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336 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

com responsabilidade igual, se mio maior, o revisor do jornal.

Responsavel o revisor? Quem jamais de tal se lembrou?

Pois raparem bem.

Que faz o revisor?

Reintegra e põe na sua plena significação o pensamento do auctor.

A phrase ou expressão injuriosa está em branco na prova? Elle põe-na no seu logar com a sua propria mão. Vem alterada ou substituida por outra, que, longe de ser offensiva, pode até ser elogiosa? Elle risca a expressão, e colloca no seu logar a injuria, sem lhe faltar uma só letra.

Querem maior collaboração na pratica do delicio?

Figuremos varias hypotheses, para se tornar mais comprehensivel o argumento.

Uma pessoa premedita um crime e tem convenientemente preparado o punhal para o commetter, é o auctor do artigo; uma segunda pessoa, de proposito, ou sem intenção, embota-lhe o gume, ou corta-lhe a ponta, é o compositor; uma terceira pessoa afia-lhe o gume ou aguça lhe a ponta, é o revisor. Não será a responsabilidade d'este terceiro collaborador no delicto, igual ou superior á do primeiro?

Outra hypothese:

Um individuo vae por um caminho com o fim de praticar um delicio; é afastado d'elle por outro individuo; mas um terceiro que o vê transviado, colloca-o no verdadeiro trilho e atira-o para cima da sua victima. Não haverá aqui uma grande e effectiva responsabilidade?

Ora. se isto é assim, como realmente é, pergunto eu:

Porque é que as leis de imprensa dos diversos paizes nunca se lembraram, e ainda bem, de tornar responsavel o revisor do jornal?

Por uma razão muito simples.

É porque essa consequencia que deriva necessariamente da responsabilidade do auctor é absurda, ou pelo menos, pouco acceitavel, o que vem demonstrar que o agente principal do delicto e outro; não é aquelle que escreveu o artigo; é o que o entregou á apreciação e ao juizo dos outros por meio da publicidade. É o editor.

É por isso que eu digo e repito que a lei de 1898 é, n'esta parte, muito superior ás disposições do projecto.

Vamos á conferencia dos delegados do Ministerio Publico.

Gabinete negro lhe chamaram alguns, talvez pela cor das vestes dos magistrados. De inquisição o appellidam tambem, e estes não lhe erraram o nome, porque verdadeira inquisição é, nos seus processos e intuitos.

Ha uma inteira semelhança entre este tribunal e a antiga inquisição, salvas as provas barbaras e crueis do tempo, e o rigor das penas que a civilização naturalmente modificou, mas conservaram fielmente as linhas da estructura e os principies fundamentaes da instituição.

O que fazia o sagrado tribunal?

Vinham os frades de S. Domingos de Bemfica para S. Domingos da cidade, onde estava o» seu tribunal, no desempenho do que elles chamavam o serviço de Deus.

Um d'elles era tão zeloso n'aquelle serviço que por milagre, segundo refere o grande historiador da ordem, escapava á chuva e entrava no convento com o habito enxuto, depois de ter exercido santamente as suas funcções de juiz.

Que faziam elles no tribunal?

Examinavam as denuncias, esmeulhavam os livros, as memorias, todos os papeis que tinham deante de si, inquiriam de tudo, e onde encontravam uma heresia religiosa, uma offensa ao dogma, proclamavam um delicto.

Que se vae fazer depois de approvado este projecto?

Cousa semelhante ao que se fazia na inquisição.

Examinam-se os jornaes, que representam o pensamento actual, como os livros e papeis examinados pelos inquisidores representavam o pensamento da epoca.

Que se procura nos jornaes?

A heresia politica, a offensa ao dogma constitucional.

Qual é o dogma politico?

É este: A pessoa do Rei é inviolavel e sagrada: não está sujeita a responsabilidade alguma.

Aqui tem S. Exa. a doutrina orthodoxa.

Não foi estatuida em concilios ecumenicos, mas foi dada por um pontifice, e reconhecida depois pelas assembleias parlamentares.

O fim é o mesmo.

Antigamente procuravam-se heresias em materia de religião, offensas ao dogma catholico; hoje procuram-se heresias em materia constitucional, offensas ao dogma politico.

Todo aquelle que faltar ao respeito ao Rei, ou excitar o odio ou o desprezo pela sua pessoa, está incurso nas penalidades que a lei prescreve.

Está aqui a sancção para a heresia.

E em que termos, Sr. Presidente!

Vê se bem que, se a sociedade portugueza alguma coisa tem caminhado, ella está ainda distante, muito distante, de um periodo de verdadeira civilização.

Falta de respeito devido ao Rei!

Mas isto é uma expressão de tal modo generica, e susceptivel de tantas e tão variadas interpretações, que não ha ninguem que uma vez se tenha de referir ao Chefe do Estado que se não arrisque a ser criminoso contra sua vontade.

Eu citei uma phrase conhecida do Sr. relator e se o Digno Par, com cuja amizade me honro de ha muitos annos, tivesse pronunciado vinte phrases semelhantes, todas eu citaria, não como vinte aggravos porque não estava, nem podia estar isso nas minhas intenções, mas como vinte argumentos contra o projecto, porque taes argumentos, vindo da sua pessoa, teem mais força e mais autoridade.

Mas generalizando pergunto: quem é que, escrevendo ou falando, pode estar isento de ter empregado uma palavra que uma errada interpretação possa considerar falta de respeito ao Rei?

Disse o Digno Par que eu tinha escolhido para mim a melhor parte n'esta questão, porque me tinha referido a palavras minhas quando redigia um jornal chamado o Universal, em que eu atacava um acto do poder moderador, relativo a uma dissolução das Côrtes, como inconveniente para os interesses do paiz.

Eu não escolhi, nem a melhor, nem a peor parte.

Se de outros factos me lembrasse, outros citaria; peço até ao Digno Par que m'os indique se os conhece, porque eu todos acccito e todos agradeço, porque todos elles virão provar que pode reputar se falta de respeito ao Rei o que não é senão o justo exercicio do direito de critica.

Venham muitas palavras minhas, porque, se n'ellas pode encontrar-se a manifestação de uma opinião livre, não se encontra de certo uma offensa ao Rei, já pela homenagem que sempre prestei á sua elevada magistratura, já pelo decoro que elevo a mim proprio no exercicio de quaesquer funcções.

Pois escrevem-se phrases que não offendem nas suas intenções, e o homem que as escreve vae ao tribunal, onde pode ser absolvido, é certo, mas onde tem de passar pelo aggravo de um processo e pelo vexame das explicações!

É isto defensavel?

Dir-me-ha o Digno Par: mas como é que se resolve a questão? Porque é que não apresenta emendas ao projecto?

Em primeiro logar não apresento emendas ao projecto porque tenho a convicção de que ellas são rejeitadas, como sempre acontece com as emendas que partem d'este lado da Camara, porque se eu tivesse a certeza de que as minhas emendas iam para a commissão, eram consideradas, e devidamente, não teria duvida em as redigir, pedindo antes de tudo que se não reputasse offensa a simples falta de respeito ao Rei, bastando que se incrimi-