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SESSÃO N.° 39 DE 11 DE AGOSTO DE 1908 7

igual a a — b, o Governo, impondo ao Rei, pelo artigo 5.° dá proposta, a obrigação de pagar annualmente ao Estado 5 por cento do saldo de contas que se apurar entre, o Ministerio da Fazenda e a Administração da Casa Real, cerceia a dotação de El-Rei numa importancia ainda não determinada, que poderá ser maior ou menor, mas que, qualquer que seja, obrigará o Rei a contrahir dividas que não poderá pagar pela sua dotação.

Por maioria de razão assim succederá se a dotação proposta é menor do que a — b.

Em qualquer d'estas hypotheses, o Sr. Presidente do Conselho prepara para El-Rei o Senhor D. Manuel um futuro angustioso, no qual fatalmente se repetirão as difficuldades do ultimo reinado. As mesmas causas produzem em geral os mesmes effeitos.

Resta considerar a hypothese de ser a dotação proposta maior do que a — b. Nesse caso, é o Estado que paga a si proprio o que lhe deve a Casa Real, porque propositadamente se estabelece para El-Rei uma dotação superior áquella de que Sua Majestade carece.

Portanto, o artigo 5.° da proposta ou prepara para El-Rei um mau futuro, ou é simplesmente uma habilidade politica, que só pode illudir ingenuos. (Apoiados).

Não será melhor, mais correcto, mais verdadeiro, mais digno de todos, que, apurado o saldo a favor ou contra o Estado, as Côrtes resolvam que se considerem liquidadas as contas?

Assim se tem procedido por differentes vezes em Inglaterra, em Italia e entre nós. Porque se não procede agora do mesmo modo ? Porque o Sr. Presidente do Conselho não pretende resolver a questão; quer apenas afastar as difficuldades de momento, aquellas que o podem incommodar, e mais nada.

E todavia áquella solução é, como eu vou demonstrar, a unica justa, a unica legal.

Segundo as contas apresentadas aqui pelo Digno Par Sr. Ressano Garcia, a Familia Real, nos ultimos quatro reinados, contribuiu para as urgencias do Estado com a quantiosa somma de 3:925 contos de réis. (Apoiados do Digno Par Sr. Ressano Garcia).

Esses 3:925 contos de réis foram deduzidos da lista civil, por virtude de cartas escritas pelos Soberanos aos seus Presidentes de Conselho; mas nem a vontade do Rei basta para fazer lei, nem o poder executivo tem attribuições que lhe permittam alterar por qualquer modo as leis votadas em Côrtes. (Apoiados).

A lista civil, estabelecida por lei, só por outra lei pode ser alterada. O poder legislativo era, pois, o unico competente para acceitar ou recusar o offerecimento dos Soberanos, e nunca os acceitou, nem recusou, porque nunca foi consultado sobre o assunto.

Mais. O Estado não pode cobrar, nem arrecadar receitas que, por lei, não esteja autorizado a cobrar e a arrecadar, e nunca foi, por lei, autorizado a cobrar e a arrecadar as deducções feitas na lista civil.

Mais ainda. Sempre .que os funccionarios publicos teem soffrido deducções nos seus vencimentos, estes teem sido descritos por inteiro na despesa dos differentes Ministerios, mas a somma das deducções teem sido escriturada na receita, sob a rubrica de compensações de despesa; e nunca, em orçamento algum, se escriturou na receita a importancia dás deducções feitas na lista civil.

Fica, pois, demonstrado:

1.° Que os Governos homologaram deliberações que não tinham competencia para confirmar;

2.° Que o Estado arrecadou receitas que, por lei, não estava autorizado a cobrar;

3.° Que as deducções feitas em differentes epocas na lista civil nunca foram escrituradas na receita publica.

E, portanto, demonstrado fica que os descontos feitos na lista civil foram illegaes, muito mais illegaes do que os adeantamentos feitos a El-Rei o Senhor D. Carlos. Estes effectuaram-se sem lei que os autorizasse, aquelles foram ordenados por quem não tinha competencia para os ordenar e contra leis votadas pelas Côrtes, que só estas poderiam revogar ou modificar.

No Thesouro existe, pois, a quantia de 3:925 contos de réis, que pertence á Familia Real. (Apoiados).

E sendo assim, não será melhor para o país, para o Estado e para todos que se considerem liquidadas no dia 1 de fevereiro, sem saldo credor, nem devedor, as contas entre o Estado e a administração da Casa Real?

Pensem nisto a Camara e o Governo. Eu creio, Sr. Presidente, que é esta a forma mais simples, mais justa e mais legal de pôr termo á questão dos adeantamentos feitos a El-Rei o Senhor D. Carlos.

Vejamos ainda o artigo 5.° da proposta do Governo sob um outro aspecto.

Em 5 de fevereiro Sua Majestade escreveu ao Sr. Presidente do Conselho uma carta nos seguintes termos:

«Meu Presidente do Conselho. — Devendo as Côrtes, nos termos do artigo 80.° da Carta Constitucional, fixar no começo de cada reinado a dotação do Rei, e desejando eu que o Parlamento esteja inteiramente livre de toda a indicação para resolver sobre o assunto, é meu firme proposito que a Fazenda da Casa Real, não utilise recursos que não tenham sancção parlamentar. = Creia me seu muito amigo, Manuel».

Correctissima está declaração de El-Rei.

Sua Majestade não quer que a Fazenda da Casa Real utilize recursos que não tenham sancção parlamentar.

D'estas palavras, que são tão claras, como correctas, conclue o Sr. Presidente do Conselho que El-Rei quer pagar ao Thesouro as dividas contrahidas por seu Augusto Pae.

Qual o raciocinio por que d'aquellas palavras de El-Rei se chega a esta conclusão, não sei eu e creio que ninguem o sabe.

Admitta-se, porem, que a conclusão do Sr. Presidente do Conselho se deduz logicamente das palavras escritas na carta de Sua Majestade.

Movido pela abnegação propria da sua idade, pela isenção e altivez do seu caracter e por um sentimento de piedade filial, El-Rei quer — e nenhuma duvida eu tenho de que Sua Majestade o deseja — pagar os adeantamentos feitos a El-Rei o Senhor D. Carlos.

Manifestada essa ideia ao Sr. Presidente, do Conselho, S. Exa. deveria logo responder a El-Rei que, se nas forças da herança legada por seu Augusto Pae cabia a realização do seu desejo, o Governo nada tinha que oppor a que Sua Majestade o levasse a effeito, mas que pela dotação que as Côrtes lhe veiassem não o poderia Sua Majestade realizar, porque ellas só lhe votariam a dotação restrictamente necessaria para El-Rei manter o decoro da sua alta dignidade.

Procedeu assim o Sr. Presidente do Conselho?

Não; S. Exa. apressa-se a trazer ás Camaras uma proposta para que o desejo de El-Rei seja convertido num dever.

El-Rei pagará ao Thesouro os adeantamentos feitos a seu pae, não por um acto espontaneo da sua vontade, mas no cumprimento de uma obrigação legal imposta pelas Côrtes.

Na melhor das hypotheses, o procedimento do Sr. Presidente do Conselho é incorrecto e descortês.

O artigo 5.° da proposta do Governo é, pois, desprimoroso para El-Rei, porque pretende impor-lhe como dever o que é, e só pode ser, uma louvavel aspiração de Sua Majestade; é inopportuno, porque pretende entregar a uma commissão extraparlamentar a resolução de um assunto que por deliberação da Camara dos Srs. Deputados, está já affecto a uma commissão da mesma Camara; é inconstitucional, porque o Rei não pode deixar de ter os direitos que a Carta Constitucional garante a todos