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Diário da Câmara dos Deputados
Não vou, sequer, Sr. Presidente, tentar pôr em evidência, sumariamente, as características dominantes das produções mais conhecidas entre as várias que a literatura portuguesa fica devendo ao estro de Junqueiro, tanta vez tocado pelo génio. Falo quási de improviso; quando entrei na Câmara não pensava que tivesse de ser eu a falar em nome dos nacionalistas. E, falando assim, sem prévia preparação, o meu respeito pela obra de Junqueiro e também pela minha própria inteligência impede-me de dizer mais que a minha profunda admiração pelo grande poeta que Portugal acaba de perder.
Com a morte de Junqueiro estão de luto as letras portuguesas, luto de que participam todos aqueles para quem a vida intelectual da Nação não pode ser indiferente, luto que a própria Nação deve reconhecer.
Mal dos povos que não sabem glorificar aqueles que lhes espiritualizam â vida, que lhes sabem criar sensível beleza. E de todas as artes nobres, sem nenhuma querer deminuir, a mais espiritual e também a de mais fácil e directa divalgação é incontestavelmente a poesia Musicadas almas,, como lhe chamava Voltaire o autor querido de Junqueiro, durante uma das fases da sua evolução mental.
À poesia deu Junqueiro o melhor do seu privilegiado, talento. Poeta êle foi no significado próprio, essencial, do termo. Poeta êle próprio com justificado orgulho se reconhecia e confessava. E agora que as suas mãos, para sempre inanimadas, já não podem voltar a tanger a lira de onde tantos sublimes acordes soube desferir, justo é quê o país inteiro signifique à memória do poeta perdurável gratidão.
Sr. Presidente: altíssimo poeta foi Junqueiro, mas poeta visando a difundir ideas, a condicionar sentimentos com directa, intenção social. Mesmo nas suas produções mais acentuadamente líricas, a intenção social transparece claramente. Sob é ponto de vista político os sentimentos democráticos demonstram, na obra de Junqueiro, superior e viva expressão.
Como aconteceu com muitos da sua geração, Junqueiro, seduzido também pelo desenvolvimento das, sciências físicas, acreditou que com os métodos usados nessas sciências se poderia vir a determinar o que transcende os dados dos sentidos, se poderia vir a dar plena satisfação só por intermédio da razão à eterna curiosidade humana a respeito da verdade absoluta. Racionalista, ataca a igreja. Corresponde a essa fase do espírito de Junqueiro a sua obra satírica, irreverente como poucas, mas poeticamente admirável.
O racionalismo materialista não prende para sempre o maravilhoso espírito de Junqueiro. A história natural deixa de ser para êle a única história verdadeira, mas com a natureza confunde a fôrça criadora, aparecendo-nos panteísta, misticamente panteísta ato. fase esta de transição que o eleva ao puro deísmo, que acaba por o levar ao seio da igreja, à prática da religião católica. É o que pode e deve concluir-se das suas últimas disposições quanto ao funeral, disposições, que os jornais acabam de tornar públicas. Morreu cristãmente Guerra Junqueiro; há muito que a moral cristã inspirava a sua. obra poética, e não é de ontem que o espírito de Junqueiro se voltava para a igreja. Da atitude de Junqueiro há uma grande lição prática a tirar: a de que entre democracia e religião nenhuma antinomia real existe. E bom seria, para sossêgo da terra portuguesa, que todos reparássemos nessa lição, para ver se de vez a todos se garantia íntegra liberdade religiosa, única maneira de também de vez a República se integrar na Nação.
Sr. Presidente: em nome dêste lado da Câmara, me associo às palavras justas e merecidas que V. Ex.ª quis proferir, e dou também o meu inteiro aplauso à proposta de V. Ex.ª
Tenho dito.
Vezes: — Muito bem, muito bem.
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: escusado é dizer que a minoria católica aprova calorosamente a proposta de V. Ex.ª para que as exéquias do eminente, poeta Guerra. Junqueiro sejam nacionais.
Êste desejo ressalta naturalmente de todos os corações dos portugueses, como uma vibrantíssima afirmação patriótica.
E que Guerra Junqueiro, incontestavelmente, pairou como um génio na história literária contemporânea. Não foi um homem qualquer que tivesse tido apenas