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8 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

os cidadãos portugueses e, portanto, não pode o Parlamento impor a El-Rei a obrigação de pagar seja, a quem for, seja o que for, que não caiba nas forças da herança que lhe legou El-Rei o Senhor D. Carlos; e é finalmente absurdo, porque impõe ao Rei a obrigação de pagar annualmente ao Estado 5 por cento de uma quantia que se não conhece, podendo portanto admittir se a hypothese de que a quantia que Sua Majestade se obriga a pagar seja superior á sua dotação. (Apoiados)

Disse já, Sr. Presidente, que a proposta do Governo ou prepara para El-Rei o Senhor D. Manuel um mau futuro, ou é apenas uma habilidade politica destinada a illudir ingenuos.

Infelizmente não é uma habilidade politica.

Fixando em 1 conto de réis por dia a dotação de El-Rei, o Sr. Presidente do Conselho sabe muito bem que essa dotação é insuficiente para Sua Majestade manter o prestigio e o decoro da sua posição.

Basta considerar que ella é a mesma que se estabeleceu em 1821 — ha oitenta e sete annos — para se concluir que é hoje insufficiente.

Só poderia estar em boa relação com as exigencias da nossa epoca, se tivesse sido muito largamente calculada em 1821, e com certeza o não foi.

Os Deputados de 1820, os que fixaram em 1 conto de réis a dotação do Rei, para ninguem são suspeitos de menos liberaes, nem de muito subservientes para com a Coroa.

A Camara de 1820 foi entre nós, o que em Franca foi a Constituinte de 1789. Não é pois de crer que essa Camara calculasse muito largamente a dotação do Rei.

Admittamos, porem, que se enganou, que foi na verdade excessivamente generosa, e que a dotação do Rei deveria ser apenas metade, ou um terço se quiserem, da que se estabeleceu. Como a vida está hoje, sem duvida, seis ou oito vezes mais cara para todos do que era em 1821, mesmo nessa hypothese a dotação proposta é insuficiente para o fim a que é destinada, sendo pois, de presumir que cada vez mais se aggravem as difficuldades financeiras com que ha tantos annos luta a administração da Casa Real.

O Sr. Presidente do Conselho nega esta verdade evidente, diz que a dotação proposta é a que deve ser e, para o demonstrar, serve-se, segundo affirma, dos calculos apresentados á Camara pelo Digno Par Sr. Ressano Garcia.

Vejamos o que nos disse o Sr. Ressano Garcia.

S. Exa. dividiu as nações da Europa, ás quaes juntou uma potencia asiatica (o Japão) em tres grupos, segundo a sua população: grandes nações com uma população media de 38 milhões de habitantes, nações medias com uma população media de 5.700:000 habitantes e nações pequenas com uma população media de 2.500:000 habitantes; incluiu Portugal no segundo grupo por ter uma população de 0.600:000 habitantes, e disse-nos que nesse grupo a media das listas civis era de 621 contos de réis. Depois disse-nos que, no mesmo grupo, a capitação media para aquelle fim é de 107 réis, e que se adoptássemos esta media, a lista civil em Portugal sommaria 602 contos de réis e não apenas 501, como succedera se a proposta do Governo for approvada. E por fim demonstrou S. Exa. á Camara que, nos ultimos quatro reinados, a Familia Real cedeu para as urgencias do Estado a importante somma de 3:925 contos de réis.

É nestes esclarecimentos, sem duvida muito valiosos, fornecidos á Camara pelo Digno Par Sr. Ressano Garcia, que o Sr. Presidente do Conselho funda, segundo affirma, a sua argumentação para concluir que a dotação proposta é a que deve ser.

Custa a crer; mas todos nós lhe ouvimos a affirmação, que consta aliás do Summario das sessões.

Para a fina dialectica do Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral não ha impossiveis!

Naquelle tom um pouco chocarreiro, que o illustre almirante se permitte usar no Parlamento, diz-nos S. Exa. que o Sr. Conselheiro Ressano Garcia demonstrou muito bem que a dotação proposta não é maior do que deve ser, e demonstrou tambem perfeitamente que ella não é menor do que deve ser.

E, portanto, conclue S. Exa.. se ella não é superior, nem inferior á que deve ser, é a que deve ser.

Á conclusão seria verdadeira, se as premissas fossem exactas; mas o Digno Par Sr. Ressano Garcia, que é um espirito superior e um mathematico distinctissimo (Apoiados)., só por gracejo nos poderia querer demonstrar que 501, 602 e 621 são numeros iguaes; e todos nós que tivemos o prazer de ouvir o excellente discurso proferido por S. Exa. e que foi mais uma brilhante manifestação do seu grande talento, todos nós sabemos muito bem que S. Exa. não só não gracejou, ruas, ao contrario, discutiu muito seriamente o gravissimo assunto que está submettido á deliberação da Camara.

A affirmação do Sr. Presidente do Conselho foi, pois, unicamente uma facecia de mau gosto, como tentas outras que S. Exa. se tem permittido.

Não me surprehende portanto. Mas, se a affirmação não me surprehendeu, o argumento com que S. Exa. a pretendeu justificar, esse confesso que me deixou assombrado!

Ouça a Camara e pasme.

O Sr. Presidente do Conselho não só demonstra que a dotação proposta não é superior á que deve ser, mas vae mais longe: demonstra que é superior á que deve ser.

Para chegar a esta mirifica conclusão, S. Exa. procede pelo modo que vou dizer á Camara.

Primeiro, divide a quantia de 3:925 contos de réis, importancia cedida pela Familia Real para as urgencias do Estado nos ultimos quatro reinados, por 74, numero dos annos decorridos desde 1834 até hoje, e dignos que o prejuizo para a Casa Real foi, em media, de 54 contos de réis em cada anno.

Depois divide tambem por 74 a quantia de 772 contos de réis, importancia, segundo affirma, dos adeantamentos feitos a El-Rei D. Carlos, e diz-nos que o deficit da Casa Real, nos 74 annos decorridos desde 1834 até hoje, foi apenas de 10 contos de réis em cada anno.

E. seguidamente conclue: bastaria que a Familia Real nada tivesse cedido para as urgencias do Estado, para que, em media, lhe tivessem sobrado 44 contos de réis em cada anno.

Para demonstrar a má fé da argumentação basta apenas expô-la; não é necessario commentá-la.

O Sr. Presidente do Conselho sabe muito bem que a Casa Real nada cedeu a favor do Estado nos ultimos dez ou doze annos e que a quantia de 772 contos de réis de que fala o decreto ditatorial de 30 de agosto e a que tambem se referiu o Sr. Ressano Garcia, & a importancia dos adeantamentos feitos a El-Rei o Senhor D. Carlos nos ultimos sete annos e não o deficit da Casa Real nos setenta e quatro annos decorridos desde 1834 até hoje.

E, portanto, sabe muito bem que o deficit da Casa Real nos ultimos sete annos foi de 110 contos de réis, pelo menos, em cada anno.

Mais: o Sr. Presidente do Conselho tambem não pode ignorar:

Que as difficuldades financeiras da Casa Real não começaram no reinado de El-Rei o Senhor D. Carlos;

Que no reinado da Rainha Senhora D. Maria II. que foi sempre modestissima no seu viver, se venderam muitos e magnificos terrenos que a Casa Real possuia, a fim de com o producto da venda se pagar o que já então se devia;

Que no reinado de El-Rei o Senhor D. Pedro V, soberano modelar que desadorava o fausto e que nunca pelos seus gastos se tornou notavel, se publicaram as leis de 23 de maio de 1859 e de 30 de junho de 1860, autorizando a venda de diamantes da Coroa, na quantidade precisa para se comprarem