DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 551
O governo, sempre o mesmo, nada disse, apesar do excellente exemplo dado n'esta camara pelo digno par, o sr. relator da commissão, o qual, não lhe importando a recommendação ministerial sobre a estreiteza do tempo, entendeu, pela consideração que lhe merece esta assembléa, e em vista da importancia do assumpto, não dever limitar-se a uma breve resposta; e saíndo da trivialidade dos pareceres, como já o fez na questão da reforma d'esta camara, discutiu calorosamente, no campo elevado dos principios, a actual materia.
S. exa. entendeu não perder tempo tratando do direito do suffragio, é citou, como exemplo, o facto passado no parlamento inglez, onde duas das suas maiores illustrações, por occasião da ultima reforma eleitoral, comprehenderam a utilidade de chamar a sciencia em seu auxilio, e de reflectir em frente da philosophia sobre a grave doutrina do direito do suffragio.
Todavia estas citações para nada serviram, e o silencio, quasi completo, continuou no banco dos srs. ministros! S. exas. nem acreditam, nem têem fé no systema parlamentar, e d'ahi nasce tudo quanto estamos vendo.
O gabinete está aqui, permitta-se-me a comparação, como as creanças na escola, contando e pensando só nos minutos que faltam para que a classe possa acabar.
O governo não faz senão olhar para o relogio collocado na parede d'esta camara, e ver se a hora passa rapidamente, para se livrar do pesadelo e do incommodo da discussão!
Depois finge-se victima, como se a victima não seja o paiz, que soffre as consequencias da desgraçada administração de s. exas., cujos maus effeitos nós procurâmos attenuar constantemente, combatendo os projectos e as muitas despezas, que formam o systema d'este triste governo.
Não digam, pois, s. exas. que são victimas, porque victimas, torno a dizer, é o paiz e somos nós.
Sr. presidente, compare-se a epocha presente com aquella que o sr. presidente do conselho tanto honrou pela maneira nobre por que tratava as questões.
N'esse tempo estava eu nos bancos da universidade, e igualmente dois membros do gabinete; procurava-se então avidamente o Diario das côrtes para ler os discursos do sr. Fontes, que tratava os altos assumptos do estado em toda a sua altura, e os discutia desassombradamente e com a latitude que elles pediam!
Compare-se essa epocha com a de hoje; e compare-se tambem a epocha em que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, querendo ganhar as suas esporas de cavalleiro na politica, passava tres dias na camara dos senhores deputados a discutir a instrucção publica.
Comparem-se todos estes factos com o procedimento de hoje de s. exas., que se exaltam com impaciencia, quando nós lhes tomâmos algum tempo, fallando sobre estes interessantes assumptos, e logo nos lembram pela sua dialetica o cansaço da assembléa, que se fatiga escutando as considerações da opposição.
Sr. presidente, o silencio rompeu-se por fim, e como se rompeu?
Em primeiro logar declarando o sr. presidente do conselho as suas hesitações na questão juridica.
Parece-me que foram estas as palavras de s. exa., como se verá, quando apparecer o seu discurso, que será publicado tarde; mas a camara deve recordar-se bem das phrases, porque ainda ha poucas horas foram ellas proferidas.
S. exa. declarou-se na questão juridica incompetente, e depois pediu á sua maioria e supplicou para não demorar um instante a approvação do parecer, rejeitando a alteração proposta pelo sr. marquez de Sabugosa, porque receiava que d'ahi viesse mal aos negocios publicos, e que a lei se mallograsse.
Que importa que a lei seja obscura, que se levantem processos, muitas leis e muito apparato é o principal?! Se rejeitam, teremos a commissão mixta, crise com a outra camara, e a este respeito logo direi a minha opinião.
Compare-se este facto, sr. presidente, com o facto passado, quando se tratou da reforma d'esta camara. Estavam no projecto tres artigos constitucionaes, e eu propuz á assembléa a sua eliminação; para que votar o que já estava na carta?
Não havia hesitações, não havia duvidas, como as que apparecem a proposito da lei que estamos discutindo.
Todavia a assembléa rejeitou a minha proposta, e eu honro-me muito de que o digno presidente d'esta camara, em quem todos reconhecem tanta auctoridade sobre negocios politicos, me tivesse acompanhado na votação.
Sr. presidente, tem-se querido aproveitar de uma certa desharmonia que existe entre mim e os meus collegas da opposição, ácerca de alguns dos importantes assumptos commettidos ao nosso exame.
Effectivamente ha discordancia de opiniões n'alguns pontos; mas não quer isto dizer que perante o inimigo commum, perante o mau estado das finanças, perante a pessima administração do governo, não estejamos unidos para votarmos unanimemente, da maneira por que o temos feito até agora. (Apoiados.)
Pedi a palavra, sr. presidente, porque tendo tido a honra de discutir n'esta casa algumas das mais importantes questões ultimamente aqui tratadas, não podia tambem deixar de consignar a minha opinião expressa sobre a materia que nos occupa, e que foi apresentada pelo meu particular amigo o sr. marquez de Sabugosa.
N'este momento vou dar á camara um testemunho da sinceridade das minhas convicções, e de quanto procuro que as apreciações por mim feitas sejam conformes com o principio de justiça.
Eu fui um d'aquelles que impugnaram mais viva e fortemente o projecto de lei eleitoral, porque entendi, e entendo, que o alargamento do suffragio como se quer estabelecer tinha grandes inconvenientes; mas, apesar d'isso, é hoje a minha opinião que, em face da lei, a maioridade para ser eleitor se deve considerar aos vinte e um annos.
Hesitava, fui estudar, fui examinar, convenci-me ser esta a idade, e francamente o venho dizer e sustentar.
Sobre este assumpto, para supprir a fraqueza dos meus conhecimentos juridicos, quiz soccorrer-me á opinião de alguns jurisconsultos importantes; busquei, portanto, a de um jurisconsulto que, alem de ser muito notavel pela illustração de todos reconhecida, não se occupava, quando escrevia, de politica, e por isso maior peso deve ter o seu parecer.
Nas Annotações ao codigo civil portuguez, pelo sr. José Dias Ferreira, leio o seguinte:
«A portaria de 29 de janeiro de 1869 decidiu negativamente ser a maioridade legal aos vinte e um annos, com o fundamento de que a carta constitucional, nos artigos 65.° § 1.° e 68.°, excluia de votar e de serem votados os menores de vinte e cinco annos, e de que as disposições do codigo só respeitavam aos direitos civis e não aos direitos politicos.
«Effectivamente esta é a doutrina da carta; porém o acto addicional expressamente alterou e revogou os citados artigos, como se mostra do artigo 9.° § unico, e determina que possa votar e ser votado para qualquer cargo publico, artigos 5.°, 7.° e 8.°, o que tiver entrado na maioridade legal. O acto addicional respeitou a maioridade fixada na lei civil, e não certo e determinado numero de annos. Ora, a lei que então vigorava e a que o acto addicional se referiu, era a velha ordenação e a novissima reforma judicial, que marcava os vinte e cinco annos, e foram revogadas n'esta parte pelo codigo civil; comtudo, hoje o codigo civil é que impera; porque a lei de 1 de julho de 1867, que deu sancção ao codigo, revogou toda a legislação sobre materia civil, tanto geral como especial, que recair nas materias n'elle comprehendidas; portanto, a maioridade legal, exigi