DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 95
Eu direi, sr. presidente, que todos ternos a responsabilidade do facto; mas confessar isto é porventura conhecer a necessidade que todos temos de nos emendar e fazer penitencia d'este peccado financeiro? Não creio.
Mas as outras nações têem divida? Têem. E o que acontece? Acontece que nós temos a vantagem um pouco triste de estarmos, pela importancia da nossa divida, adiante de outras nações mais ricas e mais poderosas.
Isto é um facto economico que póde ter uma significação pouco favoravel para nós.
Até n'uns dados estatisticos, que se publicaram sobre a divida das differentes nações, nós figurâmos ahi nada menos do que em segundo logar, considerando a divida na proporção do que compete a cada individuo da respectiva nação.
Felizmente o calculo é inexacto.
Talvez alguma vaidade morbida se lisonjeie com a figura que fizemos n'essa estatistica; mas a verdade é que ao nosso paiz não é agradavel uma tal situação, apesar da exageração do referido calculo.
Sr. presidente, a Inglaterra tem diminuido muito a sua divida fundada propriamente dita, a qual, sendo em 1860 de 786 milhões de libras esterlinas, em 1877 tinha descido a 713 milhões.
Deve notar-se que a Inglaterra tem lido grandes despezas, como foram as que lhe trouxe a guerra da Crimea, a cujos encargos occorreu em parte com a creação de impostos; comtudo esta mesma nação, dentro do praso de quinze annos, pôde reduzir os seus impostos na importancia de 30 milhões, sendo alguns d'elles supprimidos completamente.
Aqui está o que se chama elasticidade de imposto; aqui está um augmento de receita independente da creação de novos impostos, e isto só porque um homem extraordinario, do qual a Inglaterra se lembra com muita saudade, em 1842, enfastiado de ver repetir o deficit orçamental, creou um meio do occorrer a elle, adoptando uma base de imposto que fez desapparecer o deficit, de modo que desde 1842 para cá, só por excepção tem apparecido o deficit, e não como regra geral.
Na França não admirava nada que, depois de uma indemnisação de guerra de 400 milhões de libras esterlinas, o desequilibrio orçamental tivesse plausibilidade de ser prolongado por um certo numero de annos.
A Franca, porém, empenhou-se por tal fórma em estabelecer o equilibrio entre a receita e a despeza, que, pelas suas victorias no campo economico, ganhou, na opinião de todos, o que tinha perdido pelos seus desastres no campo da batalha.
Veja a camara que desculpas não poderia haver para deixar de proceder assim aquella nação, no momento em que passara por uma crise tão extraordinaria!? Pois a Franca entendeu que a sua primeira obrigação era não apresentar orçamento sem equilibrio entre a receita e a despeza. E o governo d'aquelle paiz não teve difficuldade em declarar que fôra o banco de França que salvara a situação financeira, emprestando ao estado um milhar e quinhentos milhões de francos, apenas com o encargo de 1 por cento, e apesar da modicidade d'este juro, decretou-se para a amortisação d'esta divida nada menos do que 200 milhões de francos por anno, e quando, depois de amortisada uma somma já importante d'essa divida, o parlamento reduziu 50 milhões de francos na importancia da amortisação, o ministro da fazenda daquella epocha, mr. Magne, que tive a honra e o gosto de conhecer, pediu a sua demissão, foi se embora.
Disse-lhe o seu partido:
"Não abandoneis o poder; prestaes um serviço politico importantissimo conservando-vos n'aquelle logar".
Mr. Magne insistiu na resolução que tomara, não quiz saber do seu partido, só, quiz saber do seu paiz e das suas convicções.
A Belgica, cuja divida é de 40 milhões de libras esterlinas, metade da nossa, tem caminhos de ferro, tem exercito em boa disposição, faz muitas despezas, e todas em maior escala do que as que nós fazemos; no entretanto a sua divida existe na importancia que acabei de dizer.
O Brazil, nação de onze milhões habitantes, tem uma divida inferior á nossa.
A Dinamarca, em 1866, dois annos depois de fazer face a uma guerra contra duas nações poderosas, a Prussia e a Austria, devia 15 milhões de libras esterlinas, e noanno de 1875 a 1876 devia apenas 10 milhões de libras esterlinas.
Mas estas questões economicas que só nos occupam muito accidentalmente, lá fóra representam um papel mais importante; em nações muito mais vizinhas do theatro dos acontecimentos importantes, não tratam tanto da questão oriental como nós que tão occidentaes somos.
É assim que, no parlamento allemão, eu vejo no orçamentodo imperio apresentar-se um pequeno deficit que a nós, financeiros encanecidos, homens corajosos quando se trata de encarar qualquer deficit, não nos atemorisâmos com isso.
No imperio da Allemanha, todos nós sabemos o que por lá vae por causa do desequilibrio financeiro, e as grandes discussões que tem havido, chegando o ministro da fazenda a declarar que se quer ir embora, e declarando o chanceller que sem o monopolio do tabaco não sé podia viver.
Eu, porém, se estivesse em Berlim, havia de tranquillisar o chanceller, e
dizer-lhe: - "Lá estamos nós, que temos um grande deficit ha muitos annos, e não temos tido esse panico; estamos acostumados ha muito a vermos crescer a nossa divida, e temos a presença de espirito necessaria para isso".
A Suecia deve a decima parte do que nós devemos; mas o rei, declarando no parlamento que tinha de se proceder a varias despezas extraordinarias, disse logo qual a receita que se havia de crear para lhe fazer face.
Isto é, o rei da Suecia declarou que era necessario fazer uma despeza extraordinaria, mas disse immediataniente que era necessario crear receita para occorrer a ella.
A Hollanda teve ha pouco um desequilibrio nas suas finanças, porque querendo estabelecer um protectorado em Sumatra, teve de sustentar uma guerra, em que já gastou 200 milhões de francos ou 36:000 contos de réis, mas creou por ultimo uma receita extraordinaria para fazer face aquella despeza. Esta receita, que entre nós seria considerada muito pequena, para aquelle paiz foi tida como muito importante.
Eu não me manifesto nem a favor nem contra; apresento apenas o facto d'estas nações pequenas que tratam de fazer sacrificios para equilibrarem a sua receita com a despeza. E note-se bem, que estas questões estão sendo tratadas na presença da guerra do Oriente, o que não obsta a que na proximidade dos acontecimentos se olhe com a devida attenção para um assumpto tão importante.
Na Baviera havia um pequeno deficit entre a receita e a despeza, mas indicou-se logo o meio de occorrer a elle.
Entre nós não se tem olhado para isso, embora pese muito a responsabilidade que resulta da creação de impostos, que já são muitos e grandes, pois temos os generos mais indispensaveis á alimentação bastante sobrecarregados com os direitos aduaneiros. Por exemplo, o cha, o bacalhau, e o arroz pagam 30 por cento, e o assucar, que entre nós paga 60 por cento é completamente livre de direitos em Inglaterra.
Vou eu, porventura, propor á camara a modificação d'estes direitos que considero elevados? Não, de certo. Quando as circumstancias o permitiam será essa modificação muito para desejar, mas hoje não importaria mais do que crear uma nova difficuldade financeira para qualquer situação.
Por consequencia, quando eu digo que nós não podemos considerar a situação financeira, sem nos occuparmos do