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2 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

uma lista dos chamados adeantamentos á Casa Real, que o importante jornal diz ter obtido de fonte fidedigna. Não estranho esse facto da precoce publicação, pois que na epoca presente já nada ha que possa fazer estranheza, desde que todo o mundo parece empenhado em fazer o gachis. Não sei nem quero saber se a lista, que vem por nomes, datas e importâncias, é errada no que diz respeito a outros homens publicos que foram Ministros da Fazenda; mas sei e affirmo peremptoriamente que carece de exactidão no que diz respeito ás minhas responsabilidades. Não repudio as que tiver, mas somente as que me pertencerem.

Honro-me de me ter empenhado na defesa dos dinheiros publicos, quer reduzindo as despesas, como Ministro da Marinha e da Fazenda, quer aumentando as receitas, como fiz com o contrato dos tabacos. As minhas grandes dificuldades politicas vêem da gerencia da pasta da Fazenda.

No Ministerio da Fazenda encontrar-se-hão numerosos vestígios da minha acção, mas esses não serão remettidos á commissão de inquerito. Pois muito ha que enviar, não pelo que diz respeito ás responsabilidades dos Ministros, mas sobre assuntos que muito têem interessado ao país. Entrarei no assunto.

Depois de porfiada resistencia, durante meses, cedi ás ultimas instancias do meu chefe e amigo querido Hintze Ribeiro. Resistira sempre, dando-lhe como razão que os meus principios de administração encontrariam difficuldades, que eu queria evitar.

Entrei para a Fazenda em fins de fevereiro de 1903. Dois ou tres dias depois era annunciada a visita do Rei de Inglaterra e não tardou que fosse annunciada a proximo visita do Rei de Espanha. Foi uma dolorosa surpresa. Não havia um Paçô para os receber, os coches estavam deteriorados, os estábulos em ruinas, não havia uma carruagem decente, não havia cavallos, arreios, fardas de criados, e a Casa Real não tinha, meios para fazer as despesas extraordinarias da hospedagem, que estavam fora das suas obrigações.

O Governo resolveu fazer os abonos necessarios para completar as installações do Paçô de Belem, para as recepções dos Chefes de Estado estrangeiros, para as respectivas despesas de representação e para a restauração das cavallariças reaes. Assim se procedeu. O Rei de Inglaterra entrou em Lisboa em 2 de abril de 1903; e o Rei de Espanha, depois de ter adiado a sua vinda mais de uma vez, chegou a 10 de dezembro do mesmo anno. Fizeram-se os abonos.

Mas pela primeira vez em Portugal, logo no dia em que se constituiu a Camara dos Senhores Deputados, em 4 de janeiro de 1904, ali levei, com previa resolução do Conselho de Ministros, e incluido na lei de receita e de despesa, um pedido de credito, concebido nos seguintes termos:

"São abertos no Ministerio da Fazenda creditos especiaes para as despesas abaixo mencionadas e que serão escrituradas nos respectivos exercicios:

Despesas para a recepção de Sua Majestade o Rei de Inglaterra e de Sua Majestade o Rei de Espanha 222:913$325

Despesa com a preparação das equipagens de gala 77:670$409

302:683$834

Só uma parte das despesas com a restauração dos estábulos é que não foi incluida no decreto, por não estar definitivamente apurada.

Esta proposta de lei tornou-se na lei de 24 de novembro de 1904. Não obstante isto, apparecem agora como tendo sido enviadas á commissão de inquerito quantias que dizem adeantadas e não legalizadas, umas, talvez, por não designarem a applicação, outras por conterem as palavras a liquidar opportunamente; sem se lembrarem de que a liquidação podia ser feita pelo pagamento ou pela legalização. A verdade é que todas as quantias abonadas até 31 de dezembro de 3903, quaesquer que fossem os dizeres dos despachos, foram incluidas no credito votado, com excepção das pequenas despesas de 100 libras e de 1:980 francos, de que falarei. Ninguem, como o Ministro que pediu o credito, sabe o seu alcance e fins.

Ninguem poderá comprehender que vencendo eu as naturaes dificuldades para abrir um credito em que figurava a Casa Real, para pela legalização se cobrir das minhas responsabilidades, as não incluisse todas. E todas foram incluidas, as quantias abonadas, como adeantamento ou não, até 31 de dezembro de 1903. Cito dois testemunhos: o de Hintze Ribeiro e o do Sr. José Luciano. Hintze Ribeiro dizia na Camara dos Pares, em 21 de novembro de 1906:

"São despesas de representação do país, as quaes não cabem propriamente na dotação da Familia Real, que está computada para o seu viver, para o exercicio augusto das suas funções, e não para despesas extraordinarias, como são as visitas dos Soberanos estrangeiros e a sua consequente retribuição. Em toda a parte essas despesas pertencem ao Estado e não aos Soberanos. O Ministerio regenerador, acrescentava, no orçamento para 1904-1900 deu o exemplo de inscrever as despesas d'essa natureza, a fim de que o Parlamento pudesse legaliza-las. Mão se tinha feito isso até então? A culpa era dos Governos e não da Coroa".

O Sr. José Luciano dizia:

"Quanto ás despesas feitas com as viagens regias e com a recepção de Soberanos estrangeiros, essas despesas entraram no orçamento de 1904-1905, da iniciativa do Ministerio regenerador e que foi approvado na gerencia do Ministerio progressista".

Essas despesas eram evidentemente as feitas pela Casa Real, á qual haviam sido abonados os necessarios supprimentos.

Feita a lei, foi mais tarde aberto o credito. Como é sabido, os creditos são abertos no Ministerio da Fazenda, a favor do Ministerio que faz a despesa ou que pretende faze-la. Esta circunstancia somente não é mencionada quando os creditos são abertos para despesas do Ministerio da Fazenda, o que era o caso do credito pedido na lei de receita e de despesa.

Tratava se das despesas feitas pelo Ministerio da Fazenda em abonos extraordinarios á Casa Real, embora comprehendesse tambem alguns supprimentos feitos ao Ministerio do Reino para festejos. Ninguem comprehenderia que o Ministro da Fazenda pedisse um credito para legalizar responsabilidades alheias, deixando por legalizar as suas proprias responsabilidades.

Pois, em 24 de dezembro de 1904, foi aberto, á sombra da lei de 24 de novembro de 1904, em que se autorizavam os creditos especiaes a que já me referi, na importancia de réis 182:583$834, de despesas que o mesmo Ministerio fizera com as recepções dos dois Soberanos, ficando do credito autorizado na lei apenas 42:329$491 réis, que estava, muito aquém dos abonos feitos á Casa Real para as despesas que já mencionei.

Não comprelhendi nunca esta inversão do destino do credito, o que explico pelo empenho que o Ministerio do Reino mostra sempre em ter legalizadas as suas despesas.

É possivel que nisto esteja, em parte, o motivo por que apparece para ser enviado á commissão de inquerito, como adeantamentos, o que fora abonado para despesas de recepção e representação, conforme as notas apresentadas.

Vou dar exemplos obtidos da confusão feita, para mostrar como deve ser