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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 257

elle entender dever dar dos motivos que teve para assim proceder, a camara é o juiz para apreciar esses motivos.

Mas o digno par não collocou assim a questão, collocou-a no terreno puramente da injustiça e da illegalidade. O marinheiro, disse s. exa., não póde ser obrigado a servir mais um dia depois de ter acabado o tempo de serviço que a lei do recrutamento prescreve; findo esse tempo póde-se ir embora, porque a carta assim o auctorisa. S. exa. acrescentou ainda, que se os tribunaes haviam condemnado as praças que tinham desertado depois de completarem o seu tempo de serviço, a sua condemnação tinha sido um acto injusto e illegal. Consiste nisto apenas o argumento do digno par, e a esse argumento responderei que o militar não póde disputar a legalidade de qualquer acto do seu superior e proceder contra as suas ordenas. Se o podesse fazer, as consequencias que d'ahi haviam de resultar seriam terriveis.

O militar, embora haja acabado o tempo de serviço que a lei o obriga a fazer, não póde ser elle proprio o juiz do dia, hora, ou momento em que ha de largar a arma para ir para a sua casa mansa e socegadamente.

Mas uma tal violencia, diz o digno par, é uma grande illegalidade. Será injustiça, digo eu, mas illegalidade não.

Com effeito, póde dizer se que é injustiça obrigar as praças de pret a prestar serviço por mais tempo que aquelle que a lei prescreve; nesse acto, porem não ha illegalidade. A lei permitte o que se está praticando.

Vou ler á camara a disposição da lei de 21 de julho de 1856, para mostrar a exactidão do que affirmo.

Esta lei foi applicada á armada por acto de dictadura, e as suas disposições foram adoptadas pelos ministros os srs. visconde de Sá da Bandeira, José Jorge Loureiro, Latino Coelho e outros cavalheiros.

Eis o que diz a lei:

(Leu.)

É uma circumstancia attenuante do crime, mas o crime não deixa de existir. Entenda-se bem: o militar que deserta depois de completar o seu tempo de serviço, tem a seu favor esta circumstancia attenuante, mas ella não lhe póde servir de circumstancia justificativa. Ora se isto assim é, como é que se póde dizer que o militar assim que acaba o seu tempo de serviço não commette um crime desertando?

Como é que se póde admittir que o soldado tem direito de deixar o serviço quando quizer, logo que se de aquella circumstancia de acabar o tempo, sem se lhe haver dado baixa? Não póde ser.

Os tribunaes, pois, procedem legitimamente quando condemnam essas praças que desertam.

Parece-me que tenho explicado esta materia no campo juridico. Quanto aos factos, direi que sou juiz, como a camara sabe, e pelo meu cargo incumbe-me tomar conhecimento de muitos negocios d'esta natureza; sei que os tribunaes judiciaes sem excepção condemnam como desertores os individuos que abandonam o serviço sem terem baixa legitima, ainda que hajam completado o tempo que são obrigados a servir.

O que os tribunaes, porem, fazem n'este caso é recommendarem á clemencia do poder moderador os réus condemnados. Assim procuram esses tribunaes alliar a equidade á justiça.

Não me consta que nem um só d'esses individuos, condemnados pelos tribunaes militares como desertores, tenha ido para Africa cumprir a pena que a lei estabelece para os crimes de deserção. O poder moderador tem sempre usado n'estes casos da sua clemencia. (Apoiados.)

Peço licença ao digno par para fazer uma observação, mais com relação ao ponto que o digno par tratou, e ao qual tenho estado a responder. Abstrahiamos um pouco da vida militar, que é essencialmente privativa da liberdade, e que colloca, o homem em posição tal, que os seus direitos individuaes quasi desapparecem para só haver o direito do estado.

A vida militar é tão excepcional, que ninguem tem direito de murmurar sequer das ordens dos seus superiores; e até certos deveres, que na sociedade são apenas deveres de cortezia, como é o cumprimentar um superior, na vida militar esses deveres estão convertidos em preceitos positivos consignados na lei..

O digno par, que já foi ministro, que já foi governador civil, que já foi dignissimo presidente d'esta casa, se s. exa. d'esse uma ordem quando foi ministro, magistrado ou presidente desta camara a qualquer dos empregados seus subordinados, e se esse empregado não cumprisse essa ordem por a julgar injusta e illegal, o que faria s. exa.?

Pois é possivel haver subordinação e disciplina em qualquer estado quando o inferior póde ser juiz das ordens do seus superior?

É absolutamente impossivel! O exercito seria menos do que uma guerrilha, seria a anarchia; e a sociedade, longe de ter um elemento de segurança, tinha um elemento de transtorno e de desordem.

Isto pelo lado theorico.

Pelo lado pratico, temos a lei especialissima, primitivamente estabelecida pelo sr. José Maria Latino Coelho, como disse o sr. presidente do conselho, que admitte a hypothese da possibilidade dos marinheiros poderem estar no serviço alem do tempo legal, e basta que a lei admitta a hypothese para dever ser considerada legal.

Sr. presidente, isto não é uma cousa que succeda só n'este paiz. Não ha nenhuma nação, onde haja exercito, que não tenha legislação analoga a esta.

Pois haverá exercito mediocremente organisado...mesmo o dos Estados Unidos da America, onde se diga que o soldado, quando completar o tempo de serviço, póde-se ir embora?!

See do Tejo uma embarcação de guerra com destino a qualquer ponto do globo, e ha de ser permittido que o marinheiro possa dizer-acabei o meu tempo de serviço, quero-me ir embora?!

Pois póde-se admittir que o soldado diga que não quer fazer o serviço, ou que não quer estar em campanha, porque acabou o seu tempo?

Se tal cousa se admittisse acabava-se a disciplina e desorganisar-se-ia a força publica!

Sr. presidente, eu desejo muito, e peço com todo o empenho ao governo, que faça toda a diligencia, que lance mão dos ultimos recursos, para que a lei do recrutamento maritimo se cumpra; mas, chegar ao ponto de dizer que o soldado ou o marinheiro, quando entenda que a ordem para se conservar no serviço não é legal, se possa ir embora, isso não creio eu que nos seja permittido.

O governo póde ser interpellado a este respeito, póde mesmo ser censurado, se a camara entender que elle não empregou todos os esforços para cumprir a lei, porque até ahi chega o nosso direito, porque até ahi vae a nossa faculdade; mas, mais do que isto, não podemos nem devemos fazer.

Não tenho mais nada a dizer, e peço á camara que desculpe ter-lhe tomado este pequeno espaço de tempo.

O sr. Presidente: - Está quasi a dar a hora, e então concedo a palavra ao digno par, o sr. Vaz Preto,, que a pediu para antes de se encerrar a sessão.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, em uma das sessões anteriores, v. exa. e a camara ouviram o sr. presidente do conselho fazer-me uma insinuação; ouviram o lançar-me em rosto uma contradicção, asseverando que eu tinha approvado o augmento das tarifas dos caminhos de ferro do norte e leste. N'essa mesma occasião, quando s. exa. affirmava similhante facto, eu protestei logo contra, e declarei que não era exacta aquella asserção.

Parecia que, em vista de uma negativa tão formal da minha parte, não restava a s. exa. mais do que fazer-me