O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

SESSÃO N.° 39 DE 11 DE AGOSTO DE 1908 3

institituições e deprimente para todos nós.

É meu dever não o occultar.

Se os partidos avançados são os mais fortes, se teem comsigo a maioria do país, governem elles, mas governem com as responsabilidades do mando. Se porem, como eu creio, a grande maioria do país está comnosco, se nós os monarchicos somos os mais fortes, é preciso que governe quem deve, que governe o governo. Não lhe peço nem desejo que exerça violencias, quero apenas que as leis sejam cumpridas. Annullem-se, revoguem-se as que forem más; mas em quanto não forem revogadas, cumpram-se.

0 que para todos constitue uma vergonha, é que o país continue no estado de anarchia em que vive ha seis meses.

Fica, pois, bem accentuado, Sr. Presidente, que o illustre chefe do partido regenerador não responde pelas minhas palavras, e que as minhas palavras não denunciam o intento de fazer ou desfazer Ministerios.

E dito isto, entremos francamente na questão chamada dos adeantamentos illegaes.

Tenho quasi a certeza, Sr. Presidente, de que só depois de uma declaração feita pelo Sr. Conselheiro João Franco na Camara dos Senhores Deputados, quando se discutia a lei de contabilidade publica, eu ouvi falar pela primeira vez em adeantamentos illegaes feitos ao Chefe do Estado.

Foi .o Sr. João Franco, creio eu, quem inventou a frase, depois tantas vezes repetida; e por uma lista publicada ha pouco no Diario de Noticias, parece que foi tambem S. Exa. quem no ultimo reinado iniciou os adeantamentos. Iniciou os e classificou-os. Melhor fora que os não tivesse iniciado, nem classificado.

Nunca tinha ouvido falar, repito, em adeantamentos illegaes feitos ao Chefe do Estado; mas sabia, como ninguem ignorava, que a Casa Real lutava com grandes difficuldades financeiras; que, para satisfazer compromissos urgentes, recorria por vezes ao Thesouro; que entre este e a Casa Real havia contas por liquidar; e sabia, como tambem ninguem ignorava, que no Ministerio da Fazenda existia uma conta corrente com a administração da Casa Real, conta que umas vezes accusava um saldo a favor do Estado e outras um saldo contra elle.

Tudo isto era geralmente sabido.

Que eu me recorde, porem, nunca em Conselho de Ministros, estando eu presente, se falou das dividas de El-Rei ao Estado. Da má situação financeira da Casa Real, sim, algumas vezes se falou. Designadamente d'ella se falou pôr occasião da vinda a Portugal de alguns Soberanos estrangeiros, e depois, quando se organizou e discutiu o orçamento geral do Estado para 1904-1900, no qual se propôs que no Ministerio da Fazenda fossem abertos dois creditos para legalizar despesas feitas por aquelle motivo.

Um d'esses creditos era exclusivamente destinado a legalizar despesas effectuadas pela Casa Real e que haviam sido pagas pelo Estado.

Era isto um adeantamento illegal? A Camara o dirá.

Hoje é semi duvida, uma despesa feita pelo Estado e legalizada pelo Parlamento. Mas, quando a despesa se effectuou, effectuou-se sem lei previa que a autorizasse e com a condição tacita ou expressa de que ficaria a cargo do Estado ou da Casa Real, segundo o Parlamento approvasse, ou não, a proposta que depois foi submettida á sua apreciação.

Logo, quando a despesa se effectuou, foi positivamente um adeantamento illegal feito pelo Governo.

Como é, pois, que hoje se diz que se ignorava a existencia de adeantamentos illegaes? Não bastou, para os denunciar, aquella proposta trazida pelo Governo ao Parlamento e que o Parlamento approvou ?

E sem falar d'essa proposta, não existiam já no archivo das Côrtes diplomas diversos, nos quaes Governos differentes confessavam adeantamentos feitos a bancos e a companhias? Havia porventura lei que os autorizasse? Onde está essa lei?

A verdade é que tudo era sabido, e que nas nossas conversas particulares todos nós falavamos de quantias entregues pelo Thesouro á Administração da Casa Real.

Não se sabia, é certo, a quanto montavam; e para nós, os politicos, eram sempre muito grandes, enormes, os supprimentos, ou adeantamentos, como hoje se diz, feitos pelos adversarios, e pequenos, quasi insignificantes, os que faziam os nossos amigos.

Hintze Ribeiro era muito discreto; chegava mesmo a ser reservado; a sua natural delicadeza não o deixava falar dos negocios particulares de ninguem; e a sua dedicação pelo Rei, o seu respeito por elle, eram inexcediveis, como todos nós sabemos. A sua devoção monarchica, o seu natural reservado e a sua delicadeza oppunham-se, pois, a que de bom grado consentisse que em Conselho de Ministros se discutisse a vida financeira do Chefe do Estado; mas Hintze Ribeiro era tão leal, como discreto; era absolutamente incapaz de occultar dos seus collegas o que quer fosse que pudesse comprometter a responsabilidade collectiva dos Governos a que presidia. Não consentia que em Conselho se discutisse a pessoa do Rei; considerava como dever de honra não falar das contas da Casa Real com o Estado; queria para si proprio a responsabilidade de todos os supprimentos que se faziam, sem lei que os autorizasse; mas a ninguem occultava uma das maiores, se não a maior das preoccupações do seu espirito: a necessidade que havia de se providenciar em Côrtes sobre a situação financeira de El-Rei e sobre a situação ainda mais afflictiva de Sua Majestade a Rainha Senhora D. Maria Pia.

E por seu lado nenhum Ministro da Fazenda regenerador, nas suas conversas sobre assuntos de Governo, fazia mysterio do modo por que se procedia. Para mim nunca o fizeram.

O que succedia nos Ministerios regeneradores creio bem que igualmente succedia nos Ministerios progressistas.

De que serve, pois, perguntar, investigar, discutir, se os adeantamentos feitos á Casa Real foram ou não autorizados em Conselho de Ministros ?

É detalhe indifferente que a ninguem aproveita, nem a vivos, nem a mortos, e que só interessa áquelles que o escandalo exploram. Eu não o digo. O que se passa em Conselho de Ministros é confidencial e, morto Hintze Ribeiro, ninguem tem o direito de me descerrar os labios, autorizando-me a dizer o que á minha honra e á minha lealdade foi confiado.

Demais, quem no Governo se conservava, sabendo que se faziam adeantamentos, fosse a quem fosse, tacitamente os autorizava. É incontestavel; e incontestavel é tambem que nunca por tal motivo saiu Ministro algum do Governo — de qualquer Governo.

Os Ministros regeneradores procediam como sempre haviam procedido os seus predecessores de todas as cores politicas. Era illegal o seu procedimento? Talvez. Estava, porem, nos costumes e consagrado pelo direito consuetudinario. Quando todos procedem do mesmo modo, ninguem se julga criminoso — ninguem é criminoso.

Sabia-se perfeitamente que os Governos poderiam ser accusados de fazer supprimentos que nenhuma lei prohibia, é certo; mas que nenhuma lei autorizava.

Pensava-se nas responsabilidades de ordem politica que lhes poderiam ser exigidas no Parlamento.

Ninguem pensava, porem, em responsabilidades de qualquer outra natureza; e como a dotação do Rei, fixada em 1821, é hoje insuficiente para elle manter o decoro da sua alta dignidade, a ninguem parecia difficil a justificação dos Ministros.

Era preciso — todos o sabiamos e todos o diziamos — que as Côrtes providenciassem sobre a situação do Chefe do Estado.