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Sessão de 9 de Julho de 1923
gédia que se está passando em todo o mundo tem por causa principal a decadência da inteligência humana nos últimos cinquenta anos.
É consolador saber-se que Guerra Junqueiro fizesse mentir Ferrero.
Eu posso ter a mais alta admiração por uma das mais legítimas glórias nacionais, e insisto neste ponto quando infelizmente para nós elas vão sendo tam raras, eu posso como português e mesmo como católico ter a mais alta admiração pelo génio poético de Guerra Junqueiro; basta que tivesse escrito Os Simples. Mas o poeta deu-nos uma lição nos últimos momentos da sua vida, querendo morrer abraçado à religião de seus maiores; e não é por isso que estou falando desta maneira, mas entendo que naquela hora em que a alma se apresenta diante do Criador, para quem tem a fé que me honro de professar, é uma consolação íntima pensar que o poeta morreu abraçado a essa mesma fé.
Êle tinha pelo seu país um sentimento de apaixonada dedicação. Êsse sentimento inspirou-lhe versos absolutamente imortais, ainda que a tendência da época e a sua, nesse tempo, o fizessem ser injusto talvez; e se eu digo talvez é porque me consta, creio que de boa fonte, que o poeta tinha preparada uma nova edição da Pátria, onde os ataques especiais, dirigidos na primeira a quem na altura da sua publicação era rei de Portugal, desapareciam.
Êsse pensamento de apaziguar as paixões políticas com que Guerra Junqueiro procurou terminar a sua vida, parece-me poder servir a todos de lição, que é a de que devemos colocar sempre os interêsses e glória da Nação acima das opiniões e tendências políticas de cada um.
É por isso, Sr. Presidente, que com calor e com o mais profundo e íntimo sentimento, vendo desaparecer um dos homens que mais levantaram a tam gloriosa literatura portuguesa e, portanto, o nome da Nação, eu me associo em nome dêste lado da Câmara às palavras por V. Ex.ª pronunciadas e às manifestações que a Câmara votar acompanhando a proposta de V. Ex.ª
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ginestal Machado: — Sr. Presidente: nestes últimos tempos e cada vez mais acentuadamente vem-se usando com tanta liberalidade dos altos epítetos, dos grandes qualificativos, para engrandecer tudo o todos, que francamente, quando nos encontramos em frente de alguém que possui real e verdadeira grandeza, sentimos um certo acanhamento, sente-se o nosso pudor intelectual um tanta ferido, em ter de empregar aquelas mesmas palavras para o qualificar, para o definir, que têm sido usadas para vestir de roupagens e louçanias tanta insignificância pretenciosa.
Morreu Guerra Junqueiro! Morreu alguém e o seu lugar vazio deve ficar por muito tempo. Era Guerra Junqueiro um dos raros sobreviventes daquela plêiade de portugueses que na última metade do século XIX tanto iluminaram o mundo espiritual da nossa nação. Como disse, e muito bem, o Sr. Aires de Ornelas, Guerra Junqueiro com dois outros altíssimos poetas, João de Deus e Antero de Quental, formavam uma trindade que, pode dizer-se sem blasfémia, era uma trindade divina. Não teria Junqueiro aquela profundeza estranha de Antero, não teria talvez aquela emotividade perfeita de João de Deus, mas tendo como êles atingido, sob o ponto de vista da técnica, maravilhosa perfeição, excepcional era em Junqueiro o colorido do ritmo e, sobretudo, o poder de expressão, tam prodigioso êste como admirável era o seu extraordinário poder de síntese.
Diferente, sem dúvida, de Antero e de João de Deus, a nenhum dêles era inferior em. grandeza e elevação. E grandes são os três, mesmo quando considerados tomando pontos de referência dentro das maiores literaturas, quer seja a da velha Grécia, mãe genial das que se lhe seguiram entre as europeias, quer seja a da moderna França, entre as contemporâneas a mais rica, a que melhor sabe evidenciar as nobres características da estirpe comum às gentes latinas.
Sr. Presidente: não posso fazer a análise da obra de Junqueiro. Aqui, numa assemblea essencialmente política, nunca mesmo essa análise poderia ser feita como é mister que se faça, como a mais elementar justiça à memória de Guerra Junqueiro exige que ela seja feita.