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SESSÃO N.° 37 DE 8 DE AGOSTO DE 1908 3

tam-se, em degenerado enxerto, os adeantamentos illegaes á Fazenda Real. Do que representa esse dissonante, hybrido e inhabil agrupamento, fala sucintamente a minha moção, que passo a ler, e em seguida fundamentarei, nos seus diversos assertos:

MOÇÃO DE ORDEM

A promiscuidade estabelecida no parecer referente á lista civil, incluindo no mesmo diploma a dotação do Chefe do Estado e os prologomenos respeitantes á pretensa liquidação dos adeantamentos illegaes, feitos á Real Fazenda anteriormente ao actual reinado, não tem precedentes, não se justifica em ponto algum, e nem sequer se desculpa.

A destrinça que se impõe, perante a moralidade e a boa ordem, d'essas duas questões heterogeneas, não foi acolhida pelos dominantes poderes officiaes. não obstante os graves inconvenientes resultantes de tão nocivo amalgama, avolumados pela absoluta carencia de idóneas informações elucidativas d'esses dois importantes assuntos, mormente do relativo á liquidação dos adeantamentos illegaes.

Contra este erro fundamental se insurge evidentemente o Pais, que tem direito a que lhe sejam dadas, por delegação nos seus representantes em Côrtes, estrictas e nitidas contas, em materia de tanta magnitude e melindre. Contra este erro palmar, cujas funestas consequencias são previstas pelos espiritos rectos e cultos, protesta o abaixo assinado, na profunctoria analyse que vae realizar, encetando-a, desde já, pela disjunção indispensavel das duas questões, tão compromettedora e inhabilmente confundidas.

Nesse proposito, cabe a primazia á apreciação concernente á lista civil, em que os adeantamentos foram degeneradamente enxertados, e cuja elaboração não se recom-menda pela parcimonia e lucidez com que foram organizadas e regulamentadas as dos reinados anteriores. É esta a impressão que resalta do que se propõe agora e do que está estatuido na carta de lei de 11 de fevereiro de 1862, referendada por Antonio José de Avila, e na de 28 de junho de 1890, da referenda do Sr. Conselheiro João Franco: — a primeira dizendo respeito á dotação do rei D. Luiz e do infante D. Augusto: e a segunda, á dotação do rei D. Carlos e de outros membros da Familia Real.

Para todos três, a dotação regia é de réis 1:000$000 diarios. Para os dois anteriores, porem, os encargos e dispêndios eram muito maiores, o que importa um aumento consideravel no estipendio do actual reinante. Nem outro significado pode ter o preceituado nó artigo 2.° e seus paragraphos, e no artigo 3.°, da proposta em discussão.

A considerar ha ainda que, pelo artigo 5.° da lei de 28 de junho de 1890, eram declaradas em vigor, no reinado de D. Carlos I. as disposições fiscalizadoras e restrictivas da lei de 16 de julho de 1855, e das leis, na parte applicavel, de 23 de maio de 1859, de 30 de junho de 1860, dê 2 de maio de 1885 e de 25 de junho de 1889.

Pelo artigo 6.° da proposta em debate, vigora unicamente, em parte, o estabelecido na lei de 16 de julho de 1855, o que, alem de importar diminuição de responsabilidades, de natureza varia, para o Rei actual, representa uma pungente ironia, em presença dos artigos 4.° e 8.° da ultima citada lei, assim concebidos:

Artigo 4° É autorizado o Governo a despender annualmente até á quantia de réis 6:000$000 para concertos e reparações que forem necessarios á conservação dos palacios e jardins................................

Artigo 8.° Proceder-se-ha a inventario dos bens da Coroa immoveis e moveis, mencionados nos artigos antecedentes; avaliando-se os terrenos productivos e os moveis susceptiveis de deterioração, e fazendo-se dos objectos preciosos uma exacta descrição. Nos archivos das Camaras Legislativas serão depositadas copias autenticas do mesmo inventario, e uma outra no archivo da Torre do Tombo.

De como tem sido postergado este ultimo artigo, dá noticia a proposta acêrca do inventario dos bens da Coroa, por mim apresentada nesta Camara, em sessão de 12 de maio derradeiro, e que jaz no limbo de uma commissão.

Quanto ao dispositivo dos 6:000$000 réis preceituados no artigo 4.° retro-referido, tiveram elles, sob a rubrica OBRAS NOS PAÇOS REAES, inserção no orçamento do Estado até 1898-1899. Desde então, multiplicaram-se os abusos e esbanjamentos, cujo inicio vem de longe, e que se cifram por centenas e centenas de contos de réis, despendidos loucamente em obras e mobiliarios dos palacios regios, e produzindo profundos rombos no depauperado Erario.

O parecer em discussão, longe de pôr cobro a estas pesadas e prodigas anormalidades, fazendo a regressão aos poupados processos derivantes da integra applicação do supracitado artigo 4.° da lei de 16 de julho de 1855, visa, pelo contrario, no seu § 3.° do artigo 2.°, a inutilizar tão salubrizadora doutrina, não limitando sequer, com caracter permanente, a verba a despender com obras nos regios alcaçares.

Attentas as angustiosas circunstancias do Thesouro, mal se comprehende o que fica exposto, balisarmente attentatorio das praxes mas elementares de uma administração pautada pela sensatez e pela economia. De resto, o privilegio, o odioso e odiento privilegio, campeia e exterioriza-se em tudo e por tudo. Assim, nos ultimos tempos do reinado anterior, o rei D. Carlos, em antagonismo absoluto com a tradição, não acompanhava os outros funccionarios do Estado nos arduos sacrificios que ainda hoje os trituram, e são representados pelo imposto de rendimento, emanante da lei esmagadora de salvação publica, de 26 de fevereiro de 1892.

De toda a utilidade seria, pois, corrigir desigualdades d'estas, por modo que ellas não pudessem produzir-se de futuro. Na proposta, porem, em debate, providencia alguma se encontra com tão sadio objectivo, — com magua o consigno aqui. A lista civil, tal qual foi manipulada pelo Governo, constituo uma excepção, na forma e na essencia, com o que era de uso e costume praticar-se. A despeito das suas tortuosidades, reconhece-se, todavia, que ella é muito mais avultada do que as precedentes, e que nem mesmo acautela ulteriores desmandos e desperdicios. Não deve, nem pode ser.

Segundo Emilio de Girardin, é indiscutivel este asserto: — poiitique de nuages, politique d'orages.

Não a julgam, ao que parece, por esse prisma o Sr. Presidente, do Conselho e o rotativismo, com quem S. Exa. está desgraçadamente identificado. As morbidas nebulosidades em que é fertil a proposta que se discute, não gafam exclusivamente a lista civil em projecto, relegam tambem para o abysmo dos desacertos e erros insanaveis a liquidação dos adeantamentos illegaes.

O que deveria ser sincera e lucidamente apresentado ao julgamento parlamentar, por quem estivesse livre de toda a macula, na questão sujeita, foi tenebrosa e capciosamente engendrado por um dos mais enleados, senão mais compromettido, como adeantador impenitente. Os subentendidos mystificadores e a escuridão suspeitosa preteriram a franqueza e a luz, que deveriam ser os principaes factores do honesto apuramento de tão delicado assunto.

A doente ousadia do repto ministerial, ha a corresponder, portanto, com a therapeutica aconselhada em casos taes, proclamando bem alto que a questão dos adeantamentos, no pé em que se encontra, embora mereça a approvação das maiorias parlamentares, de rotativos e quejandos, continuará subsistindo, com os seus funestos effeitos destruidores, até o desabar do regime, numa derrocada fraudulentamente politica, economica e financeira. Não ha abominaveis leis de excepção, scelerados expedientes terroristas e torturas inquisitoriaes da hedionda e execranda Bastilha que o evitem. É axiomatico.

Para a decente liquidação dos adeantamentos illegaes é indispensavel tambem conhecer, pelos seus nomes e sitUHção, quem são os adeantados, alem da Fazenda Real. Dois requerimentos meus, apresentados na sessão de 4 de maio transacto, um d'elles referente a todos os Ministerios e o outro dirigido ao Ministerio da Fazenda, falam mais. expressivamente do que quaesquer reflexões que eu pudesse fazer, e o caso sugere. O primeiro dos dois requerimentos é d'este teor:

Nota circunstanciada de quaesquer adeantamentos illegaes, feitos a homens publicos e a funccionarios do Estado, devendo este arrolamento ser acompanhado dos seguintes esclarecimentos:

a) Relação nominal, por annos civis, dos contemplados; copia dó respectivo expediente, concernente a cada um; importancia de cada adeantamento e totalidade das verbas consumidas em tão caracteristicos esbanjamentos.

b) Especificação das providencias de ordem administrativa, adoptadas até á presente data, a fim de o Erario ser reembolsado integralmente das sommas d'elle desviadas abusivamente.

c) Designação das medidas empregadas até hoje, para punição, consoante, é de justiça, dos autores e seus participes, de tão criminosos feitos.

O outro requerimento é concebido nestes termos:

(Documento requerido em 19 de novembro de 1906, repetido em 7 de janeiro de 1907, ainda não satisfeito, e pelo qual insto, não obstante, o decreto ditatorial de 30 de agosto de 1907 e o que o derogou em 27 de fevereiro de 1908). — Que me seja enviada, com urgencia, nota dos emprestimos feitos á Casa Real, desde 1 de janeiro de 1887 até ao presente, devendo nestas informações attender-se ao seguinte:

a) Relação nominal dos contemplados, motivo ou pretexto de cada emprestimo ou adeantamento, designação dos funccianarios que os autorizaram e em que termos.

b) Importancia de cada emprestimo ou adeantamento, data em que foi cada um realizado, somma por cada contemplado e totalidade de todos os adeantamentos ou emprestimos.

c) Pormenorização do modo como elles foram escriturados e das providencias de ordem criminal que o assunto reclama, tomadas por qualquer Governo, e, ainda das attinentes á reintegração no Erario, com os respectivos juros, das quantias d!esic desviadas illegalmente.

Desnecessario seria dizer que as medidas de ordem criminal alvejam apenas os vivos. Os mortos estão exclusivamente sob a alçada da Historia, que a seu tempo os julgará, sem a menor duvida, consoante os principios da rectidão e da justiça.