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10 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

berio, Caligula e tantos outros despotas e tyrahnos?

Praticaram toda a casta de loucura, toda a especie de crueldades, e ai de quem se oppusesse aos seus desvarios.

Não sabe V. Exa. o que aconteceu no tempo de Jayme II, de Inglaterra ?

Ignora que quis introduzir á força a religião catholica na massa total dos ingleses, que eram protestantes?

Pois eu, quanto ao poder absoluto dos Reis, continuo a manter as minhas convicções, a despeito das observações de um Digno Par tão erudito e de um parlamentar tão abalisado.

O Sr. Sousa Costa Lobo: — O que eu disse foi que era a primeira vez que ouvia isso a V. Exa.

O Orador:— Pois eu creio que não dou nenhuma novidade á Camara.

La eu dizendo, Sr. Presidente, que a historia ensina que os Reis absolutos faziam tudo quanto lhes vinha á cabeça.

Hoje ninguem crê no direito divino; os Reis de direito divino foram-se, como se foram os Deuses do paganismo. Mas os Reis actuaes, os Reis constitucionaes, ainda estão cercados de uma tal aureola de grandeza, herança dos antigos tempos, que ainda muita gente julga que o Rei é o soberano, quando a verdade é que a soberania reside na nação, de que o Rei é apenas o mandatario.

O respeito que todos devem ao Rei, como primeiro funccionario do Estado, chega em algumas pessoas até a adoração.

Assim, na Inglaterra, modelo das monarchias constitucionaes, e que já no tempo de Guilherme III tinha a Constituição que hoje tem, e, diga-se de passagem, Constituição que foi imposta ao Rei primeiramente no seculo XII e depois pela convenção de 1688, na Inglaterra, o grande orador e Ministro de George III, Lord Chatham, a que alludiu o Digno Par Ressano Garcia no seu eloquente discurso, tinha pelo Rei tal respeito que chegava á superstição: falava-lhe de joelhos, e assomavam-lhe as lagrimas aos olhos, quando o Rei lhe dava alguma demonstração de sympathia.

Em Portugal tambem, Sr. Presidente, em 1823, quando foi da jornada de Vilia Franca, todos nós sabemos que varias pessoas de instruccão, para mostrarem o seu affecto e dedicação para com D. João VI, desatrelaram os cavallos do coche que o conduzia, para ellas o puxarem.

É certo que entre nós o respeito pelos Reis constitucionaes nunca chegou a este extremo. Mas é tambem fora de duvida que a influencia é ainda grande, que elles estão cercados de tal prestigio, que é muito difficil resistir aos seus pedidos, principalmente quando se diz que esses pedidos são feitos para tirar a Coroa de uma grande dificuldade, para salvar a sua autoridade, o seu decoro e o seu prestigio.

Todos nós ouvimos aqui dizer a um Presidente do Conselho, cuja memoria respeito, porque foi durante a vida estimado e respeitado por todos, que era seu dever receber as ordens do Rei e cumpri-las.

É um facto que cito sem fazer commentarios.

Pelo meio em que me acaava, que não pretendo analysar. mas que então acreditava ser salutar e conveniente para o bom Governo do Tais, pelo meio em que me achava é que se explica a condescendencia, a fraqueza que tive para ceder a instancias è solicitações e autorizar es adeatamentos.

Ha 18 annos, quando fui Ministro pela primeira vez, é que começaram, Sr. Presidente, a modificar-se as minhas ideias politicas.

Sr. Presidente: quando comecei a ver a politica por dentro e não por fora. . . primeiro vi a politica da plateia e depois do palco, dos bastidores, o que é differente, e com isto não quero fazer a menor censura aos meus collegas com quem servi, e protesto contra qualquer interpretação neste sentido que se pretenda dar ás minhas palavras; as minhas crenças foram pouco a pouco apagando-se, e depois que vi quaes as difficuldades que teem de se vencer, os desgostas que as soluções das questões trazem, e emfim as causas d'esses desgostos, fui modificando gradualmente as minhas crenças politicas; fui accumulando desenganos; hoje, um amanhã, outro; fui transformando as minhas ideias numa evolução lenta como são todas as evoluções.

Ainda vi luzir um raio de esperança quando foi da concentração liberal, porque acreditei ingenuamente nas pá lavras de um Presidente o e Conselho que veio aqui com a mão no peito jurar, deante de Bens e dos homens, que se tinha arrependido dos seus erros e que havia de encetar uma vida nova, conforme a lei e a liberdade. Enganei-me, ingenuamente e envergonhadamente confesso o meu erro.

Quando vi esse caraclismo destruidor desencadear-se sobre o País esmagando os mais sagrados direitos de um povo, suprimindo a imprensa, dissolvendo as camaras municipaes, escarnecendo das leis, suffocando a liberdade, que, para o homem que pensa e sente, é tão preciosa como é a vida; quando vi essa ditadura maldita, espionando, prendendo, deportando, matando; e quando vi—oh, Sr. Presidente?— quando vi a Monarchia constitucional, a Monarchia liberal, autorizar, apoiar, applaudir essa feroz ditadura, a que faltou só a força para se igualar á de D. Miguel, cheguei ao convencimento de que a Monarchia, quando quer e quando lhe convem, pode transformar-se num Governo despotico e tyranno, para praticar toda a casta de excessos e desmandos, toda a casta de erros e de crimes.

O Sr. Conde de Lagoaça: — A Monarchia aconteceu-lhe o mesmo que a V. Exa., enganou-se; mas como não podia passar para a Republica, ficou.

O Orador: — Mas eu é que não quero sujeitar-me a esses enganos. Tenho as minhas convicções muito arreigadas para que o digno Par me faça modifica-las.

Sr. Presidente: dizia eu que quando cheguei a cate convencimento resolvi resolutamente, porque aborreço, detesto, odeie o absolutismo e a tyrannia, sair dos arraiaes de uma Monarchia, que não me garante o direito que tenho á vida a á liberdade, para me abraçar com outras doutrinas e com outros principies que julgo mais justos e mais efficazes para me defenderem os meus direitos e promoverem o progresso material e moral da nação.

Custou-me a resolução, porque deixei os meus amigos, os meus partidarios, cem quem vivi sempre em boa camaradagem, mas consola-me a ideia de que aquelles que eram meus amigos pessoaes, ainda me honram hoje com a sua amizade, porque sabem que a mudança das minhas opiniões não foi motivada por interesses vis e mesquinhos, mas só pela força da minha consciencia, que pode estar em erro mas que é sincera.

Julguei que era do meu dever fazer estas declarações, agora que da questão dos adiantamentos se está tratando com tanto ardor.

Não podia pois ficar calado, para que não suppusessem que eu escondia as minhas culpas para fugir ao castigo.

Não quero tomar mais tempo á Camara. Concluo como comecei. Confesso-me culpado e arrependido. Mas com esta commissão não se imagine que eu venho implorar a clemencia de alguem.

Podem julgar, o que quiserem. Conheço bem as minhas responsabilidades, mas sinto-me bastante forte para soffrer as consequencias que essas responsabilidades sobre mim podem trazer.

Tenho dito.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Conca de Lagoaça: — Requeiro a V. Exa. que se digne consultar a