DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 457
O projecto de s. exa. é engenhoso, mas permitta-me que lhe diga tambem que é demasiado transparente, vê-se o que está debaixo d'elle; e o que está debaixo d'elle é o incentivo á fraude e a repugnancia ao aperfeiçoamento das matrizes; e esse aperfeiçoamento é o nosso desideratum. (Apoiados.)
Parece que por parte dos dignos pares que defendem o imposto de quota, ha a prevenção de que com o systema de repartição tem o inconveniente de deixar o imposto estacionario; ora, eu creio que a pratica tem provado o contrario, e até o digno par o sr. Matinas de Carvalho nos disse que o rendimento actual é o dobro do que era em 1852, não nos devemos importar se o resultado que elle produz provém do principal se dos addicionaes, o que é certo é que o thesouro, apesar do systema de repartição, recebe hoje do imposto predial quasi o dobro do que recebia, quando elle foi estabelecido.
Ha um ponto, sr. presidente, onde me parece que na discussão das duas casas do parlamento se tem exagerado. É na apreciação do que se passou, quando em 1862 o sr. conde de Valbom pediu o augmento dos 85:000$000 réis. A grande repugnancia não foi ao pedido deste augmento, foi á forma; aquelles 85:000$000 réis era o que se calculava que deveria resultar da reforma das matrizes.
Na fórma de distribuir este augmento dividiram-se as opiniões em dois grupos, uns, querendo que aquelles réis 85:000$000 fossem distribuidos pelos districtos na mesma proporcionalidade do augmento de rendimento collectavel que em cada um d'elles se dava, e outros pretendendo que esta massa de 85:000$000 réis fosse distribuida por todos os districtos na proporção do que já pagava cada um. Esta é que foi a questão na camara dos senhores deputados. Portanto não se diga que em 1864 as camaras fizeram questão de votar ao governo 85:000$000 réis de imposto.
Os oradores que fallaram contra a proposta do governo e da commissão, não impugnavam o imposto, mas a forma; e então, claro está, que não se póde admittir esta prova de que com o systema de repartição não é possivel augmentar o imposto sem ter de encontrar a resistencia das camaras legislativas.
Já o sr. Carlos Bento disse que em 1861 foi este imposto augmentado com 40 por cento, e em 1869 foi ainda augmentado com mais 20 por cento. Por consequencia, repito, o systema de repartição não póde ser accusado de impedir o augmento de receita d'este imposto. Nem as camaras têem recusado votar este augmento, quando as circumstancias financeiras o aconselhem.
Sr. presidente, torno a dizer que não tomo partido pelo systema de quota nem pelo de repartição, mas o que desejo, como de certo tambem deseja a camara e o governo, é que tenhamos boas matrizes, porque sem esta base não é possivel tirar bom resultado de nenhum dos systemas.
O que eu receio é que, estabelecido o systema de quota, o governo se veja em grande difficuldade para conseguir o aperfeiçoamento das matrizes.
O sr. ministro da fazenda receia que se continuar o systema de repartição, e depois de feita a revisão das matrizes, reconhecendo-se que alguns districtos pagam muito menos do que devem, não seja possivel estabelecer uma justa distribuição, pela resistencia que hão de oppor aquelles que tiverem de pagar muito mais do que hoje pagam, emquanto que pelo systema do projecto,- se vae passando successivamente para o systema de quota, isto é, da justa proporcionalidade do imposto com o rendimento collectavel. Mas eu direi que pelo systema do projecto, para cada districto haverá tambem a passagem respectiva de um para outro systema, que alguns districtos, de um anno para outro, passarão a pagar talvez o dobro do que hoje pagam, e nesse caso apparecerão as mesmas repugnancias invenciveis que o sr. ministro receia.
Eu duvido muito que o governo não se veja, n'essa occasião, obrigado a propor a revogação d'esta lei.
É uma cousa grave obrigar um districto, de um para outro anno, a pagar o dobro do que pagava, embora seja com justiça. O facto economico de fazer pagar um districto o dobro do que pagava até uma dada epocha, ha de dar-se necessariamente, porque ha districtos que pagam hoje metade do que deviam pagar em relação a outros. Isto é uma questão grave.
Esta transformação repentina tem graves inconvenientes economicos, e de tal ordem, que me parece que o governo ha de hesitar em applicar a lei; isto, dado o caso de que as matrizes sejam feitas como o devem ser; porque se o não forem, torna-se mais injusto o imposto da quota do que o de repartição, e o sr. ministro actual, ou qualquer outro que se sente n'aquellas cadeiras, ha de necessariamente propor a reforma d'esta lei.
São estas, em geral, as observações que tenho a fazer ao projecto em discussão, e que me levam a não o poder votar, comquanto veja que n'elle ha artigos de menor importancia, que são inoffensivos, e outros que julgo convenientes e uteis, como por exemplo o que estabelece as regras para a revisão das matrizes.
Quanto ás isenções a que o projecto se refere, estou de accordo a este respeito. As minhas duvidas são, como já disse, sobre os artigos que estabelecem a mudança da contribuição de repartição em contribuição de quota.
O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Sr. presidente, procurei seguir com toda a attenção o digno par que acaba de fallar, quando expoz á camara as duvidas que lhe suscitava este projecto do governo. Pela minha parte diligenciarei, pois, responder a s. exa., sustentando o projecto e expondo as rasões que o governo teve para propor esta modificação no imposto predial, que reputo importante, e que ha de prestar grandes beneficios ao thesouro e ao contribuinte.
Declarou s. exa. que lhe repugnava em particular que o governo, quando precisa estabelecer impostos, alguns dos quaes não são muito acceitaveis aos olhos da sciencia economica, mas de que as circumstancias do thesouro nos obrigaram a lançar mito, fosse por este projecto prescindir dos recursos que fornece a contribuição especial. Direi ao digno par que foi esse um dos assumptos em que muito pensei ao redigir o respectivo artigo da proposta, entendendo por fim que não convinha, por uma receita insignificante embora progressiva, e que não poderia elevar-se a muito mais de 7:000$000 réis por anno, ir sacrificar o pensamento capital da mesma proposta, a que, talvez mal, eu ligava e figo uma importancia financeira muito grande. A doutrina do artigo 7.° foi um dos pontos que mais trabalho nos deu a mim e ao illustre funccionario a quem confiei a redacção da proposta. Por esse artigo se estabelece uma serie de compensações graduaes e successivas em virtude das quaes reputo possivel a transformação para o systema de quota e sem as quaes eu imaginaria que similhante transformação iria revolucionar o paiz. Na redacção d'esse artigo teve de attender-se por um lado á fixação em 10 por cento do contingente total a distribuir annualmente; por outro, á base fixa da tabella que se adoptava para effectuar essa distribuição; e por outro, finalmente, ás rectificações successivas nos contingentes districtaes subordinados ao principio de que em nenhum districto, cujas matrizes tivessem sido revistas, o imposto ficasse inferior a 10 por cento.
D'estes tres elementos derivaram difficuldades reaes para se conseguir por meio do jogo de todos elles a passagem para o systema de quota, não de um modo repentino e brusco, mas gradual, a fim de que o povo se fosse habituando á transição, evitando-se assim resistencias naturaes que tornassem impossivel a applicação da lei.
N'estas condições julgou-se mais conveniente manter o principio fundamental do projecto, visto que a introducção