11 DE JANEIRO DE 1955 297
o mesmo é que cometer o enorme contra-senso de pugnar por um Corporativismo de Associação -hoje podo dizer-se unanimemente proclamado e defendido - e transigir, afinal, com uma situação definitiva de Corporativismo de Estudo. Pois, como é possível, a um regime onde falta o órgão corporativo por excelência, comandar-se por si próprio, disciplinar as suas respectivas actividades, autodirigir-se, dispensando casa força externa que é o comando, a disciplina, a direcção do Estado? Como é possível, a uma organização incipientemente corporativa, sem o seu órgão hierárquico superior, dispensar a intervenção directa do Estado, por meio de organismos de coordenação económica, como os que possuímos, ou mediante outra qualquer fórmula de tipo estadual?
Para sermos lógicos, haveríamos então de confessar-nos sustentáculos de uma forma híbrida do Corporativismo, duma espoei e de sistema misto, corporativo-so-cialista, que mais rigorosamente deverá denominar-se socialismo corporativo; isto porque é essencialmente socialista o principio de que parte, e só é corporativo o instrumento de que se serve.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Mas, com todo este absurdo de misturar sistemas inconciliáveis, quem se colocasse nessa posição, ao meios teria o mérito de aceitar unia coisa que defendia, e não poderiam acusá-lo de falsear as suas próprias convicções.
Para aquele, pois, que não tenha em mira um Corporativismo de Estado, só pode haver uma atitude legítima e coerente: pugnar pela instauração de corporações.
Mas, antes de continuarmos, parece oportuno abrir um parênteses para sublinhar a impropriedade actual dessa clássica e tão vulgarizada classificação: Corporativismo de Estado e Corporativismo de Associação.
Sabido é que o chamado Corporativismo de Associação repousa em três pilares fundamentais - livre iniciativa para a criação dos organismos corporativos, inscrição facultativa, autodirecção- e que em princípios contrários assenta o Corporativismo de Estado.
Ora, a verdade é que, para o nosso tempo, a fórmula corporativismo de associação, na sua pureza, não tem significação prática, mas apenas valor ideal e interesse histórico. Pois o que inegavelmente importa é saber se a instituição corporativa se rege e comanda por si, independentemente do Estado, sendo secundário que este intervenha para criar, impulsionando a organização, nu até imponha a inscrição obrigatória dos participantes em determinada actividade.
E, se assim sucede quanto aos organismos primários, para as federações, e uniões muito mais difícil seria conceber uma livre criação ou uma inscrição facultativa, c seria quase impossível pensá-lo quanto ao órgão de grau superior - a Corporação.
Deste modo, traço dominante e distintivo é incontestavelmente a autodirecção; e teremos, assim, substituída a velha classificação por estoutra, mais actual e adequada ás realidades: Corporativismo Autónomo e Corporativismo Dependente.
Voltando á linha de pensamento de que nos desviámos por instantes, no intuito de fixar terminologia mais apropriada, encaremos ainda outro aspecto importante,
qual é o das consequências que poderão advir da função de corporações.
Que ficaremos perante a contigência de perigos vários, ninguém o contestará. Mas também não sofrerá fácil contradita esse conceito tão conhecido e comprovado, que a sabedoria do povo emoldurou em frase de conciso recorte: «Homem prevenido vale por dois». E não oferece dúvidas que os futuros dirigentes das
corporações hão-de sentir as pesadas responsabilidades que sobre si impendem, hão-de estar suficientemente prevenidos contra toda a série de percalços a que estará exposto o seu trabalho, hão-de sobretudo ter a consciência perfeita de quanto são melindrosas as suas funções e que, da sua incompreensão ou do desrespeito pelos superiores interesses nacionais, bem pode resultar o descrédito do regime.
Tem de haver aqui uma reserva natural de optimismo; sem ela não pode levar-se por diante o mais banal empreendimento. E custa a acreditar que os homens de alta estatura, a quem virão a ser confiados os destinos das nossas futuras corporações, estejam todos apostados em fazer soçobrar o sistema. Mas quando haja um ou outro em tal situação deliberada ou inconsciente - e nesta medida restrita já temos de o admitir e, até, de o esperar- havemos de ser justos, também, ao supor que os seus pares se- recusarão a segui-los.
Como quer que seja, todavia, o Estado, ao 'menos na fase inicial da corporação, não poderá abster-se de ali se encontrar convenientemente representado, por forma a 'poder desempenhar, com eficiência e prontidão, aquela tarefa fiscalizadora que sempre lho deverá competir, por mais adiantada, completa e eficaz que se encontre a organização institucional corporativa.
Do outro lado, também, não pode esquecer-se que a própria actividade de cada corporação está automaticamente limitada, e controlada, pelo órgão coordenador que vier a ser criado para articular e integrar todas as corporações, porventura esta mesma Câmara, internamente ajustada para o efeito.
E teremos, assim, duas significativas garantias, a um tempo contra a falta de consciência corporativa ou predomínio de interesses exclusivistas, e também contra a luta gigantesca entre duas ou mais corporações, para citarmos apenas os mais salientes e apregoados perigos opostos ao funcionamento do regime corporativo.
Sr. Presidente: postas estas considerações sobre a situação actual do Corporativismo português e sobre u discussão, na generalidade, do mais transcendente problema que nela se enxerta, parece agora oportuno passar a análise do mesmo problema em alguns pontos da sua especialidade.
Para o fazer, transformemos em premissa a conclusão tirada há pouco, e consideremos assente a necessidade de instaurar as corporações.
Sendo assim, convém ir levantando, desde já, algumas questões prévias importantes, de entre tantas que hão-de propor-se ao critério e à reflexão dos reformadores encarregados de estruturar e erguer a corporação portuguesa.
Daí só poderá colher-se benefício, dado que urge tomar posição quanto a determinados pontos de interesse primordial e sobre os quais nem todos os corporativistas terão meditado o bastante.
Encaremos então, sumariamente, duas ou três dessas questões prévias, com o propósito principal de formular perguntas ou suscitai- dúvidas, mas sem excluir a intenção de encontrar soluções.
Eis uma das primeiras perguntas cuja propositura se impõe: vamos erguer em bloco a cúpula da organização, ou vamos .autos, «por escalões sucessivos, construir paulatinamente, seguindo uma ordem de conveniência e de possibilidades?
A criação simultânea o total das corporações é, de longe, o processo mais correcto teoricamente. Eleito o critério paro a constituição aos grandes corpos representativos das várias funções sociais, determinado o seu número e raio de arção, nada mais lógico do que pôr de pé, dum jacto, o plano gizado, previamente amadurecido pelo estudo e- caldeado na discussão.