise.
Este facto póde dar origem á ponderação de que, pelo excesso da importação de cereaes alem dos limites em que ordinariamente é feita, se possa explicar qualquer crise commercial, e o meu amigo o sr. Serpa, mencionando n'um relatorio uma crise identica acontecida em França em 1847, sabe que essa crise tambem foi explicada pelo excesso da importação de cereaes.
De passagem direi a v. exa. que estou persuadido que a commissão de inquerito sobre crises commerciaes, nomeada por esta camara, sob proposta minha, póde funccionar no intervallo da sessão; mas se v. exa. entender que é necessario uma decisão da camara a este respeito, eu pedia a v. exa. que submettesse á sua decisão se acaso essa commissão póde funccionar no intervallo da sessão.
Eu entendo, sr. presidente, que o facto a que me referi antes tem muita importancia, e é preciso attender ao que diz respeito á importação nas alfandegas. Se d'ahi resulta augmento no rendimento, por outro lado a circumstancia attenuante que resulta de termos que importar certos generos que o paiz não produz, traz comsigo um facto economico, que influe nos cambios de um modo desfavoravel para a nação importadora. Ora, a manutenção do cambio de uma maneira desfavoravel do cambio para este paiz, e isto em relação á nação com que temos mais commercio, demonstra que as nossas relações commerciaes deixam alguma cousa a desejar, e isso é um motivo para insistir sobre um facto economico de tamanha importancia, e não deixar descurar a questão da modificação dos direitos alcoolicos. Eu não sei se o sr. ministro dos negocios estrangeiros está presente, parece-me que ha pouco se achava no seu logar.
Vozes: - Está presente.
O Orador: - Eu tinha annunciado ao sr. ministro dos negocios estrangeiros uma interpellação a respeito das relações commerciaes com os paizes estrangeiros. N'esta questão posso tambem dirigir-me ao sr. ministro da fazenda,